Ufa, que Alívio!
Fecham-se as cortinas e os aplausos tomam conta do teatro. O espetáculo acabou e muitos espectadores comentam sobre a peça. Momentos de aflição, alegrias e emoção marcam o clímax do enredo. Alguns elogiam, outros criticam e para muitos pouco importa. Opiniões múltiplas, convergentes e divergentes destilam suas teses sobre a temporada de verão. O que predomina é a visão economicista. O Verão rendeu ou não rendeu $$$$ ?? Para as classes populares o cotidiano se dividia em três turnos de trabalho com os empregos temporários encorpando o orçamento familiar. Aos grandes empresários resta a contagem e transação do papel- moeda, o pagamento dos funcionários e a indignação pelo peso das taxas tributárias. A mordida dos impostos deixa cicatrizes na população que paga uma conta que não é sua.
No bojo das oscilações econômicas surge no horizonte das rodovias bandeiras dos hermanos latinos para salvar a pátria. O turismo estrangeiro de argentinos, uruguaios e chilenos supre a carência econômica e propicia trocas culturais valiosas. Ao mesmo tempo do momento de efervescência latino americana, ocorre outras migrações sazonais de nordestinos, indígenas e africanos. Tornam-se “invisíveis” por não deter o capital dos hermanos e virem de condições socioeconômicas desfavoráveis. Argentinos usufruem a praia e tomam caipirinha de marisqueira, comem casquinha de siri enquanto passam os indígenas vendendo artesanato, os nordestinos negociando redes, alimentos e os africanos promovem os adereços e quinquilharias modernas, óculos, pulseiras e “pau de selfie”. No meio do caldeirão, o torrense trabalha sem parar e curte a beira mar vez ou outra apenas com o pensamento nas águas de março. Época que os bicuíras curtem uma viagem à Bombinhas ou simplesmente se delicia no mar da Guarita ou mergulha na tranquilidade da pacata Praia da Cal.
Cada vez mais ecoa o que sempre escutei da amiga Fernanda Carlos Borges – autora do romace “Torres em Transe” e outras publicações – que Torres seria um lugar de migrações, do passageiro, daquele que chega sabendo que vai se despedir em breve. Na sua obra, a autora analisa as relações sociais sob um enfoque filosófico que revela a subjetividade que habita os discursos predominantes e desnaturaliza questões pertinentes sobre identidade cultural e pertencimento. Fernandinha defende as “Torres das Passagens”. E como até “Uva Passa”, o veraneio passou... Deixando um rastro de saudades e abandono, um misto de alegria e frustração. Uma enxurrada invasora que assola as praias e impregna ideologicamente os moradores com a necessidade lucrativa do verão, criando laços de dependência social e afetiva. Historicamente, em torno de um século com a introdução do turismo de cura e do veraneio foi implantada a semente “messiânica” de que os meses quentes garantem o sofrimento do inverno. Os ilustres forasteiros desproviam os nativos do seu lugar ao Sol. Os que “mandam” e os que “obedecem”, ambos com distintos interesses e necessitando uns dos outros. Formou-se um “Pacto (Neo) Colonial” entre os “filhos das rochas” e os “ilustrados” visitantes. A partir das primeiras décadas do século XX profundas transformações sociais, culturais e econômicas foram engendradas em solo torrense. Do Balneário Picoral à tutela política da Sociedade dos Amigos da Praia de Torres grandes mudanças afetaram a população torrense que tomou o lugar no “limbo”, alienados das decisões importantes, vivendo para os “outros” sem voz e nem representantes.
Chega o momento do repúdio e convidamos as visitas para se retirarem do recinto. Podemos retomar o território e o ritmo de vida local impulsionado pelo “tic-tac” das ondas do mar. Obrigado, tudo maravilhoso mas agora precisamos arrumar nossa casa e revestir de pérolas a nossa privacidade, a autenticidade de “Ser”, sem usar máscaras para agradar os espectadores. Ufa, que Alívio!
Publicado no Jornal A Folha- Torres/RS e Jornal Litoral Norte RS.