ESTUDOS MAÇÔNICOS- A ÁRVORE E A LOJA

    

                                                                    
Correspondências simbólicas entre as séfiras e os oficiais da Loja
 
              VM- Venerável Mestre ( Kether)                                   A Coroa da Criação                
              Or. – Orador ( Hockmah)                                               Sabedoria         
              Sec- Secretário ( Binah)                                                 Compreensão
              Ll- O livro da lei ) Daath)                         Conhecimento                                              
             Tes- Tesoureiro (Gevurah)                                              Julgamento
              MC-Mestre de Cerimônias (Tiphered)                           Beleza
              Ch- Chanceler (Hesed)                                                   Misericórdia
              PV- Primeiro Vigilante ( Hod)                                       Esplendor
              SV- Segundo Vigilante (Netzach)                                  Eternidade
              Mh- Mestre de Harmonia (Yesod)                                 Fundação
              Ci -Cobridor Interno (Malkuth)                                     Reino
 
A Loja e a Árvore da Vida
 
Sabemos que na tradição arcana, o termo Loja (em sânscrito Loka) designa as diferentes partes do universo onde a vida se manifesta. Essa é uma das informações que situa o conceito de Loja maçônica no mesmo sistema de referências que temos da Árvore da Vida na doutrina da Cabala. As duas estruturas foram desenhadas para representar o fluxo que a energia cósmica deve percorrer, para que o universo físico e a humanidade possam cumprir o seu destino cármico.[1]
Destarte, na terminologia maçônica, a terra seria uma Loka, assim como outras partes do Cosmo onde o Criador, supostamente, possa ter semeado alguma forma de vida. Nesse sentido, em termos puramente analógicos, o pensamento humano, reunido em Loja e dirigido para uma finalidade definida, poderia influenciar na conformação do universo como um todo. Num sentido místico, essa seria a função do maçom enquanto “pedreiro” da obra universal. 
Nasce daí a ideia de que a reunião dos Irmãos em Loja tem o condão de formar uma egrégora, ou seja, uma central de energia, da qual se beneficiam os membros da Confraria para a elevação dos seus espíritos. Essa seria uma visão espiritualista dos propósitos da Maçonaria, como estrutura arquetípica da arquitetura cósmica, onde os maçons são vistos como “pedreiros da construção universal” realizando a obra que o seu Grande Arquiteto planejou e executa. Por isso, também, o templo maçônico, onde se reúne a Loja dos maçons é visto como sendo um microcosmo que reflete o macrocosmo, ou seja, uma representação simbólica do universo, onde a vida cumpre os seus ciclos energéticos, realizando sempre uma evolução no sentido da busca da perfeição suprema.[2]

O Templo e a Árvore da Vida
 
Quando se comparam a planta de um templo maçônico e um diagrama da Árvore da Vida, não podemos nos furtar de fazer algumas analogias, tanto visuais como conceituais, pois, para o propósito para o qual as duas plantas foram desenhadas, as relações são bastante visíveis.
De pronto se vê que ambas são construídas utilizando-se planos geométricos bem semelhantes. Os pontos de emanação da energia, nos dois conjuntos, formam triângulos que se opõem pelo vértice, permitindo que a corrente de energia percorra os pontos de convergência e distribuição que se situam nos locais onde se colocam as séfiras, na Árvore da Vida, ou pelos pontos onde se distribuem os altares dos oficiais, em uma Loja maçônica.
 A correspondência é notável, conquanto do ponto de vista geográfico, os altares de alguns oficiais da Loja tenham sido deslocados para outros locais dentro do Templo, desfigurando os triângulos que deveriam formar. Acreditamos que essa distribuição tenha ocorrido pela necessidade de facilitar a locomoção interna. Mas essa disposição, adotada apenas por questões pragmáticas e geográficas, não invalida a analogia aqui proposta, de que o desenho da Árvore da Vida e a planta da Loja Maçônica são correspondências simbólicas da mesma ideia.
 Essa constatação pode ser feita através da análise dos significados de cada séfiroth na Árvore da Vida e do simbolismo atribuído a cada cargo dentro da Loja e da própria mística que se atribui á um e outro desenho.
Na Cabala, a Árvore da Vida retrata a formação do universo físico e espiritual, através da emanação da Luz que vem dos Três Véus da Existência Negativa[3]. Neles, Deus se manifesta como Luz Ilimitada e percorre as esferas da Árvore na forma de um Relâmpago Brilhante. É como uma chama que esse relâmpago desce da primeira e primordial esfera (Kether), verticalmente, acendendo a segunda (Hokmah), e esta acendendo a terceira (Binah). E assim sucessivamente, até á ultima (Malkuth). É a superior transmitindo a luz para a inferior, sem que cada uma perca a própria luminosidade, que continua intacta. E dessa forma o universo cabalístico se mostra como uma emanação do Principio Criador que se derrama pelo nada cósmico, gerando a realidade universal. 
 
