Ler as coisas do Mundo
Podemos afirmar que todas as pessoas tem uma “visão” de mundo moldada pelos aspectos políticos, culturais, históricos e sociais que as colocam em posições diferentes ao “enxergar” e tomar decisões frente as situações e as coisas que as cercam. Para alguns o mundo é pura diversidade, do tamanho dos sonhos mais criativos e da complexidade da imaginação onde tudo se constrói na fluidez entre os pensamentos e as atitudes. Entretanto, para outros tudo se dilui num pessimismo desvairado em que seus horizontes mais promissores não passam de seu ‘umbigo’. Por onde passam, à galope do egocentrismo, difundem uma visão estreita e simplista da realidade. Depende da posição que ocupamos, expressamos uma maneira de ver as situações que a vida nos impõe. Estamos submersos num oceano cultural em que as redes colaborativas e as parcerias são fundamentais para o desenvolvimento de propostas que possam descortinar alternativas para melhor compreensão da relação do EU com o MUNDO. Podemos perceber que o processo de aprendizagem perpassa pela interação entre os aspectos físicos e subjetivos em que a vida, a realidade que conhecemos, só tem sentido quando compartilhada entre as pessoas. São as “visões” dos outros que fazem com que eu me enxergue no espelho invisível dos significados simbólicos daquilo que dá sentido ao existir.
No grande livro da aventura humana e suas páginas misteriosas encravadas na experiência cotidiana podemos valorizar novas percepções que ampliam nosso manancial de saberes. Escutando com vivacidade a história oral e a memória das comunidades tradicionais é dar visibilidade para personagens que foram suprimidos das narrativas históricas. Para entender um pouco a História Geral dos grandes eventos mundiais é necessário que cultivemos a curiosidade pela história familiar e as histórias dos bairros e da região onde semeamos nossos laços afetivos e fomentam maneiras distintas de “ler o mundo” onde moram riquezas inestimáveis. Aos letrados e iletrados, em alfabetização precoce ou tardia, apreender a essência de modos peculiares de se viver oportuniza o contato com as diversas áreas do conhecimento acumulados ao longo do tempo. Dos antigos pergaminhos aos livros digitais, o livro ainda é o veículo que conecta o passado e o presente e registra os avanços da ciência e modelos teóricos atuais.
A democratização da educação formal permitiu o maior contato com os livros, apesar de que isso não significa aumento nos índices de leitores. O ato de ler é revolucionário e traz uma ruptura com a esfera do senso comum. Na tenra e saborosa infância as “visões” de mundo são temperadas pela literatura, contos, estórias e o colorido da arte. Em idade avançada o cultivo do hábito da leitura é um dos caminhos para qualidade de vida e bem estar. Nunca é tarde para aprender, desde que as virtudes da humildade, simplicidade e respeito sejam os princípios básicos entre as relações humanas. As bibliotecas públicas são espaços que merecem ser usufruídos pela comunidade, onde podem fazer suas pesquisas, ter acesso a um vasto acervo bibliográfico e associar-se para retirar as publicações que mais lhe interessar. Um local de múltiplas trocas que estimula um convívio saudável entre as pessoas. Os museus da cidade exigem infra estrutura adequada e um plano museológico para administrar seus acervos. Os museus são lugares vivos que resguardam objetos e artefatos consagrados pelo tempo e o uso e fruição entre seus corredores são imprescindíveis. O esquecimento dos espaços de reflexão e do livre pensamento, como os museus e bibliotecas revelam o nível cultural de uma determinada população. Uma abordagem que busca a universalização dos livros como meio efetivos de transformação nas “visões de mundo” são os pontos de leituras que ocupam áreas públicas, de maneira errante, levando arte e cultura e difundindo a semente no coração de novos leitores. O casal de educadores Gilmar e Rita disseminam alegria com o ponto de leitura Bolinha & Bolota e o ativista cultural e músico Alessandro Luz, o Ale, implantou a chamada “Livradeira” numa praça da comunidade da Vila São João. Leitura na praça reutilizando uma geladeira que se transforma numa estante em que os leitores retiram e doam livros. São as atitudes que escrevem as linhas do destino e acabam sendo os pilares para novos olhares que privilegiem os gestos nobres da comunidade local que faz a diferença e não necessita de holofotes para legitimar seu trabalho. Assim, aprendemos e reaprendemos a ler as coisas do mundo, nos livros, no seio das expressões culturais e nas memórias coletivas buscando bússolas que orientem nosso singular modo de ‘vi – ver’ em comunhão.
Publicado no Jornal Litoral Norte RS e Jornal A Folha/Torres.