O segredo dos cientistas

Nossa sociedade pretende, ou finge, valorizar tremendamente a atividade científica, embora o faça em um grau muito menor que alardeia.

A atividade científica é, de fato, extremamente simples, e os cientistas a praticam cotidianamente, em suas vidas diárias. Agir de maneira científica consiste, tão somente, em duvidar, mas duvidar de tudo, sistematicamente.

Quando ouvir uma explicação sobre qualquer coisa pergunte: posso duvidar disso? É o que fazem os cientistas, duvidam de tudo, até, eventualmente, em umas poucas vezes, não poder mais duvidar. O que sobra, então, é conhecimento científico, aquilo que está além da dúvida racional.

Mas se olharmos com atenção, perceberemos que quase nada escapa à dúvida. Exemplificarei.

Costumamos acreditar, por exemplo, que a medicina seja uma prática científica; não é. Se o é, é em tão pouca medida que irrelevante, em especial o conhecimento farmacológico, as drogas, muitíssimo lucrativas, mas pouquíssimo eficazes contra os males do corpo. (Ah, não posso omitir os antibióticos, de fato, eficientes contra bactérias). Tentam nos fazer acreditar que os laboratórios fizeram estudos precisos demonstrando as faculdades terapêuticas das drogas; tais estudos objetivam mais os lucros que a cura.

Pergunte a um médico de hoje sobre tratamento usualmente realizado 50 anos atrás, verá a expressão de repulsa do médico contemporâneo, desmerecendo o tratamento ultrapassado e já condenado. Garantirá que o tratamento de hoje, consonante com os novos conhecimentos, é eficaz e plenamente satisfatório, enquanto o absurdo tratamento da época decorria da ignorância reinante no passado, sem aludir ao fato de que o mesmo argumento era empregado pelos médicos de então, e sem se importar que continuará a ser usados nos próximos 50 anos.

Mas, mantenhamos a atitude científica, e duvidemos da informação que acabo de transmitir.

Consideremos, por outro lado, que os médicos chineses baseiam-se em conceituação completamente diferente da dos nossos, e que desconhecem quase todo o modo com que descrevemos, por aqui, o funcionamento do corpo. Seriam, pelos nossos, chamados charlatães. Apesar disso, os chineses, vivendo sob condições econômicas análogas às nossas vivem tanto quanto os brasileiros, atestando que a medicina, por lá, permite que as pessoas vivam tanto quanto as daqui, preocupando-se muito menos, tenho certeza, com as mordidas financeiras de médicos, planos de saúde e demais abutres, sempre em torno dos doentes, sugando-lhes o pé-de-meia que tenham feito.

Desse modo, se duvidarmos da medicina restará pouco dela ainda que os lucros imensos que geram tendam a ofuscar tal fato; nossos remédios não são melhores que os vomitórios e sangrias de outros tempos.

Também não há ciência social, econômica ou política, nada desse calibre, desde que queiramos duvidar delas, o que parece óbvio. Duvidemos de qualquer coisa que nos digam os diversos cientistas sociais e concordaremos com o que dizem outros deles. Concordarão, exclusivamente, quanto à pertinência da dúvida.

Mas, será então, que podemos duvidar sistematicamente de tudo, inventar nossas próprias explicações, tão absurdas quanto quaisquer outras, ou haverá conhecimento do qual não posso duvidar?

Bem, não conheço quem duvide dos controles da televisão, ou do computador, mesmo quando ambos, eventualmente, falham. Não tentamos comutar o interruptor de parede para ligar a TV, ou computador, mas acreditamos que tais aparelhos tenham controles próprios. Quando tais controles falham, não supomos nenhuma vicissitude do tempo, nem causa mágica, ou diabólica, mas uma falha técnica do equipamento, causada por mau funcionamento do sistema. Desse modo, mesmo as falhas eventuais, que talvez justificassem nossas dúvidas, acabam eliminando-as, e fortalecendo as certezas nos conhecimentos técnicos.

A imagem na TV, assim como toda a tecnologia, confirma continuamente o conjunto de ideias científicas que constitui a física, embora nunca o demonstre cabal e definitivamente. E mesmo as falhas eventuais no funcionamento do aparelho, corrigidas com base nos mesmos fundamentos tecnológicos que permitiram sua confecção, acabam por corroborar as mesmas ideias.

Não há outro campo capaz de apresentar tais resultados. Poderemos nos arraigar a dúvidas lançadas sobre qualquer outra área, que não a física, pouquíssimo restará incólume. Mas a ciência tem sido feita assim, duvidando e corrigindo o que não resiste às dúvidas.