Da mesma forma, o universo maçônico se realiza na Loja. Tanto em relação ao universo físico quanto ao espiritual. E o que é verdade para a totalidade cósmica também o é para o mundo individual do iniciado, que na interação com seus Irmãos, e no influxo da energia gerada pela egrégora, lapida o seu próprio caráter.
Do céu para a terra, da terra de volta para o céu. O macrocosmo refletindo no microcosmo e deste voltando, como reflexo trabalhado pela consciência modificada do Irmão, para a imensidade cósmica. É assim que se compõe o edifício universal, como tal visto pela mística que a atividade maçônica inspira ao espírito do iniciado. Aqui está inserta a antiga tradição egípcia simbolizada pelo culto á deusa Maat, cuja prática visava o mesmo resultado, ou seja, levar para o território da Divindade o fluxo dos pensamentos humanos e projetar de volta o reflexo da resposta dos deuses no coração dos homens, como resultado dessa relação simbiótica entre o divino e o profano.
Destarte, essa é a ideia que está inserta na teoria da egrégora, que por definição são os espíritos dos Irmãos, congregados na tentativa de captar a energia boa e necessária para dirigi-los em seus trabalhos. Daí se dizer que função da egrégora maçônica é colocar “ordem no caos” (ordo ab chaos), como tal entendida a realização da harmonia, a conquista da paz social e a promoção do progresso da civilização, como objetivo coletivo, e o equilíbrio psíquico e a própria felicidade pessoal do Irmão, como objetivo individual.
 
Cabala e Maçonaria- sócias do mesmo projeto
 
Assim como Cabala e Maçonaria são sócias do mesmo projeto filosófico, podemos dizer que o desenho da Árvore da Vida e a disposição dos oficiais em Loja foram traçados para representar a mesma ideia. Tanto em uma quanto em outra tradição, a ideia é a de que não é possível á uma pessoa que não esteja em paz consigo mesma pretender atuar como pacificador ou condutor de processos destinados a fazer a felicidade das pessoas. Nem pode uma pessoa em guerra com o mundo encontrar, por si mesma, a própria paz interna. O homem precisa estar em equilíbrio consigo mesmo e com o mundo em que vive. Tanto na prática da Maçonaria, quanto na doutrina da Cabala esses são pressupostos fundamentais.
É nesse sentido que visualizamos na prática de vida que a Maçonaria propõe uma semelhança muito estreita com aquela sugerida pela Cabala. E se no desenho da Árvore da Vida pode ser lida uma mensagem de sabedoria para uma vida espiritual equilibrada e sadia, a Loja maçônica é o correspondente geográfico desse esquema místico, onde essa mensagem é ritualizada para que ela se incorpore ao psiquismo do Irmão como regra de comportamento.
Como bem diz Ann Willians Heller, a “Árvore da Vida é uma forma de vida, uma maneira de viver, de pensar, de se relacionar, de despertar, uma forma de autodescoberta, um modo de compartilhar (...)”.[4]
E nós podemos dizer que nenhum maçom, que de fato viva a Maçonaria, poderá negar a similitude de objetivos e a semelhança de propósitos que pode ser observados em um e outro sistema. Por que, tanto no sistema cabalístico descrito na Árvore da Vida, quanto nos trabalhos de Loja, ocorre o que diz a autora acima citada: as questões espirituais são tratadas como questões materiais e as materiais como espirituais. Funde-se, dessa forma, matéria e espirito em um todo integrado, já que nenhuma pessoa pode encontrar a felicidade vivendo unicamente no mundo da matéria ou somente vagando pelo mundo do espírito. E nem o mundo em que vivemos pode ser totalmente material ou inteiramente espiritual, pois um subsiste do que é produzido no outro.[5]
Nesse sentido é que vemos Cabala e Maçonaria como ramos de uma mesma árvore, ou seja, caminhos para uma Gnose que se hospeda no espírito humano desde a sua primeira manifestação no mundo.
 
