Todo maçom está familiarizado com a expressão “Escada de Jacó”. Na tradição Da Arte Real ela simboliza a própria Maçonaria enquanto escola de ensinamento moral e designa a escalada iniciática do iniciado pelos graus do catecismo maçônico, que começa na sua iniciação, como Aprendiz, mas nunca termina, em sua própria vida terrena. Isso porque, embora o Irmão possa galgar todos os graus previstos no rito da Loja á qual ele se filiou, não é a sua elevação ao último grau que julga se ele, de fato, absorveu o ensinamento maçônico e subiu, com méritos, a “Escada de Jacó”, mas sim a prática desses ensinamentos na sua vida diária. 
Isso se explica pelo fato de a Maçonaria estar centrada em três fundamentos básicos que lhe dão suporte e fundamento. O primeiro é a idéia que está no núcleo central da sua própria existência como instituto cultural. Essa ideia é a de que uma ordem social perfeita só pode alcançada quando há pessoas com espíritos adequadamente preparados para implantá-la e, principalmente, para defendê-la e preservá-la.
Essa ideia só pode ser realizada através da união entre as pessoas mais preparadas e comprometidas com a ordem social. É uma união que se faz “interpares” e que se realiza através da estratégia da Confraria. Essa é a razão de a Loja Simbólica, dedicada ao Aprendiz, ser aberta com a invocação ao Salmo 133: “Como é bom e agradável viverem Irmãos em harmonia. É como o óleo precioso, que unge a cabeça de Aarão, do qual escorrem gotas para sua barba, e daí para suas vestes. É como o orvalho do Hermon, que vem cair sobre as montanhas do Tsión, como bênçãos ordenadas pelo Eterno. Sejam elas perpetuadas em sua vida”.[1]
Isso quer dizer que todos os maçons são iguais e entre eles deve reinar a harmonia. Por isso, a virtude da Confraria, que se traduz na congregação dos Irmãos reunidos em Loja se realiza no simbolismo desse salmo, que consagra a união fraternal.
 
    O segundo fundamento é a prática que resulta da aplicação da idéia de união. Essa prática concita os membros da Confraria maçônica a viver e servir a sociedade, como se esta fosse a sua própria família. Aqui está implícita a virtude da Fraternidade, que é outra divisa consagrada pela Ordem. É esse espírito fraterno, simbolizado no próprio ambiente gerado pela Loja que resulta em uma egrégora, captando e distribuindo entre os Irmãos a energia que ali circula. Daí a oração final, de encerramento das seções, fechando a Loja Simbólica.[2]
 ─ Ó Gra .·. Arq .·. do Univ.·., fonte fecunda de Luz, de Felicidade e Virtude, os OObr.·. da Arte Real, congregados neste Augusto Templo, cedendo aos movimentos de seus corações, Te rendem mil graças e reconhecem que a Ti é devido todo bem que fizeram.
─ Continua a nos prodigalizar os Teus benefícios e a aumentar a nossa força, enriquecendo as nossas CCl.·. com OObr.·. úteis e dedicados.
─ Concede-nos o auxílio das Tuas Luzes e dirige os nossos trabalhos á perfeição. Concede que a Paz, a Harmonia e a Concórdia sejam a tríplice argamassa com que se ligam as nossas obras.[3]
 
E por fim a instituição, que é a própria organização conhecida como Maçonaria, pessoa jurídica organizada a nível internacional, que congrega milhões de cidadãos em todas as partes do mundo, irmanados por uma promessa, um código de conduta, uma tradição mística e um ideal comum, que é a defesa da Liberdade, da Igualdade entre as pessoas e a Fraternidade entre os povos do mundo. Essa proposta está consagrada nas palavras finais de encerramento dos trabalhos da Loja Simbólica, através da pergunta feita pelo Venerável Mestre ao Primeiro Vigilante e da consequente resposta deste:
─ VEN.·. Para que nos reunimos aqui?
1º VIG .·. Para combater o despotismo, a ignorância, os preconceitos e os erros. Para glorificar a Verdade e a Justiça. Para promover o bem-estar da Pátria e da Humanidade, levantando Templos á Virtude e cavando masmorras ao vício.[4]
 
Essa é disposição que também encontramos no estudo e na prática da Cabala. Como diz Ma. MacGregor Mathers, no preâmbulo da Kabbalah Revelada, de Von Rosenroth: “Grande importância é dada ao ideal de fraternidade. A potência da fraternidade sempre foi um fato essencial em uma ordem oculta, separada do seu ideal altruísta; há também o espiritual e o físico. Qualquer ramo na harmonia de um círculo permitirá a entrada de uma força oposta. Um espiritualista experiente testemunhará a favor da verdade desta afirmação.”[5]
Quer dizer: tanto na Cabala, quanto na Maçonaria, é a força da egregóra que leva o grupo á consecução do seu objetivo. O processo assim o exige, pois como já anteriormente declarado, a lei que rege a formação do universo é a Lei da União.[6]
 
