REFORMA POLÍTICA: UMA PERSPECTIVA ARISTOTELICA
A Reforma Política tem estado no centro das discussões depois do recente impeachment de nossa governanta. Alguns dizem que a culpa de termos chego a nossa atual situação é do presidencialismo, que não permite mudanças bruscas de governo (ou que só permite de formas traumáticas). O PT, que foi apeado do poder, insiste que a responsabilidade da degeneração moral que sofreu se deve ao modo de financiamento de campanha e ao sistema representativo. Propõe manter o presidencialismo mas com novas formas de financiamento e de eleição de representantes (eleição para deputados em lista fechada). Outros dizem que o problema está na atual forma de eleição de nossos representantes. Este formaria congressos distantes dos anseios da população. Querem a implementação do voto distrital (um distrito, um deputado).
Aristóteles, na Antiguidade, se preocupou com este problema. Qual seria a forma de governo ideal? Seu professor Platão passou a vida pensando nisso e tentando aplicar suas ideias ao mundo real. Seu aluno partiu de outro ponto de vista. Formulou a máxima de que o melhor governo é o que forma os melhores cidadãos, mandou seus alunos para todas as cidades-estado gregas para compilarem suas constituições e depois juntou todos e escreveu seu tratado Política. Uma das conclusões desse livro único e primoroso é que cada cidade (no nosso caso país) tem que procurar a forma de governo que mais se encaixe na sua história e sociedade. O que funciona para um não necessariamente funciona para outro.
Seguindo seu modelo quero pensar no melhor modelo para o Brasil. Nossa história nos atrela ao regime democrático. Este é o caminho ocidental e se desvencilhar dele eu acredito ser impossível. Mas como então você explica a China e a Rússia. Primeiro estes colossos territoriais e populacionais possuem uma história própria e uma longa tradição de submissão do individual perante o Estado. Não é o nosso caso. Tente estabelecer condições de trabalho iguais as chinesas em qualquer país ocidental para ver se serão aceitas. Talvez o maior mistério seja entender porque compramos produtos fabricados em tais condições. A Rússia é nominalmente uma democracia...
As democracias existentes hoje são de dois tipos: parlamentaristas ou presidencialistas. O parlamentarismo é o modelo europeu por excelência. O presidencialista é o das Américas, inspirado nos EUA. Com exceção do Canadá (que só não é um país europeu por conta do Atlântico). Muitos defendem a mudança do nosso regime do para o parlamentarismo. Alegam que processo político seria menos traumático. Sou contra. Por um motivo simples. Diferentemente dos países do Velho Continente não somos um Estado-nação. Compartilhamos uma mesma língua, um mesmo espaço, mas ainda não uma mesma história, uma mesma identidade. Ainda somos um mosaico de povos amontoado em um pedaço de terra. Qualquer um que nasça aqui é brasileiro. Mas nem todos que nascem na Alemanha são alemães, nem todos que nascem no Japão são japoneses, nem todos que nascem em Israel são israelenses. Parece uma bobagem, mas não é. Depois da Segunda Guerra, tendo visto a falácia que era a convivência entre povos em um mesmo território, a União Soviética promoveu um reassentamento étnico na Europa Oriental. Os alemães voltaram para a Alemanha, os poloneses para a Polônia, os magiares para a Hungria, cada povo para seu país. O único país que não passou por isso foi a Iuguslávia, que continuou um agregado de povos em um mesmo território. Todos os outros vivenciaram de forma pacífica o fim do comunismo. A Tchecoeslováquia se separou em República Tcheca e Eslováquia sem traumas. O destino da Iuguslávia foi uma guerra sangrenta que deu origem a sete, agora sim, estados-nações. Esta ausência de origem comum, ao meu ver, demanda uma figura de autoridade que encarne a união. No caso um presidente com poderes executivos.
Ah, mas como você explica então o Canadá, a Austrália? Simples, o chefe de governo deles ainda é a Rainha da Inglaterra! Eles ainda se ligam ao seu passado europeu. Ah, mas a Índia é uma república parlamentarista. É, só que sofre com vários movimentos separatistas, para se firmar como nação teve que expulsar a maior parte de sua população muçulmana e 80% da sua população é hindu. A religião deles, milenar, prega a aceitação acima de tudo. Aí fica fácil. Isso é tudo, menos Ocidental.
Mas se nosso modelo então é o norte-americano porque nosso sistema legislativo não é igual ao deles? Porque nós não somos os Estados Unidos! A liberdade, no modelo dos EUA, tem muito mais a ver com a sociedade do que com o indivíduo. Ela é entendida como a liberdade das comunidades de se organizarem como quiserem, sem a interferência de um governo central. Lá os xerifes, promotores, diretores escolares, e vários outros tipos de autoridade eleitos. Nada mais democrático, não é? Não! Como já foi dito uma vez por um político britânico: "Não existe direitos universais. Existe os direitos dos ingleses". Só se tem um direito se algo o garante, seja um governo ou seu punho. Qual é sua liberdade se você é um católico em uma cidade
de maioria protestante onde todo tipo de autoridade é eleita? Essa é a raiz de algumas coisas americanas que são incompreensíveis para nós. Como o antigo racismo institucionalizado, que só acabou quando o Governo Federal disse que os Estados, com maioria do eleitorado branco, não tinham direito de impô-lo aos seus cidadãos. Na época isto foi visto por muitos como uma ameaça à liberdade (das comunidades de restringir a liberdade de quem lhes aprouvesse). Ou da tendência das nacionalidades em se organizar em guetos (dentro do seu gueto cada povo vive como quiser).
Por isso não concordo com o voto distrital puro. Mas da forma que está hoje é imoral. O voto pertence à pessoa em que eu votei, não ao partido ou a coligação de partidos. Não posso eleger uma pessoa na qual não votei. Se São Paulo tem 70 vagas para a Assembléia Legislativa, que sejam eleitos os 70 candidatos mais votados, independente quais sejam seus partidos.
Mas qual é o sentido do que existe em nosso país atualmente? Simples, restringir a pressão popular sobre seus representantes. Parece horrível, não é? Mas não é. O ponto é que no Brasil isso é demais! Desde o nascimento da democracia com a Revolução Americana é discutido o que fazer para restringi-la. Essa é uma das funções do Senado, com seus mandatos mais longos e sua forma não representativa de eleição (afinal como o Alaska pode ter direito ao mesmo número de senadores que a Califórnia. Ou o Amapá que São Paulo?). Por isso quem acata o pedido de impeachment é a Assembléia. Mas quem julga é o Senado. Este último teria a função de proteger a democracia de si mesmo, da demagogia e dos salvadores da pátria que de tempos em tempos o povo gosta de adotar. Dos Chavez e Hitlers da vida (os dois chegaram ao poder através do voto. O primeiro em um regime presidencialista. O outro em um parlamentarista). A França revolucionária não tinha. O processo acabou dando no Napoleão.
O tema é muito complexo e espero ter trazido mais tempero ao debate.