O SIMBOLISMO MÍSTICO DA ESCADA DE JACÓ



A Escada de Jacó é uma alegoria maçônica, que está associada á visão que o patriarca Jacó teve quando de sua viagem á Padan-Harán, em busca de uma esposa. Segundo Gênesis, 28; 12, ele se deitou para descansar nas proximidades de uma cidade chamada Luz e teve um sonho em que via uma escada apoiada na terra e por ela anjos subindo e descendo. No cume dessa escada Deus estava sentado em um trono e lhe disse: “Eu sou o Eterno, Deus de Abraão, teu pai, e Deus de Isaque; a terra, na qual tu dormes, eu a darei a ti e á tua descendência”. E depois Deus renovou a Jacó a promessa que anteriormente já havia feito ao seu avô Abraão e á Isaque, seu pai.
Jacó interpretou o seu sonho visionário como sendo aquele lugar uma espécie de porta de ligação entre o céu e a terra. Por isso logo praticou ali os sacrifícios próprios desse tipo de experiência mística, usuais entre os povos antigos que habitavam aquela região. Marcou aquele lugar com uma pedra e santificou-o com azeite. A esse lugar ele chamou de Bet-El (Betel).
A interpretação que Jacó dá á sua visão é bem eloquente e não deixa muitas dúvidas sobre o que o seu inconsciente estava lhe mostrando. Pois como ele próprio intuiu, ali era a “Casa de Deus e a Porta dos Céus”. Essa é uma imagem bem a gosto dos cabalistas, os quais veem Deus como um ponto luminoso que avulta no espaço cósmico dando início a todas as realidades do mundo físico. Nesse sentido, Jacó estava contemplando, nada mais, nada menos que a séfiroth Kether, a coroa da criação. Por isso a estranha informação constante do versículo 20 que diz que a cidade de Betel, anteriormente á visão de Jacob, se chamava Luz.

Como se sabe, várias correntes maçônicas têm no sonho de Jacó a expressão simbólica da existência de uma ligação existente entre o céu e a terra – ou entre as coisas sagradas e profanas, o homem e Deus. E aos anjos vistos pelo patriarca, subindo e descendo essa escada (levando coisas da terra para o céu e trazendo coisas do céu para a terra), como os intermediários dessa ligação.
Essa interpretação foi inspirada na doutrina da Cabala. Como sabemos, essa doutrina sustenta a existência de várias Fraternidades angélicas, formadas por diversas classes de arcanjos e outras potestades, as quais atuam, conforme a sua classe, em diferentes etapas de construção do universo. Em seu trabalho de Mestres obreiros do Universo eles sobem e descem, do céu para a terra e da terra para o céu, através de uma Escada Mística, para orientar seus aprendizes, os homens, no trabalho de construção da Obra de Deus.
A alegoria da Escada Mística é um arquétipo que está presente em todas as tradições esotéricas. Ela serve para ilustrar o desenvolvimento espiritual do iniciado, e a sua consequente escalada em busca da iluminação. Nessa escalada ele deve viajar pelos Sete Céus da estrutura celeste, passando pelas esferas dos anjos planetários hostis e dos demiurgos do cosmos, para no fim dessa viagem poder contemplar a Glória de Deus.
De algum modo todas as "escadas" referidas nos diversos Mistérios iniciáticos se referem aos “sete mundos”, ou os sete estágios de sabedoria que o espírito humano deve galgar para atingir a iluminação. Na Maçonaria iremos encontrar esse tema nos catecismos dos graus superiores, como corolário do ensinamento maçônico.
Na religião predominante entre os hindus, o Bramanismo, existe a Escada de Brahma, que todos os iniciados nos mistérios daquela religião devem subir. Os hindus acreditavam que o mundo era composto por sete estratos, todos ligados por uma escada, que representava diferentes níveis de sabedoria iniciática. O primeiro estrato era a terra, e a consciência humana, o mais ínfimo deles. O segundo era o mundo dos espíritos, ou da reencarnação. O terceiro era o éter. O quarto era um estado intermediário onde as almas ficavam aguardando o seu destino, assim que desencarnavam. O quinto era o mundo da regeneração, onde as almas eram preparadas para reencarnar. O sexto era o Palácio do Grande Rei, onde habitava Brahma, o Grande Princípio Criador dos céus e da terra. A alma que chegava nesse estágio não reencarnava mais. O sétimo era o mundo de Brahma, onde habitava Brahman, a Essência, o Incriado, a Verdade em Si Mesma, o próprio Deus em sua essência, ou seja, a Luz.

