GAME OF TRONES E A DEMOCRACIA OCIDENTAL.
Titulo meio delirante, né? Antes de mais nada dizer que este ensaio se inspira em uma coletânea americana famosa que reúne ícones populares e ensaios que discutem filosofia (Os Simpsons e a filosofia, Batman e a filosofia, etc). No Brasil foi publicada pela editora Masdras.
Relutei muito em começar a assistir essa série. Temas de fantasia e RPG se tornaram tão populares que enchem o saco já. Mas foi só ver um episódio que pude ver um dos arquétipos junguianos que me são caros, o do Bom Rei, simbolizado pelo patriarca da família Stark. Fui fisgado! E foi justo aquele em que ele é decapitado.
Mas primeiro o que seria essa bobageira que falei? Carl Jung foi um psiquiatra e estudioso das religiões suíço. Desenvolveu o conceito de que muito dos nossos comportamentos se devem a, inconscientemente, nós continuamente tentarmos nos encaixar a papéis pré-determinados. Estes seriam os arquétipos; E estes seriam nos dados pela cultura em que crescemos. Bem, isso a grosso modo.
A literatura está cheia de modelos criados a partir desta teoria. A cultura pop também. Star Wars em parte foi inspirado pelo livro de Joseph Campbell, O Herói de Mil Faces. Este estuda o mito do herói em várias culturas através dos tempos. Toda estória de Luke Skywalker é construída através do estudo de várias lendas de figuras heroicas. Os grandes magos das séries atuais Harry Portter e Senhor dos Anéis remetem a Merlin. Ned Stark a Carlos Magno. Mas todas as culturas tem estórias sobre bons governantes, porque o patriarca dos Protetores do Norte se inspiraria em alguém tão recente e de valor apenas para a civilização ocidental? Porque este é radicalmente diferente dos outros!
A crença geral é que nosso modelo de democracia deriva do modelo grego-romano. Em parte, mas sua essência é germânica. Na cultura dos bárbaros que invadiram o Império Romano, o rei não é um governante absoluto, é apenas "primus inter pares", o primeiro entre iguais. Ele tem responsabilidades com os outros nobres, assim como os nobres tem com ele. Isso continua entre os nobres e os bem nascidos sobre sua tutela e daí para baixo. Este caráter de responsabilidades recíprocas já se estabelece no primeiro episódio na cena onde Ned corta as cabeças de desertores da Patrulha da Noite. "Quem dá a sentença, a executa". Um código de honra e conduta da qual o líder não pode fugir. Na verdade ele lidera não apenas por ser o herdeiro. Mas por ser o coroado é o defensor deste código e lidera apenas enquanto o seguir. Joe Snow se vê alçado a sua condição de liderança por seus feitos e pela observância deste código que aprendeu com o pai.
Mas as instituições democráticas não são copiadas da Grécia e de Roma? É verdade. Mas o mundo e a sociedade em que viviam se parece muito mais com as cidades em que a herdeira dos Targaryen peregrina. Meereem, com seus escravos e livres pobres, poderia ser uma cidade romana. O Senado não era eleito, tinha apenas um representante do povo (o tribuno da plebe) que tinha poder de veto. Atenas apenas admitia os atenienses livres como cidadãos. (Um universo nunca maior de 50.000 pessoas) E a escravidão era o que permitia eles poderem ser cidadãos. Essa condição foi uma das justificativas dos donos de escravos americanos para conciliar a figura do escravo com a democracia.
Na época das cruzadas existiram vários pregadores muçulmanos na Palestina que reconheciam que os locais ficavam em condições jurídicas muito melhores com os cruzados do que com seus antigos senhores, cristãos ou islâmicos. Isso porque havia um código de direitos e deveres que estes traziam do Ocidente e aplicaram com as populações nativas. Mas isso não os impedia de pedir que estes lutassem contra o infiel.
Nesse contexto é que se evolui para a democracia, ao modelo inglês, da qual o americano é uma evolução. E ao modelo francês. Lembrando que demorou um século na França para as idéias se firmarem por completo. Curiosidade, no americano a função do Senado é impedir a demagogia, a ditadura do povo, já que não existem mais nobres. Essa é a função da Câmara dos Lordes na Inglaterra.
No modelo francês a obrigação natural dos nobres de cuidar da população e do Estado dá lugar a ideia de cidadania, onde todos são igualmente responsáveis.