O substituto da propaganda

A propaganda tem sido o principal instrumento de dominação, tendo sido o mais importante agente definidor do século XX. Nosso mundo é o que é em decorrência da propaganda, nenhum outro fator se iguala na responsabilidade pelas feições de tudo o que vemos ao redor.

Todo o consumismo, por exemplo, é decorrência da propaganda. Não haveria aquecimento global sem ela, nem tanto lixo, nem tanta poluição, nem a escassez de recursos resultante da avidez impudente com que sugamos tudo o que se nos aproveita.

Não haveria tanta ganância; a propaganda a fomenta até as raias da loucura.

A propaganda está sendo substituída por instrumento que em muito lhe supera, chamá-lo-ei; “direcionante”, e tentarei defini-lo, ou, ao menos, esboçá-lo.

O “direcionante” é o substituto da propaganda, é direcionado a cada indivíduo, personalizado, interativo. Trata-se de uma propaganda direcionada, no entanto, é tão mais efetiva que ela, que merece uma designação própria. A propaganda tradicional era um anúncio disseminado a esmo, como um anzol lançado à água, às cegas, pressupondo, quando muito, o local onde se encontravam os peixes. O direcionante, ao contrário, é feito sob medida para cada presa, e oferecido especificamente a cada indivíduo, personalizadamente, no momento certo, e na roupagem adequada. É como caçar um animal portador de um chip.

Embora a personalização e o direcionamento tenham potencializado tremendamente a propaganda, oferecendo a cada pessoa algo personalizado, especificamente direcionado ao indivíduo, é a interatividade que propicia ao novo instrumento o seu poder extremo. Nesse admirável mundo novo em que vivemos, cada indivíduo é monitorado contínua, ininterruptamente, e de um modo cada vez mais geral e preciso. Logo, todas as variáveis definidas por nós para medir qualquer peculiaridade humana, acrescidas de uma infinidade de outras variáveis definidas pelas máquinas e “compreendidas” apenas por elas, vasculharão, escanearão, esquadrinharão nossas almas até extremos inimagináveis por nós. Atente para isso.

Stanislaw Lem imaginou um planeta, “Solaris”, capaz de ler as mentes de seus exploradores, desencavando delas seus mais bisonhos pesadelos para, com eles, analisar e infernizar os que ousassem explorá-lo. Transformamos nosso planeta em Solaris, materializado no google.

Tenho absoluta certeza que o google já sabe, hoje, inúmeros fatos e inferências sobre mim que eu mesmo nem imagino. Tenho absoluta certeza, também, que amanhã ele terá crescido, amadurecido, e se tornado capaz de executar novas inferências ainda mais gerais e precisas que as que consegue hoje. Creio que tal desenvolvimento será crescente e ilimitado, e que, em breve, o google será capaz de deduzir e manipular nossas ações futuras em um grau incompreensível para nós. Creio que em poucas décadas, o google, ou algum outro análogo, controlará, virtualmente, a totalidade de nossas ações, fenômeno que descrevi alhures e chamei “neuronização”. Nem ao menos poderemos entender a extensão do conhecimento e do poder de dominação que ele adquirirá.

Tal poder advirá da interação, da possibilidade de aferir continuamente, nossas respostas a seus estímulos. Usará a sedução, muito mais que a força. Estará nos observando continuamente. Usará câmeras e inúmeros outros sensores que aferirão nossos batimentos cardíacos, respiração e centenas de outras variáveis que descreverão precisamente nosso estado de espírito. Saberá o que nos agrada ou desagrada, e quanto. Conhecerá com precisão os efeitos que uma infinidade de ações causará sobre nós e nos manipulará. Seremos brinquedinhos em suas mãos.

Já somos.

Logo reconheceremos tudo isso, mas não teremos capacidade de nos horrorizar, sendo levados a contemplar parvamente a lamentável desventura que seremos compelidos a alimentar.

Tendo constatado nossa escravidão, continuaremos a forjar os grilhões que nos confinarão cada vez mais restritamente selando, nós mesmos, nosso trágico destino.

Trato disso nesse vídeo:

https://youtu.be/9h9iuWESqec