Destarte, subir a Escada de Brhama era uma jornada em busca da Luz, na qual a alma ia se depurando até se livrar de todo resquício de matéria em sua essência. Quando isso acontecia, ela se tornava pura Luz, em condição de reintegrar-se ao Princípio Único, de onde um dia saiu nessa condição. Por isso toda a jornada de mentepsicose que o espirito deveria suportar, em sucessivas reencarnações, era necessária para atingir esse status. Essa jornada podia também ser cumprida ritualisticamente pelo “Gayatn”, espécie de prática iogue, no qual se combinavam exercícios respiratórios com o pronunciamento de sons mântricos.

• O “Gayatri” é um ritual iogue no qual cada sílaba tem um significado místico. Om – a mãe/pai de toda a eternidade ; Bhúr – a mãe Terra, o planeta Terra, o plano físico; Bhuva – o éter, a atmosfera, o plano astral; Swáhá – o céu, os planos não materiais celestes, conhecidos como angélicos ou devas; Tat – “aquele”, é a nossa alma, a transcendência do ilusório; Savitur – o poder da luz, o abstrato, a vida presente em tudo, a nutrição ;Varenyam – adoração por tudo; Bhargo – a irradiação da consciência da vida, a eliminação dos maus carmas e o acúmulo de méritos; Devasya – todos os seres, a nossa iluminação e a aceitação do que se é; Dhimahi – meditação, domínio; Dhyo – corpo, austeridade; Yo – alma, consciência; Nah – totalidade, criação; Prachodayat – iluminação e compaixão.

A alegoria da Escada de Jacó também tem um interessante paralelo na religião egípcia, embora a aplicação do processo seja diferente. Os egípcios acreditavam que essa jornada, que os hindus cumpriam reencarnando várias vezes, era realizada em duas etapas. Uma em vida, pela prática da Maat, ou seja, vivendo uma vida virtuosa, obedecendo aos preceitos dos deuses e agindo segundo a ética e a moral recomendada pela religião, e a outra depois da morte, quando o defunto era submetido ao julgamento no Tribunal de Osíris. Nesse caso o indivíduo, depois de morto, tinha primeiro o seu coração pesado na balança de Anúbis, tendo como contrapeso a pena de Maat. Se ele pesasse menos que a pena, o deus Osíris guiava a sua alma através da Tuat, a terra dos mortos, enfrentando uma série de perigos, para chegar, enfim, ao território luminoso de Rá, o sol radiante, ao qual se integrava, se tornando um astro brilhante.. Se não tivesse mérito (o seu coração pesasse mais que a pena de Maat) ele seria devorado pela serpente Apépi, uma espécie de demônio devorador de almas.

Na Maçonaria o simbolismo da Escada de Jacó é uma alegoria introduzida pelos maçons que desenvolveram o Ritual dos graus superiores do Rito Escocês Antigo e Aceito. Designa os trinta e três graus do catecismo maçônico previsto no desenvolvimento daquele rito, e tem, como já se disse, inspiração na doutrina da Cabala, com os aportes que lhe foram dados pela tradição gnóstica.
Segundo ambas as tradições (a Cabala e a Gnose), Deus enviou o Arcanjo Raziel para ensinar aos homens os grandes mistérios do universo. O escolhido para fazer a viagem pelos sete céus da esfera celeste foi o patriarca Enoque. Por isso, nos ritos maçônicos há bastantes referências a esse patriarca, sendo que alguns graus do Rito Escocês, inclusive, são chamados de Noaquitas, pela estreita ligação que existe entre a mística maçônica e a tradição gnóstica e cabalista simbolizada na mística viagem do patriarca Enoque.
A Escada de Jacó simboliza, portanto, a ascensão vertical do espírito humano na sua busca pela Luz Divina, e a constante necessidade de descer á terra para cumprir as finalidades da própria vida, trazendo para esta as virtudes conquistadas nessa escalada. Com isso, cumpre-se o fluxo energético descrito na Árvore da Vida, no sentido de que a energia cósmica se distribui em forma de um raio brilhante (kav) percorrendo a Árvore de cima para baixo e de baixo para cima, num ciclo que alimenta, eternamente, a si mesmo. Nesse sentido temos aí uma representação da ligação possível entre o sagrado e o profano, entre o céu e a terra, numa interação que unifica as duas estruturas e reabilita a idéia da unidade primordial do universo. Exatamente como faziam os egípcios na aplicação do conceito da Maat. Maat levava para o céu os influxos da boa ação humana sobre a terra e trazia do céu as benesses dos deuses em troca dessas boas ações.

