Baile de Máscaras
“Vocês não sabem como é divertido o absoluto ceticismo. Pode-se brincar com a hipocrisia alheia como quem brinca com a roleta russa com a certeza de que a arma está descarregada.” (Millôr Fernandes)
Atingirmos essa maturidade que nos reveste sob a proteção do ceticismo, contudo, não é coisa muito fácil. Tendemos à ingenuidade. Reiteramos à mesma até depois de nos termos decepcionado diversas vezes com as pessoas. Como se algo em nós recusasse a ver as coisas como são e insistisse em fantasiá-las como as deseja.
Quase nunca nos perguntamos: Por quê será que a imensa maioria das pessoas que pensamos conhecer, uma vez conhecidas melhor, nos surpreendem “para baixo” e não o contrário? Digo, a ampla maioria é pior do que imaginamos invés, de surpreender-nos por ser melhor?
Acho que a culpa por tais decepções é de cada um de nós; as pessoas são o que são; se, eu devaneio que sejam como eu gostaria falsifico a realidade. Quantos “grandes” que admirei um dia e com o tempo e circunstâncias, os tendo conhecido melhor, se revelaram pífios, anões morais e desonestos intelectuais, de tal modo, que perdi o interesse?
Costuma-se dizer que não conhecemos devidamente alguém antes de termos comido um kilo de sal, junto com o tal. Como não comemos sal puro, antes, temperando a comida, isso requer muito convívio, proximidade, e o partilhar de muitas coisas até que, enfim, possamos conhecer deveras, à pessoa como é.
Nada me garante que, os que convivem comigo também não se decepcionem mais dia, menos dia; afinal, bem pode ser que eu seja muito pior do que eles imaginaram que eu fosse, na primeira impressão que tiveram.
Acontece que, o teatro da vida traz seu “script” totalmente alheio aos nossos anseios, quando não, insere seus “cacos” suas tiradas de improviso capazes de surpreender aos próprios atores. O “Conhece a ti mesmo” que Sócrates atribuía ao Oráculo de Delfos, encerra mais coisas do que aparenta a princípio.
Se, me vejo desajustado entre as expectativas que nutro e a realidade circunstante, e nada garante que não dou azo a desajustes semelhantes, certamente há um lapso de conhecimento; quiçá, de auto-conhecimento subjacente a esses desajustes.
Todos lançam mão da frase feita que “as aparências enganam”; entretanto, nos apressamos a formar juízos, criar expectativas à partir dessas enganadoras. Talvez nossa vida em sociedade seja um imenso baile de máscaras, onde, cada um, como quem tira uma selfie para postar, escolhe seu melhor ângulo; faz caras e bocas para causar boa impressão, invés de ser espontâneo, natural. Mario Quintana dizia que, num ambiente público, social, o único comportamento não afetado é o do gato deitado sobre o tapete.
Como num imenso “reality Show” cada olhar se torna uma câmera ante a qual devemos fazer boa figura. Filosofamos sobre a vantagem do ser, e vivemos desesperadamente o afã de parecer. Uma ampla camuflagem de palavras e ações ensaiadas nos tornar “palatáveis”; pois, nos importamos mais em ser aceitos aos olhos humanos, que, aos Divinos.
O protagonista do “Fantasma da Ópera” usava uma máscara para “aparecer”. Ele sofrera um acidente que deformara seu rosto; assim, a máscara soava mais apresentável. Seria esse nosso caso? A certeza de nossa feiúra espiritual, psicológica, que demandaria que andássemos mascarados por aí?
Eis nosso dilema! Ser aceitos pela maioria usando a devida máscara que nos adéqua ao “padrão” socialmente usual, ou, sermos “feios” como somos, mesmo que isso afaste as pessoas de nós. Eventualmente, o que somos aflora em momentos de crise e todo nosso trabalhoso teatro resulta inútil.
Que revigorante é assistir quebras de expectativas “para cima” como o surgimento de Paul Potts e Susan Boyle, por exemplo, que se revelaram infinitamente superiores ao que se esperava!! Aqueles o foram no quesito talento; mas, nada impede que sejamos no aspecto probidade, caráter. Diz um ditado que é na tempestade que pensa no abrigo. Pois, nas adversidades que se descobre de quê somos feitos. Pois, na bonança qualquer safado e acerca de nós com ares amistosos. Aí é fácil.
Todavia, os heróis de um vasto seguimento da nação têm se revelado dia a dia, imensamente piores que seus discursos, que as expectativas públicas; algo tão deprimente que dá pena de ver algumas pessoas melhores que eles defendendo-os, invés de assumirem a própria vergonha.
Então, que essa derrocada que soprou as cabanas de palha dos que fingiam ser de madeiras nobres, sirvam-nos de advertência; de aviso para que não caiamos nos mesmos erros. Oswaldo Cruz dizia: “Observando os erros alheios o homem prudente corrige os seus.”
“Às vezes procura-se parecer melhor do que se é. Outras vezes, procura-se parecer pior. Hipocrisia por hipocrisia, prefiro à segunda.” (Jacinto Benavente y Martinez)