Corrida de Revezamento
“O coração entendido buscará o conhecimento, mas a boca dos tolos se apascentará de estultícia.” Prov 15;14
Aqui temos um princípio bom, direcionando a um alvo excelente: “O coração entendido buscará conhecimento...” Natural concluir que tal “entendido” o é no sentido de entender a própria carência, da qual, sai em busca; conhecimento. Em momentos assim Sócrates se impõe: “Tudo o que sei é que nada sei”.
Por outro lado, temos o que “apascenta” a si mesmo com o que possui, parece seguro de não precisar mais nada: “... a boca dos tolos se apascentará de estultícia.”
Só um completo imbecil, cujo horizonte cognitivo em pouco excede ao seu parco existenciário, onde, muitas coisas que supõe conhecer ignora, só um assim, digo, se sentiria seguro de que é o sabichão, que a galera pode ir por ele e estará indo bem. Agora, Shakespeare pede passagem: “Há mais coisas entre o Céu e a Terra do que supõe nossa vã filosofia."
Um cachorro recebe com festa ao seu dono e tende a latir ameaçador para estranhos; seu parâmetro é: Sentir-se seguro com o que já conhece e ameaçado ante o desconhecido, o estranho.
No fundo, toda aquisição encerra uma perda. Se sempre fiz determinada coisa como meu pai fazia, esse atavismo era meu “patrimônio intelectual” sobre aquilo; e, em algum momento for convencido que há maneiras melhores de fazer o mesmo, quiçá, que a coisa era errada, para aceitar a nova percepção, preciso “latir ameaçador para meu dono” meu conhecimento até então; e festejar à chegada de um “estranho”, o novo. É demais para um cachorro tão manso, acostumado aos seus.
A alma filosófica, a do entendido, tem comportamento diverso do cão de nosso exemplo. Tem certo enfado do conhecido, do lugar comum, o chavão, o clichê; e sede de aprendizado, coisas novas que a desafiem; uma vez aceito e vencido o desafio, inda que, apenas em parte, ela se alegrará ostentando a “medalha” do novo conhecimento adquirido.
Agora me ocorre Spurgeon: “Os melhores homens que conheci – disse – estavam descontentes consigo mesmo; em constante busca, como se lhes faltasse algo que os poderia tornar ainda melhores.” Não são, esses, exemplos de entendidos buscando conhecimento? Quantos homens abastados, ainda fazem tudo usando até meios ilícitos para buscar mais fortuna? Assim agem os entendidos em foco; mesmo possuindo saem sôfregos em busca de mais; só que esses, dos valores verdadeiros, que permanecem.
As paixões, motrizes dos tolos, cegam-nos às coisas mais diáfanas, ensejam o fanatismo e os levam a agir como cães, dóceis ao lugar comum, à mesmice decorada, e furiosos ante o estranho, à nova percepção, à luz dissipando fumaça. As pessoas assim defendem bandeiras, invés de valores, pessoas, invés de comportamentos. “O período de maior ganho em conhecimento e experiência é o período mais difícil da vida de alguém”. (Dalai Lama) A perda da qual falamos ameaça ao fanático, ele recrudesce em seu fanatismo e segue reafirmando sua estultice, cioso dela como se estivesse guardando a um tesouro.
Ora, ante à Fonte da Sabedoria, bem se nos aplica a frase que a samaritana disse a Jesus: “Não tens com que tirar, e o poço é fundo”. A corrida do saber é como a de revezamento dos jogos olímpicos, onde, alguém percorre sua parte e passa o bastão a outrem que segue. Nosso curso equivale aos dias de nossas vidas; o “bastão” nossas aquisições durante a passagem.
Nesse breve raciocínio recebi ajuda de Salomão, Sócrates, Shakespeare, Spurgeon, Dalai Lama; eles correram antes de mim; aprenderam e transmitiram seu saber adiante; meu “trabalho” consistiu em entender minha carência de conhecimento e buscá-lo nas devidas fontes.
A doutrinação ideológica estreita cérebros, atrofia-os. Invés formar homens livres, pensantes, formata títeres pensados. Agora, Plutarco me ajuda: “A mente não é uma vasilha para ser cheia; é um fogo a ser aceso.” E esse fogo, diverso da paixão que explora o calor, arde mais em função da luz.
Sabedoria não é uma frescura pernóstica para diversão de quem a possui. Tem implicações práticas vitais, como ensina o mesmo Salomão: “Também vi esta sabedoria debaixo do sol, que para mim foi grande: Houve uma pequena cidade com poucos homens, veio contra ela um grande rei, a cercou, levantou contra ela grandes baluartes; encontrou-se nela um sábio pobre, que livrou aquela cidade pela sua sabedoria; ninguém se lembrava daquele pobre homem. Então disse eu: Melhor é a sabedoria do que a força...” Ecl 9;13 a 16
Apenas a perfeição não demanda mudanças, mas essa encontra-se em Deus. De nós se espera que não sejamos tão avessos ante “estranhos”, quando calhar, para fugirmos da estupidez. “Somente os extremamente sábios e os extremamente estúpidos é que não mudam.” (Confúcio)