O mito solar
A ideia de que Deus é pura luz e o que o nosso espírito é feito de luz é uma intuição bastante antiga que já existia nos tempos mais primitivos da civilização humana. Os persas e os hindus, em tempos anteriores a Zaratrusta (século XII a.C), já possuíam uma noção bastante avançada desse conceito, pois sustentavam a existência de dois princípios a reger a vida do universo. Esses princípios eram representados pelo deus Marduc (Ahura Mazda, o dia) e Arimã, as trevas, que simbolizava a noite. Paralelamente, numa crença que tem, provavelmente, a mesma idade que a tradição religiosa persa, os egípcios também desenvolveram uma teogonia com base num conceito similar, que colocava o deus Rá, simbolizado pelo sol, como a divindade suprema do seu panteão, a quem estavam submissas todas as outras deidades. E do outro lado o demônio Tifão, habitante das trevas, como contraponto desse poder, fórmula essa que seria reproduzida no mais famoso dos dramas iniciáticos dessa civilização, os Mistérios de Ísis e Osíris.[1]
Similarmente, os povos da Mesopotâmea colocavam um fenômeno luminoso, representado pelo sol, como princípio gerador da vida em todo o universo. Destarte, todos seus deuses tinham vindo do espaço, sendo Baal aquele que representava o astro rei. A própria ação civilizadora da humanidade teria sido, conforme antigas crenças sumérias, uma realização desses deuses astronautas, que á terra teriam baixado em uma expedição de exploração, e aqui deram início á uma colonização. Essa tese é defendida pelo arqueólogo soviético Zecharia Sitchin (1920─ 2010) o qual atribui o desenvolvimento da antiga cultura suméria aos "anunnaki" (ou "nefilins" conforme os chama a Bíblia). Essa teria sido uma raça extraterrestre oriunda de um planeta chamado Nibiru, que existia nos confins do sistema solar e por isso ainda não teria sido ainda descoberto pelos nossos cientistas. Ele baseia suas especulações na tradução que fez de textos sumérios antigos, encontrados na famosa biblioteca de Assurbanipal. É uma tese interessante porquanto os antigos reis sumérios chamavam a si mesmos de anunnakis, e o famoso Código de Hamurabi, conhecido como o primeiro código de leis da humanidade, foi promulgado pelo monarca Hamurabi que chamava a si mesmo de “rei anunnaki”.[2]
Assim, podemos dizer que a maioria dos povos antigos desenvolveram religiões solares, onde o astro-rei aparece como origem e mantenedor da vida. Essa cultura religiosa floresceu também entre os primitivos habitantes do Novo Mundo, com destaque entre os povos astecas, maias e incas, os quais, com poucas variações, praticavam religiões solares que ainda hoje, mesmo cristianizados, os habitantes das regiões onde essas civilizações floresceram, ainda conservam alguns mitos.
A influência do mito solar, entretanto, era tão forte entre os antigos, que nem os israelitas, povo inovador em termos de religião, escapou dela. Embora os israelitas tenham sintetizado os atributos da Divindade em um conceito abstrato, lançando a ideia de um Deus - espírito que não podia ser representado por nenhuma forma que a mente humana pudesse imaginar, eles não conseguiram fugir da noção de que Deus é, em essência, a energia que se manifesta em forma de luz. Assim, o primeiro ato de Deus, ao fazer o mundo, segundo a Bíblia, foi “libertar a luz”. Pois conforme diz o texto sagrado, o primeiro comando divino ao criar o mundo foi “ Haja luz.”[3]
E mais tarde, quando quis se manifestar a um ser humano, Ele o fez de dentro de uma chama, ou seja, uma forma lumino-
sa, simbolizada por uma sarça ardente, material que não se consumia, porque, na verdade, era o reflexo da Luz de Deus.[4]
Libertar a luz
Por isso, toda jornada iniciática consiste numa fórmula para libertação da luz que se supõe existir no interior de todo ser humano. Todavia, o que significa “libertar a luz?” Certamente não é fabricá-la, pois fabricar sugere uma ação transformadora sobre uma matéria prima pré-existente, transformando-a em produto. A Bíblia diz que Deus “tirou” a luz de dentro das trevas e com ela fez surgir o dia e com a escuridão produziu a noite. Grandiosa metáfora essa. Pois o dia corresponde á realidade observável, ao universo real, ao chamado mundo manifesto, á tudo aquilo que se vê, enquanto que a escuridão, a ausência de luz, corresponde exatamente ao mundo das trevas, aquilo que está oculto, o que não pode ser visto, mas que pode ser desvelado quando sobre a escuridão fazemos projetar a luz do nosso entendimento. Por isso os fenômenos psíquicos da descoberta, do insight, da sabedoria, estão sempre ligados á ideia da iluminação, ou seja, lançar a luz sobre um objeto desconhecido, ou mesmo “acender a luz” dentro da nossa consciência.
