Cassiano, mais um fominha de bola
Nas vésperas de dar a luz ao seu terceiro filho, Marieta percebe algo inusitado durante a gestação. O bebê se mexia muito na troca da lua e tinha o hábito de responder a qualquer estímulo com pequenos chutes. A mãe se preocupava para ele não se enrolar no cordão umbilical e trazer complicações na hora do parto e a cada movimento ela falava carinhosamente: “É gol do bebê...” – enquanto os familiares repetiam em tom de brincadeira: “Esse vai ser jogador de futebol!” Para o pai Airton, um inveterado “varzeano” e atleta amador, era motivo de orgulho só de imaginar seu filho trilhando o caminho do futebol. Quando Cassiano veio ao mundo a seleção brasileira conquistava o tri campeonato mundial na era Pelé em 1970. No batizado a disputa entre o pai gremista e o padrinho colorado era em torno da cor do tip-top que a criança iria vestir. Na primeira infância jogar bola era sua brincadeira predileta, chutava as latinhas na rua indo pra escola, fazia “balãozinho” com uma laranja e colecionava assiduamente as figuras dos craques do Campeonato Brasileiro e da Copa do Mundo.
Na juventude frequentava a Escolinha de Futebol para aprender sobre as questões táticas e estratégicas do esporte e aprimorar sua condição física. Inicia suas primeiras competições e a disciplina de atleta que o consagraria como “capitão” da maioria das equipes por onde passou. Cassiano se impunha com seriedade e muita raça em campo e destilava sua malandragem e gingado natural do seu corpo esguio e franzino. Chamava atenção pelos dribles curtos e bom domínio de bola, buscando o toque rápido e o chute com efeito no gol. O guri era um atentado com a bola no pé! Nos tempos de escola o recreio era uma final de torneio e as aulas de educação física eram melhores que as de matemática. Correr atrás de uma bola tornava-se um bom motivo para jogar os cadernos para cima!
Nas oportunidades que surgiam, Cassiano participava das peneiras dos times profissionais por incentivo da família e dos treinadores que o conheceram. Nestas participações o jovem jogador era muito elogiado, mas jamais conseguiu emplacar em algum clube da Série B, e muito menos nas concorridas vagas da Série A. Todos indicavam que o rapaz era um fenômeno, porém de família humilde não tinha os contatos para o encaminhar para as categorias de base. Seu pai afirmava categoricamente que seu filho era injustiçado porque faltava o tal “apadrinhamento”. Enquanto isso, o tempo passava e Cassiano era um meio campista habilidoso e muito requisitado pelos times das ligas amadoras da região onde morava. Participou de diversos torneios e campeonatos em praticamente todas as modalidades: beach soccer, futsal, futebol sete e onde ele se sentia mais a vontade, o futebol de campo. Ergueu diversos troféus, ganhou inúmeras medalhas e marcou gols decisivos, angariando amigos e desafetos. No auge de sua carreira no futebol amador, uma lesão no joelho direito após uma entrada desleal do zagueiro adversário que o atingiu com um “carrinho” por trás, afastou Cassiano dos gramados por dois anos. Período triste na vida do atleta, que amava o esporte que praticava e foi submetido a três cirurgias e meses de fisioterapia. Afastado das quatro linhas, ficaram na memória os bons momentos, as risadas e brincadeiras no vestiário, a resenha do jogo regada a cerveja e os lances marcantes. Cada golaço de encher os olhos d’água de saudades, cada passe e lançamento perfeito e a trajetória da bola quando desviava do goleiro e estufava o barbante, como em lances raros de “gol olímpico” ou de pênalti.
Percebendo que a trajetória como atleta do futebol amador é difícil, curta e transitória e que os jogadores milionários de renome internacional são apenas um em um milhão é que Cassiano com o apoio da família toma uma decisão importante e ingressa na faculdade de Educação Física. Uma nova etapa se apresenta com novos desafios acadêmicos para cumprir em busca de uma profissão com maior estabilidade. Mesmo assim, continuava a participar de alguns torneios e campeonatos municipais e pensava em montar uma Escolinha de Futebol quando terminasse a sua graduação. Com as limitações das lesões que colecionou nos campos de várzea ainda fazia questão de jogar amistosos e se destacava pelos passes que deixavam os atacantes “cara a cara” com o goleiro e a categoria que exibia com a bola nos pés. No campo de futebol Cassiano cultivou amizades duradouras e a bola era sua companheira inseparável, como uma filosofia de vida, ensinando entre vitórias e derrotas as virtudes humanas de humildade, respeito e companheirismo. Imerso numa cultura universal de aspirações populares que mistura paixão, técnica e determinação que move multidões, Cassiano é mais um fominha de bola que se confunde com a vida de milhões “boleiros e boleiras” ao redor do mundo!
Publicado no Jornal Litoral Norte RS e Jornal A Folha/ Torres.