A violência intrínseca no homem
As pessoas no dia a dia de suas vidas, não sabem precisar exatamente o que significa violência para elas. Por que isso acontece? Será que já se acostumaram com os atos que podem ser caracterizados como violentos? Ou preferem não falar sobre? Ou ainda, necessitam ter perto delas algum fato que se possa caracterizar como violento?
O ser humano antes de ser considerado assim, passou milênios de anos vivendo como qualquer ser vivo na natureza, enfrentando as intempéries, a destruição, os medos, as expectativas de sobrevivência. Ele era regido pelo instinto como outros seres vivos e a sua sobrevivência, dependia da busca eterna por alimento que lhe proporcionasse o subsistir. Nem pensava em acumular qualquer que fosse a coisa para a sua sobrevivência. E assim, por milênios de anos, juntos e disputando com outros animais espaço e alimento, o homem viveu em grupos sociais pertencentes à sociedade biossocial.
As pesquisas que se referem aos estágios mais antigos da sociedade proto-humana, demonstram nos restos arqueológicos do esqueleto humano, marcas originadas de lutas incontestes para a sua sobrevivência num mundo hostil, violento e instável.
Em dado momento de sua vida, o homem transpôs (não se sabe ainda...) uma linha que para os estudiosos, é a linha imaginária da evolução, em que pouco a pouco foi se tornando diferenciado dos outros seres vivos da natureza. Teria sido a fala que o fez diferencia-lo dos outros, e que foi o evento primeiro? Não se sabe, definitivamente.
A imagem que hoje nos é passada pelos estudos antropológicos e depois, revertida para o cinema, para os livros, é que o homem, a partir do momento que teve a posse da comunicação simbólica, iniciou a sua evolução diferenciada. Não terá sido a partir do primeiro ato de violência contra seus iguais e, à medida que praticava atos referentes a ela, num moto contínuo, foi-se apercebendo do significado do próprio poder primitivo? Uma das maiores cenas do cinema-ficção já construídas no século XX foi aquela do filme “2001 – Uma Odisséia no Espaço”, realizado pelo cineasta Stanley Kubrick.Num determinado momento em que as sociedades animais do filme lutam pela sua sobrevivência, um espécime de macaco levanta um osso (possivelmente, o fêmur de algum outro animal morto) e bate em outro com toda a sua força e o quebra, tem-se ali o primeiro momento de percepção da força contida em seu corpo. Seu semblante é modificado instantaneamente, como se naquele momento, iniciava o evento da consciência!
A partir daí, aquele macaco passa a se comunicar com os outros não, através da palavra e sim, através do poder do seu corpo – a força! Nesse instante, a utilização de algo material que pudesse se transformar em signo de força passou a fazer parte de um ser que momentaneamente, liderou os outros. Ele se tornou um ser que entre seus iguais se destacava. E por que? Pelo uso da força – violenta! Nesse momento do filme-ficção, aparece um monolito que vai acompanhar todas as outras cenas até o final, quando existem diversas interpretações para ele – o monolito.
Alguns críticos analisam como se fosse a futura nave espacial do ano 2001. Outros por sua vez, preferem coloca-lo como uma imagem visionária do autor do filme. E ainda outros, percebem como o início da consciência humana que aparece naquele momento extraordinário da cinematografia contemporânea e vai acompanhando os passos humanos até o seu fim.
Considero esta última assertiva como a mais lógica na abordagem do autor.Pelo menos, em seu imaginário sobre o início da humanidade.Sim porque, se o símbolo arbitrário, qualidade que só o homem possui, está relacionado à ação com seus fatores referentes e subseqüentes, há uma lógica nisso. A prática de uma ação subentende todo um complexo de conhecimentos que a envolve. Quer dizer, há a informação internalizada sobre a construção da ação, como também a informação subjetiva sobre a conseqüência da mesma. Por exemplo, se eu pratico a solidariedade com meu semelhante, é que sei que este ato em si, além de ser aprovado pela sociedade da qual faço parte, irá trazer um benefício para o outro a quem pratiquei. Inclusive, para mim mesma, se sou partícipe da ideologia cristã.
Num determinado momento em que o homem passa de elemento participante de uma sociedade biossocial (aquela cujos padrões sociais se encontram baseados na hereditariedade) para uma sociedade sócio-cultural (a que tem seus padrões sociais baseados na cultura), e esse momento ainda está para ser descoberto pelas pesquisas arqueológicas com base na antropologia cultural, ele carrega em sua cosmovisão do mundo, a semente da força/poder, não tanto a sua habilidade de articular palavras para se comunicar com o outro igual.