Isso pressupõe que o universo, tal como o vemos, é feito de luz, embora parte dele permaneça nas sombras porque sobre essa parcela da realidade existente, a luz do nosso entendimento ainda não a alcançou.
No entanto, a realidade é luz e a verdade se reveste dela. Por isso os Evangelhos do Novo Testamento fazem larga utilização dessa simbologia para se referir á doutrina de Jesus, sendo ele próprio chamado de “Luz do mundo”.[5]
Corroborando essa visão os cientistas dizem que o universo saiu de dentro de uma Singularidade que explodiu. O que era essa Singularidade, ninguém se arrisca a definir. Nem a Bíblia nem a ciência explicam o que havia antes dessa explosão e o que era Deus antes de fazer o universo. Mas para algo sair de dentro de alguma coisa é preciso que esse algo tenha uma existência anterior ao próprio parto. Não pode simplesmente “nascer” um ser que não tem existência anterior ao nascimento, sendo o nascimento apenas o seu ingresso na esfera da existência positiva.
Nascer é uma etapa posterior a gerar. Só pode nascer algo que foi gerado. E só pode gerar algo quem tem o poder para isso. Por isso o mestre cabalista diz que “Deus, quando quis criar o universo, velou sua glória e nas pregas desse véu projetou sua sombra”. Isso quer dizer: Deus existia antes mesmo da criação do universo. Tornou-se sombra para nela concentrar a sua energia. Comprimiu-se até o limite do zero absoluto. Por isso Ele era a luz que existia dentro da própria sombra, ou como quer a ciência, a energia contida no corpo celeste que originou o Big-Bang. Na linguagem da Cabala, esse fenômeno é designado pela expressão Tsim-Tzum.[6]
Uma ordem universal
De um modo geral os cientistas concordam que o universo nasceu caótico e descontrolado. No início era como a energia de uma bomba que explode e expele a sua força destruidora para todos os lados. Mas quando o universo começa a ser organizado, quando a energia começa a se transformar em massa, gerando os grandes corpos celestes e os sistemas siderais, todas as leis naturais passam a obedecer a um comando único: a lei da união. Essa lei se traduz pela força da energia existente em cada corpo, que faz com que cada um procure o seu complemento para com ele se unir e deixar a simplicidade da sua estrutura, adquiririndo a qualidade do complexo, que é a marca da evolução. Cosmicamente, as estrelas se juntam em galáxias e os planetas se aglomeram em volta de estrelas para formar os sistemas. E no interior dos sistemas, os átomos se juntam para formar os compostos, os compostos para formar moléculas, as moléculas para formar organismos, sempre no sentido de uma Evolução dirigida. Fisicamente, é a prevalência da luz maior sobre a menor, a energia mais forte sobre a mais fraca, a força natural da atração, firmada na quarta Lei de Newton, segundo a qual "matéria atrai matéria na razão direta do volume de suas massas e na razão inversa do quadrado da distância entre elas”. Isso tudo pode ser traduzido pela lei da União, que o Criador colocou no núcleo de todo grão de matéria, para fazer com que a totalidade dispersa, em dado momento da vida cósmica, se reúna em um ponto único, que é, como bem viu Teilhard de Chardin em sua extraordinária visão hiperfísica do universo, o destino finalístico do universo.[7]
Nasce daí a ideia arquetípica da existência de uma deidade máxima, primeiramente simbolizada pelo sol, que os antigos povos cultuavam como princípio e fim de todas as coisas, de onde tudo vinha e para onde tudo voltava.