A Árvore e a Loja- modelos metafísicos do universo
                                                        
     Não é outro o pensamento de Teilhard de Chardin quando fala da estreita dependência entre as duas energias que formatam o universo: a energia física e a espiritual. Sem dúvida alguma”, escreve esse autor, “a Energia material e a Energia espiritual sustentam-se e prolongam-se mutuamente por alguma coisa. Bem no fundo, de algum modo, não deve haver, a atuar no mundo, senão uma única Energia. E a primeira ideia que nos vem á mente é de nós representarmos “a alma” como um foco de transmutação para onde, por todas as avenidas da Natureza, convergiria o poder dos corpos a fim de interiorizar-se e se sublimar em beleza e verdade.” [6]
Por seu turno René Guenón sustenta que a Loja maçônica é um modelo metafísico do universo e por reflexo, da própria humanidade.[7] Por outro lado, nenhum maçom ignora que o desenho e a disposição dos oficiais, dos paramentos e símbolos do templo maçônico são desenhados e distribuídos na forma de um fluxograma místico, destinado a representar uma rede de relações, cuja finalidade é permitir a circulação do fluxo energético captado pela egrégora.
É nesse sentido que o ritual maçônico estipula que após o início da seção, a “nenhum Irmão é permitido passar de um lugar para outro nem se ocupar de assuntos proibidos por nossas leis”.[8] Essa medida é necessária para evitar que o deslocamento ou a dispersão dos espíritos dos Irmãos congregados em Loja interrompa, ou bloqueie a circulação desse fluxo. 
Por outro lado, todo Irmão sabe que o movimento dentro do Templo, em reunião da Loja, deve ser feito com uma certa ritualística, cujo sentido, muitas vezes é ignorado, mas, a partir da visão que estamos colocando, torna-se perfeitamente compreensível. É que a Loja, reunida em seção ritualística, também tem, como a Árvore da Vida, os seus “caminhos”, por onde a energia cósmica flui. Assim, percorrer de forma equivocada esses “caminhos” pode obstruir ou desviar esse fluxo energético, e todos sabemos que qualquer tipo de energia, desviada dos fins para os quais foi captada, acaba fazendo mais estragos que benefícios.
Cumpre-se, dessa forma, os objetivos esotéricos para os quais foram desenhados, tanto a disposição dos altares dos oficiais na planta da Loja quanto o desenho místico-filosófico da Árvore da Vida. Ambos podem ser vistos como modelos metafísicos do universo, desenhados com um plano e uma estrutura especificamente planejados para captar a energia que vem dos planos superiores e distribui-la por canais próprios, que são os Irmãos, a partir dos quais ela pode se transformar em realizações concretas.  
 
 
[1] Ver, a esse respeito a nossa obra O Tesouro Arcano, publicado pela Editora Madras, São Paulo, 2013
[2] Ver a esse respeito René Guenon- Discursos Sobre a Iniciação- Ed. Pensamento, São Paulo, 1968.
[3] Os Três Veús da Existência Negativa são Ain, Ain Shop e Ain Soph Aur.
[4] Ann Willians Heller, Cabala, o Caminho da Liberdade Interior- Editora Pensamento, 1990. O conflito entre o Oriente e o Ocidente, que atualmente ameaça o mundo com uma nova guerra mundial, é, a nosso ver, um reflexo desse desequilíbrio entre o mundo da matéria e o mundo do espírito. O Oriente (as seitas islâmicas fundamentalistas) vê o Ocidente como se ele fosse o reino de Satan, mergulhado no pecado e no materialismo ateu e amoral. Por seu turno o Ocidente vê essas seitas fundamentalistas e seus seguidores como indivíduos que ainda vivem na Idade das Trevas, seguindo uma doutrina obscurantista e destrutiva dos melhores ideais da humanidade. E no meio disso tudo o ouro negro(petróleo) a incendiar essa disputa.
[5] Idem, pg. 23                                                                                                              
[6] O Fenômeno Humano, citado, pg. 63
[7] Estudos Sobre o Esoterismo Cristão. São Paulo, Ed. Pensamento, sd.
[8] Conforme o Ritual de abertura dos trabalhos em Loja Simbólica.