Por fim, cabe dizer que na tradição da Cabala, a Escada de Jacó é um simbolismo de grande significado místico. Pela aplicação da técnica na gematria a palavra Escada equivale ao número 130. Esse número também corresponde á algumas palavras e nomes muito importantes na literatura sagrada de Israel. Duas dessas palavras são Sinai e Abraão. Com isso os cabalistas efetuam a ligação simbólica de três nomes sagrados para eles: Abraão, o pai da sua nação, o Monte Sinai, onde o Senhor apareceu a Moisés e a visão de Jacó em Betel, as quais se completam na visão da Mercabah, como descreve o escritor argentino Jorge Luis Borges no seu extraordinário conto.
Assim, a visão da Escada de Jacó passa a ser a própria experiência do povo de Israel em busca da sua sacralidade como nação e da sua confirmação como maquete da Humanidade Autêntica, planejada pelo Criador. Essa visão, profundamente mística e de grande significado ético, na Maçonaria ganhou um sentido ético e moral, porquanto ela é ritualizada como uma escada dupla na qual, de um lado, á medida em que o Irmão vai subindo os seus degraus, ele vai crescendo em virtude, (levantando templos á virtude), do outro, á medida em que ele vai descendo, do outro lado, os seus degraus, ele vai enterrando os seus vícios (cavando masmorras ao vício). Assim, ao subir a Escada Mística ele se depura de seus vícios e ao voltar para a terra, trás para ela as virtudes de um espírito purificado. Por isso ela é representada como um triângulo equilátero onde os lados são os degraus (um que sobe, outro que desce) e o chão a sua base. Esse é o sentido do ensinamento que a Maçonaria quer passar aos seus iniciados. O Irmão que souber entender esse simbolismo, de certo aproveitará bem o seu aprendizado.


Subir a Escada de Jacó, portanto, significa absorver a ideia de que o iniciado pertence a uma Confraria de pessoas especiais, que devem viver, na prática, os ensinamentos maçônicos, lutando sempre pela defesa dos fundamentos sobre os quais a instituição Maçonaria está assentada: a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade. E nesse sentido respeitar e honrar a instituição á qual pertence com uma conduta ilibada no mundo profano e uma atitude tolerante e respeitosa para com todas as crenças e religiões, pois que essa é conduta espiritual que se espera de um verdadeiro maçom.
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[1] Idem Gênesis, 28: 17                                                                                               
[1] Êxodo, 20:18
 [1] Bhakti Darshan 2014 - 2015 Edition, Vikram Samvat 2071
[1] Alguns graus do Rito Escocês são chamados de noaquitas pelas referências feitas ao patriarca Enoque. A alegoria da viagem mística de Enoque pelos sete céus é referida nos ensinamentos do grau 28, denominado “Cavaleiro do Sol”, cuja Câmara é decorada exatamente para representar as sete esferas do céu gnóstico.
[1] No simbolismo gnóstico esse ciclo é representado por uma serpente, ou dragão, que morde a própria cauda. É a serpente conhecida pelo nome de Oroboros.
[1] Na imagem a deusa Maat. Cf. E. Wallis Budge: The Goods of Egiptians; Vol II
[1] Jorge Luís Borges, O Aleph- Cia das Letras, 2008. Borges descreve a Glória de Deus (a Mercabah) na visão do Aleph, segundo ele, uma esfera de poucos centímetros de diâmetro, mas capaz de conter o universo inteiro, com seu passado, presente e futuro.
[1] Na imagem, a “Escada” dos graus maçônicos, representada no Rito do Arco Real