Os Sentimentos, a Tolerância e a Moral
Os Sentimentos, a Tolerância e a Moral
(Gota de Filosofia)
Como já adiantei mais cedo, um amigo me pediu para falar sobre o "ouvir" -- porque estávamos conversando outro dia sobre "empatia". Pensei em falar no sentido do mito (no "ouvir do divino", como retrucou outro dia um colega meu), mas acabei mudando o tom da conversa porque acho que vale à pena deglutir algumas outras coisas primeiro -- e segundo também.
Mas vamos do começo. Primeiro de tudo... Não, não vou falar do Big Bang, Primeiro de tudo é preciso deixar claro que a Filosofia assim como qualquer outra arte (mesmo não sendo uma "técne") possui vocabulário próprio. Na verdade, cada filosofo vai "criar" termos e se apropriar de palavras dando-lhes novo(s) sentidos(s), e muitas vezes é preciso você se acostumar com o ritmo e sentido que ele vai empregar em sua leitura.
Coisas como "presença", "costume" e o que eu mais gosto "juízos sintéticos puro a priori", acabam exigindo uma leitura um pouco mais estruturada e analítica. Mas ainda assim, além dos vocabulários próprios de cada um, existem termos que se convencionaram dentro da filosofia. Como "devir" e até "agência" que vez ou outra eu acabo falando, por ter a ver com filosofia da ação -- mas toda arte tem seus próprios termos. Se você entende o que significa um virabrequim por exemplo, é porque no mínimo, gosta de automóveis.
Mas hoje vou trabalhar o termo "afecção", ou "afeto". Os amigos especialistas em filosofia moderna vão me perdoar (ou não), mas sempre interpretei afecção como aquilo que afeta o ser de alguém. Trocando em miúdos, afecção é como "sentimento". Filósofos modernos vão "trocar" os termos e exemplificar os sentimentos que ora nos "atingem" usando a palavra afecção. Falo isso porque autores como Espinoza, e acredito que Locke, Descartes e muitos outros, no mínimo vão entender o termo por esse sentido -- mais uma vez perdão aos especialistas.
Então... Meu amigo pediu para falar de "ouvir". Modernamente, ou epistemicamente, "ouvir" é um sentido, mas também uma "afecção do espírito", caso eu queira ser mais "chato". Mas ouvir como qualquer afecção, pode se relacionar com moral. Moral aqui no sentido de ética mesmo -- "aquele que de delibera diante de alguma ação valorosa ou não, para si ou para alguém". Então "ouvir" (ou como diria Espinoza), "imaginar como se algo lhe afetasse" pode ser tomado também como "se imaginar no lugar do outro" -- sentido lato de Espinoza mesmo.
Mas ouvir, tentando tomar o lugar do outro, ou seja, tentando sentir o que o outro sente, ou "se imaginando no lugar do outro", lhe tendo empatia -- viu só? dei uma volta pra falar de empatia -- falando de maneira epistêmica pode ser uma impossibilidade lógica. Afinal "eu não sou o outro". Mas tentar se imaginar como, sentindo-se no lugar do outro é uma capacidade humana que muitas vezes nos obriga -- obriga mesmo -- a ser solidário e quem sabe, piedosos.
Então... O texto tem "tolerância" no nome... estou falando de empatia, de se imaginar no lugar do outro, que pode se tornar uma outra afecção daí, para a solidariedade e para a piedade. A questão é que a tolerância é um afeto somente e unicamente humano. Ela não se trata de dor, prazer ou amor -- coisas que podemos dizer que animais também sentem, como diria Hume. O problema é que tolerância é uma afecção que exige consciência e razão. Ou seja, "dar motivos e boas razões" para ser tolerante e assim respeitar a opinião do outro.
Percebe? Estou falando aqui de ser tolerável diante das opiniões do outro -- e não as ações que podem lhe causar outro tipo de afeto. Ser tolerante simplesmente com as "razões (ou não) que fazem o outro acreditar numa coisa de forma diferente da sua". Essa seria propriamente uma "qualidade" só possível e alcançável com o uso dá? Isso da razão, da consciência, da autopercepção... seja o nome que você dê para essa qualidade que nos torna seres morais.
Para fechar... Espinoza diria que "precisamos nos aproximar do nosso próprio ser", para fazer uma alusão a sermos cada vez mais próximos de sermos... humanos. E ser humano é propriamente ser... um ser de moral, ética, compreensão, e... Tolerância. Mais do que "empatia" -- se imaginar no lugar do outro -- ser tolerante significa, muitas vezes, negar afetos de "ódio e repulsa", só porque o outro pensa diferente da gente. Para assim sermos Tolerantes e Respeitar o Outro, simplesmente por ele ser humano, tanto quanto nós mesmos.
Textão né? Dúvidas, perguntas, contra-argumentos, podem mandar bala. Lembrando que não sei tudo e caso tenha errado alguma coisa, perdoa-me ;)
Aquele abraço.