E nasce também desse pressuposto a função específica do pensamento humano, cujo objetivo imediato é produzir, na escala da sabedoria cósmica, um fenômeno semelhante. Pois que a função da mente do homem é justamente dar ordem ao caos da materialidade, identificando e catalogando todas as realidades que saem do útero cósmico. Por esse motivo nos foi dada a capacidade de pensar para conhecer. E essa, precisamente, é a razão pela qual a sabedoria nos aparece como sendo um fenômeno luminoso produzido pela ação da nossa consciência sobre o objeto que ela se propõe conhecer. Por isso a metáfora “lançar luz sobre as coisas” designa exatamente essa propriedade da mente humana de revelar o que está oculto nas sombras da ignorância, nas trevas da obscuridade, na impenetrabilidade do quarto escuro, onde os mistérios do universo aguardam o foco de luz que a lanterna da inteligência humana projetará sobre eles para serem revelados. Isso é por Ordem no Caos.
A Luz seja dada ao neófito
Jesus expressou essa ideia quando colocou para os seus discípulos a expressiva parábola que diz: “Ninguém acende uma lamparina e depois a coloca debaixo de um cesto ou de uma cama. Pelo contrário, a lamparina é colocada no candeeiro para que todos os que entram vejam a luz. Pois tudo o que está escondido será descoberto, e tudo o que está em segredo será conhecido e revelado.”.[8]
Isso porque nada ofusca o brilho de Deus nem apaga a luz que Ele dá aos homens. Não há poder no universo que não seja dado pelo brilho da sua luz. Por isso o poder do homem está naquilo que ele sabe, naquilo que ele aprende e consegue usar para o seu próprio benefício e da espécie a qual ele pertence.
E como Deus é pura luz, a ele só nos integraremos quando nós mesmos também formos luz purificada. Nessa meta se con-
sumam todas as escatologias.[9]
Essa é razão pela qual toda disciplina iniciática buscar, simbolicamente, levar o iniciado a um estado em que ele possa, livremente, liberar a própria luz que nele está contida. Aquela "luz interdita” contida, presa na matéria pela condição de pro-fano em que ele se encontra até adquirir a iluminação.[10]
Dai as perguntas contidas no ritual de iniciação maçônica que se refere ao "temerário que tem o arrojo de querer forçar a entrada no Templo" e a consequente resposta que diz tratar-se de "um pobre candidato que caminha nas trevas e, despojado de todas as vaidades, deseja receber a Luz". E também o motivo do porque ele, antes de ser efetivamente iniciado nos Mistérios Maçônicos, ter que conviver com as trevas, a ideia da morte e a escuridão do seu próprio interior psíquico. É que para receber a Luz é preciso, primeiro, saber no que consistem as trevas. Repetir o próprio ato do Criador na transposição de Si mesmo do Véu de Existência Negativa para o Véu de Existencia Positiva.
E por fim, a apoteose final da iniciação, que revela o cerne do simbolismo contido nesse verdadeiro culto á Luz, que a Maçonaria conservou como sua primeira e fundamental proposta iniciática. No momento em que lhe caem as vendas dos olhos, como ao rabino Saulo diante do sacerdote cristão Ananias, é que o iniciado vê o novo mundo que se abre diante dos seus olhos. E é então que se revela o magno mistério que todos os espíritos procuram quando buscam a iniciação maçônica:
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● ● NO PRINCÍPIO DO MUNDO, DISSE O GR.’. ARQ .’. DO UNIV.’.:
- ─ FAÇA-SE A LUZ,
─ A LUZ FOI FEITA.
─ A LUZ SEJA DADA AO NEÓFITO.
[1] Teogonia é a doutrina mística que explica o nascimento do universo através da ação dos deuses. Nos Mistérios Egípcios, Osíris simboliza a luz, e seu invejoso irmão Sethi, as trevas.
[2] Ver, a esse respeito sua obra “O Décimo Segundo Planeta”- Vol. I publicado pela Editora Madras, 2013.
[3] Gênesis, 1:3
[4] Êxodo, 3:2
[5] João, 8;12
[6] Ver o capítulo X, o significado da expressão TzimTsum.
[7] Teilhard de Chardin- O Fernômeno Humano, Ed. Cultrix, 1968. Finalístico sim, e não final, porque sendo o universo resultado de energia que se transforma, ele nunca se acabará.
[8] Lucas: 8:16:18
[9] Escatologia é a doutrina da consumação dos tempos, da história e da finalidade do homem.
[10] A expressão “luz interdita” se refere ao fenômeno luminoso que é associado á uma partícula atômica de alta radiação