Todos os sítios arqueológicos descobertos pelos cientistas, onde existem restos fósseis do homem e seus artefatos, não permitem dizer se o mesmo, já falava com o outro. Apesar de encontrar-se registros rupestres que demonstram as suas atividades cotidianas particulares. Mesmo assim, não se sabe que ao construir os registros, o homem se comunicava verbalmente com seus semelhantes.
Então cabe a pergunta aqui: Quando o homem pronunciou as primeiras palavras com significado que o seu igual compreendeu e a partir daí estabeleceu-se a comunicação oral? Foram muitos milênios até chegar à utilização da língua como comunicação. E assim, de que modo se comunicavam? De que maneira os indivíduos respondiam ao chamado do seu líder? Através do que? Creio que da força, imputada aos seus semelhantes para que os mesmos obedecessem às regras estabelecidas pelo líder. E, se alguém transgredisse essas regras, de que modo era penalizado? Através da força! Aquele ungido como líder, tinha o apoio que mais tarde, se transformaria em o que hoje se chama, comissão de notáveis. Essa, formada por indivíduos que apoiavam as atitudes do líder, sacramentava suas ordens. Quem as desobedecesse, seria sacrificado com a morte ou o banimento do meio social criado tão rudemente.
Mas...São tantas as questões que rondam as cabeças pensantes, com respeito ao porque só o homem teve a posse da palavra! De modo que, muitas serão ainda aquelas que por muito tempo encherão os pensamentos daqueles que tentam descobrir o mistério.
Sabe-se que todo o conhecimento traz a ideologia e assim, valores que são passados através de gerações contínuas farão acontecer tentativas para descobrir, à base de teorias as mais diferentes possíveis, o mistério da palavra. O porque do único ser vivo ter o domínio da palavra!
Não seria demais se aprofundar nesta frase, “o homem é o único ser com domínio da palavra”, uma vez que o domínio, subentende no seu âmago, o poder da força! As primeiras ações humanas desde o seu começo, originavam da força, da brutalidade, da subjugação de muitos. Será que no momento crítico da descoberta e posse da palavra, o homem passou a desenvolver mais a sua inteligência animal? Creio que sim! E desse modo, foram constituídos outros grupos sociais, com seus líderes que estabeleciam as regras para a sobrevivência. E aí, aconteceu o evento de populações inteiras serem constituídas e organizadas. Cada uma a seu modo e habilidade de lutar contra a natureza inóspita e contra outros grupos, pela sobrevivência também. Quer dizer, o ato de matar ou morrer compunha a estratégia de estar num mundo e ser do mundo.
Novamente então, questiona-se: O que vem a ser a violência? Este termo é eminentemente social, o que quer dizer, ato praticado por indivíduo imbuído de força, de determinação contra outro em que o seu efeito traz algum malefício para ele. O indivíduo animal ao praticar um ato violento diz-se que, é por pura defesa ligada à sua sobrevivência. O indivíduo animal pode praticar a violência (dentro dos parâmetros humanos) quando necessita se alimentar. Sua presa geralmente mais fraca tende a sucumbir diante de sua força. Porém, o mesmo não age com violência sem que seja agredido. E ele, dentro de sua espécie geralmente não ataca, a não ser que para mostrar sua liderança.
Já o ser humano, imbuído de domínio sobre outrem, ameaça não só com atos, mas com palavras violentas. O que dizer, da escravidão que há bem pouco tempo desexistiu de algumas sociedades? Mas, no entanto, continua viva em outras. Bastante presente! E ainda, não será um ato de violência de algumas sociedades que, motivadas pelos lucros incomensuráveis deixam outras à deriva da própria sorte, na miséria, na fome, no escárnio e no devir? Quantos milhões de seres humanos se encontram na sub-humanidade? Será que essa situação é construída por suas vontades?
E o que dizer, de pais que lutam contra os filhos, irmãos que se escarnam, se odeiam e guerreiam uns com outros? O que dizer, daqueles que se consideram humanos, superiores entre tantos, que praticam matanças vis contra os seres ditos inferiores animais, apenas para ganharem troféus? E a palavra, domínio apenas do homem, pouco se lhe dão valor uma vez que passou a ser utilizada para apenas...Subjugar tantos!