Contextualização do Atendimento Psicológico de Crianças em Disputa Judicial por Guarda

Contextualização do Atendimento Psicológico de Crianças em Disputa Judicial por Guarda

Preliminares:

As crianças costumam vir encaminhadas pela Assistência Social, Conselho Tutelar ou pelo Juízo, para acompanhamento psicológico, em virtude de disputa judicial por guarda.

No primeiro atendimento o acompanhante faz relato sucinto das condições do processo e as dificuldades que encontram para lidar com o cumprimento das decisões em torno das visitas a um dos pais.

O sofrimento psicológico de crianças:

As peculiaridades da inserção do ser humano no processo do viver o tornam absolutamente indefeso e dependente em todos os aspectos da vida, no que nos interessa aqui, a dimensão emocional, psicológica.

Inapelavelmente as crianças, com os rudimentos de sua formação mental, ao nascer, sofrem. À medida que prossegue o processo do desenvolvimento, as crianças vão adquirindo a capacidade de fazer frente às vicissitudes dos apelos vivenciais e cada vez mais sofrem menos.

Defendo a poética ideia de que o gesto humano capaz de oferecer a condição suficientemente necessária para aplacar a avassaladora dor do nascimento é o aconchego, que poderá ser oferecido pela mãe, ou o obstetra, ou a enfermeira, antigamente pela parteira, recentemente pelo oficial de Bombeiro num parto na Marginal Tietê (São Paulo).

O aconchego será o protótipo da situação vivencial de que as crianças necessitarão para continuarem o inevitável processo do crescimento, posteriormente materializado em condições suficientes de relativa estabilidade econômica, social, cultural e emocional.

Pode-se compreender estabilidade econômica, social e cultural como a ambiência onde estejam preservadas condições satisfatórias de emprego e renda, moradia, sanidade de infraestrutura, contatos sociais, acesso a bens culturais. A estabilidade emocional se realiza em relações afetivas seguras, onde as crianças tenham oportunidade de gostar e ser gostada.

As crianças e a maternagem suficientemente boa:

Maternagem suficientemente boa é uma ideia de orientação psicanalítica que pode ser entendida como a capacidade que as mamães desenvolvem ao longo da gestação e nos primeiros tempos de vida do bebe, enquanto ele é absolutamente dependente de cuidados, ofertando as condições que favorecerão o desenrolar do desenvolvimento em condições satisfatórias.

Esta ideia se amplia para o ambiente familiar que deverá continuar a proporcionar à criança uma situação de relativa estabilidade econômica, social, cultural e emocional.

O ambiente familiar, por excelência, é o tradicional: mãe, pai, filho, ampliado, não só modernamente, desde sempre, por avós, tios, vizinhos, creches, igrejas, escolas, etc.

Sustento a opinião que o essencial para o transcorrer do desenvolvimento infantil saudável é, muito mais do que a composição desejável do ambiente familiar, a existência da maternagem suficientemente boa, ampliada para a relativa estabilidade econômica, social, cultural e emocional.

As evidências históricas tem assinalado o rompimento, não tão raro, dos vínculos familiares, seja de forma fatídica, a morte de um dos pais, quer por razões econômicas, o trabalho longe do lar, mesmo ainda, motivado por separação dos pais.

Qualquer que seja a situação, mesmo no seio de uma estrutura familiar desejável, a criança sofre.

Para a criança, a despeito de tudo, o importante é a estabilidade do ambiente onde ela vive. É no ambiente suficientemente estável que a criança conseguirá desenvolver a capacidade de cada vez mais, sofrer menos!

A guarda compartilhada por determinação judicial:

A família que busca o arbítrio judicial para resolver questão da guarda de sua criança, costumeiramente é uma família em conflito. Possivelmente não conseguiram construir a maternagem suficientemente boa. O conflito, nesta dimensão, é habitualmente danoso. E o prejuízo maior costuma ser sempre da parte mais fragilizada, nestes casos, a criança, que geralmente se transforma em álibi, moeda de troca, no jogo de interesses da relação conflituosa.

O instrumento da guarda compartilhada por determinação judicial é ainda recente e não se pode avaliar com mais precisão os alcances da sua prática.

Ainda assim, sustento, que para a criança pequena, poderá ser mais vantajoso vivenciar um ambiente, do que se dividir em ambientes que são potencialmente distintos na interpretação e atualização dos valores, preceitos sociais, costumes familiares: alimentação, higiene, disciplina, religiosidade, etc.

Acrescente a isso, o costume cultural da educação das crianças pequenas ser conduzida pela mãe e quase nunca pelo pai. Ainda que os tempos modernos, as mídias, tenham pontuado situações de intensa participação do pai na educação dos filhos, habitualmente a criança pequena, quando na guarda do pai, fica por conta da avó paterna, uma tia, de uma companheira, esvaziando o preceito do compartilhamento.

A entrevista psicológica:

A dimensão emocional é essencialmente de natureza fantasmagórica. É uma coisa que, embora possa vincular à realidade histórica, não é de essência concreta, objetiva.

A entrevista psicológica é o processo que busca a representação possível da alegoria emocional com a historicidade. Por causa dessa peculiaridade, os atores da entrevista psicológica, via de regra, precisam estar com o aparato mental um tanto mais desenvolvido para serem capazes de compreender os processos de interpretação, reinterpretação, do contar e recontar da dimensão emocional.

O profissional da entrevista psicológica necessita estar atento que lida com discursos, falas que transcendem a concretude da realidade.

A entrevista psicológica de crianças pequenas:

As crianças pequenas ainda não possuem acesso pleno aos mecanismos cognitivos que a habilitam a lidar com o processo de transposição do imaginário para o histórico. Elas ainda não dão conta de separar o que é desejante do que é realidade. As crianças pequenas vivenciam tudo como uma coisa só. Por isso, a entrevista com a criança, costumeiramente, e no meu caso particular, abdica do mecanismo da racionalização, das interpretações e reinterpretações e da busca de ligação entre o discurso emocional e a realidade concreta.

O objetivo da entrevista com a criança pequena é permitir que ela manifeste espontaneamente a dimensão emocional e neste processo vá construindo as ferramentas necessárias e mais saudáveis de lidar com os perigos avassaladores da vida emocional e enfrentar as dificuldades inevitáveis da realidade histórica, sem incorrer em riscos desnecessários, tão potencialmente causadores de tragédias intimas e relacionais.

Os encontros com a criança pequena, por escolha, pode ser na presença da mãe ou de outro responsável, geralmente as avós.

Durante a entrevista a criança conta histórias, rabisca folhas em branco, fala do cotidiano, joga-se qualquer coisa, mostra os sapatos, as sandálias novas, as cores das meias e ri à vontade.

Em oportunidades orienta-se a mãe sobre a necessidade da construção da condição de estabilidade suficientemente boa para o desabrochar da criança: aconchego, interação afetiva, cuidados higiênicos, alimentação, saúde, vida social, religiosa, etc.

Costuma dar certo!

Joao dos Santos Leite
Enviado por Joao dos Santos Leite em 01/06/2016
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