Essa tradição tem fundamento na Bíblia. Em Êxodo, 28, 1:2, encontramos a informação de que Moisés consagrou o Tabernáculo na forma como o Grande Arquiteto do Universo lhe havia ordenado, santificando depois a Aarão e seus filhos como primeiros Sumos Sacerdotes de Israel. Depois espargiu sobre a cabeça de Aarão o óleo precioso, que escorreu para suas vestes, descendo ate ás orlas do seu vestido. Assim, na sagração do Tabernáculo e na unção do seu sacerdote, consumou-se a União que doravante deveria existir entre Jeová e seu povo, União essa que seria sacramentada toda vez que o povo eleito se reunisse em Assembléia. Nesse cerimonial, presidido por Moisés no deserto, aconteceu, pois, a instituição da Loja israelita, com todo o sentido simbólico que ela representa.
A Cabala explica esse simbolismo da seguinte forma: a barba do Macroprosopo (Deus manifestado) simboliza o fluxo de energia que nasce na primeira sefiroth e percorre toda a Árvore da Vida (símbolo do universo), unificando a totalidade das realidades existentes no mundo. Como se sabe, a Árvore Sefirótica, desenho mágico-filosófico com a qual os cabalistas explicam a formação do mundo é uma representação simbólica do universo como realidade macro e projeta o seu reflexo no homem como realidade micro.

Por outro lado, sabemos que a palavra barba, em hebraico se escreve Hachad. Seu correspondente em número é o de unidade, pois ela equivale ao número um. Por aplicação da técnica chamada gematria essa palavra, quando decomposta em suas letras, tem valor numérico igual a 13. (A=1
, CH=8, d=4 = 13). Esses valores correspondem às partes da barba do Macroprosopo, também chamado de Andrógino Superior ou Vasto Semblante, imagem usada pelos cabalistas para designar a Energia Divina que se espalha pelo espaço cósmico, gerando a realidade que nós conhecemos como Universo. Na Siphra Dtzeniovtha, (O Livro do Mistério Oculto, Bíblia cabalista), se diz que “da barba, menciona-se que não é feita nem criada. Esta é o ornamento do todo. Ela procede dos ouvidos e tem o aspecto de uma circunferência que se expande constantemente pelo espaço aberto, enquanto seus caracóis sobem e descem. Está dividida em treze partes que pendem com treze adornos.” [7]
Nesse estranho e enigmático texto os mestres cabalistas querem dizer que a barba do Macroprosopo é a energia que unifica o total existente no Cosmo, fazendo dessa totalidade dispersa uma unidade, ou seja, um Universo. Sendo a energia que unifica ela é a argamassa que dá liga ao mundo para que ele seja um organismo único. É o símbolo da União. Para os judeus, a invocação desse salmo designava o espirito de unidade e fraternidade que devia imperar entre o povo de Deus. Essa Irmandade era simbolizada pela Barba de Aarão, cujo corpo era tido como uma imagem da Árvore da Vida, no qual o fluxo da energia divina percorria desde a cabeça (a séfiroth Kether) até a orla dos seus vestidos, ou seja, os pés, representados pela sefiroth Malkuth. 
Assim, o Salmo 133, na verdade, é um simbolismo que está centrado em um segredo arcano de extraordinário significado e a Maçonaria, ao adotá-lo na abertura de suas Lojas não está apenas contemplando a idéia da Fraternidade pura e simples, mas realizando o objetivo finalístico de toda disciplina iniciática, que é o de integração total de todas as emanações da energia cósmica. Trata-se, na verdade, de um mantra poderoso, uma âncora fundamental para o eliciamento da força necessária para a formação da egrégora maçônica.
Que os Irmãos, ao ouvirem o Orador pronunciá-lo na abertura de suas reuniões tenham em mente essa informação, para melhor aproveitamento espiritual dessa invocação.
 
 
[1] Texto conforme a Bíblia Hebraica, traduzida Por David Gorodovits e Jairo Fridlin- Editora e Livraria Sefer Ltda. São Paulo, 2015. Para uma interpretação mais pormenorizada do simbolismo do salmo 133, ver a nossa obra “ O Tesouro Arcano”, publicada pela Editora Madras, 2013.
[2] Egrégoros, do grego “egrêgorein” são esferas de energia, emanadas dos pensamentos emitidos pelos indivíduos agrupados e ligados mentalmente por um objetivo comum. Aqui o termo é usado como símbolo de corrente energética.
[3] Cf. Ritual do Aprendiz.                                                      
[4] Idem, Ritual do Aprendiz.
[5] A Kabbalah Revelada- Ed. Madras, 2004
[6] Por isso o simbolismo da “Cadeia da União”, renovada a cada seis meses através da transmissão da palavra semestral.
[7] A Kabbalah Revalada, citado, pg. 89.