Literalmente, a expressão “Escada de Jacó” foi inspirada em um texto bíblico. Jacó era filho de Isaac e neto de Abraão, patriarca que, segundo o Livro Sagrado, trouxe os primeiros israelitas para a Palestina. Ao viajar para a terra onde morava seu tio Labão, á procura de uma esposa entre suas primas, ele se deitou para descansar próximo á uma cidade chamada Luz. [1]
Logo adormeceu e teve um sonho, ou visão, na qual viu anjos subindo e descendo uma escada que ia da terra até o céu. Jacó interpretou o seu sonho como uma visão da promessa de Deus, feita a seu avô Abraão, e a seu pai Isaque, de que daria á sua descendência aquela terra. E se essa promessa fosse cumprida, Jacó e seus descendentes, ou seja, o povo de Israel, dariam ao Eterno Deus a sua parte, que seria a porção semanal chamada vaitsé.[2]
Mas como Jacó achou que tivera uma visão da Casa de Deus, e que seus olhos tinham contemplado a Porta dos Céus, palavra que em hebraico se diz Bet-El, logo os intérpretes da Bíblia começaram a fazer ilações entre o sonho do patriarca e outras visões proféticas, constantes do Livro Sagrado ou de outros trabalhos elaborados por místicos e videntes, judeus e cristãos. Entre os intérpretes judeus a principal conexão bíblica da Escada de Jacó com visões de outros profetas foi feita com a do rabino Ezequiel, conhecida pelos cabalistas pelo nome de Mercabah, ou Carro de Rodas de Fogo de Ezequiel. E entre os gnósticos cristãos a principal analogia se faz com a chamada viagem do patriarca Enoque pelas “altas moradas dos mais sábios e imutáveis reinos do Todo-Poderoso, das mais gloriosas e brilhantes estações de muitos olhos dos servidores do Senhor, e o inacessível trono do Senhor; e os graus e manifestações e hostes incorpóreas e o inefável ministério e a multitude dos elementos, e as várias aparições e o canto indizível das hostes dos querubins, e a Luz infinita”.[3] Esse estranho e místico texto retrata a viagem que o patriarca Enoque fez pelos Sete Céus da esfera celeste, levado pelo Arcanjo Raziel, para que ele visse e descrevesse as moradas celestiais e os caminhos que uma alma deveria percorrer para alcançar a devida redenção.
Entre os maçons essa visão tem sido interpretada como um símbolo da ligação existente entre o céu e a terra – ou entre as coisas sagradas e profanas, o homem e Deus –, e os anjos vistos por Jacó, subindo e descendo essa escada (levando coisas da terra para o céu e trazendo coisas do céu para a terra), são os intermediários dessa ligação.
Essa interpretação traduz a ideia cultivada na tradição maçônica, segundo a qual as hostes angélicas são formadas por “mestres” construtores do universo e os homens são os seus “aprendizes”.
Essa ideia, que é uma inspiração emprestada da filosofia gnóstica, também encontra muitas raízes na doutrina defendida pela Cabala. Nesse sentido, é importante lembrar que em todas as tradições esotéricas existem alusões à “escadas” que os iniciados devem subir, para alcançar a iluminação. Nos Mistérios de Indra, praticados pela classe nobre dos hindus, há a Escada de Brhama, a qual o brâmane deve subir, para atingir os céus de Brhama e penetrar na sua dicina Luz. Nos Mistérios Mitraicos, a escada de Mitra é uma peregrinação pelos céus governados por aquele Deus, e na Cabala, a escada dos dez degraus, simbolizada pela Árvore da Vida é uma autêntica jornada inciática que todo cultor dessa tradição deve subir para contemplar e entender, de fato, os Mistérios da Obra de Deus.
De algum modo todas essas "escadas" se referem aos “mundos”, ou estágios de sabedoria que o espírito humano deve galgar para ter o seu núcleo luminoso - que é a sua alma - filtrado de toda impureza que a sua passagem pelo mundo da matéria lhe deixou. Pois a alma é uma centelha de luz, energia saida do Centro Irradiante, que é o Criador. Ela, como todo o resto da energia irradiada pelo Criador, gerou massa, e nela ficou aprisionada. A mente, espelho dos nossos desejos, é a prisão da alma. Por isso ela deve ser aberta, purificada, expurgada de todos os seus conteúdos viciosos, inspirados pelos sentidos. Pois só assim, a alma reenconta a sua pureza inicial, feita de pura luz e pode ascender, limpa, leve e solta, ao território da Divindade e nela se integrar.
Essa é a visão que a Cabala nos dá do processo de redenção da alma, visão essa que é compartilhada pela Gnose e pela Teosofia. Essa visão é o núcleo central de toda a sabedoria iniciática. Na cadeia iniciática do Bramanismo, por exemplo, esses estágios de purificação da alma correspondem ao conhecimento do corpo, (matéria) e da mente (espírito), através da contemplação desses estados externos e internos; depois a viagem pelo vazio de si mesmo (o nirvana, a ausência de sentimento, o controle de todos os sentidos); em seguida vem a purificação total da mente (passagem da esfera material para a espiritual), na qual ocorre a contemplação do palácio do Grande Rei (onde a alma se prepara para receber a Luz) e finalmente, a entrada na Casa de Brhama (onde se dá a integração da alma, transformada em pura luz, com o Centro Irradiante, que é Brhaman).
Na doutrina católica há um paralelo desse arquétipo na prática das sete virtudes teologais, que são a Fé, a Esperança, a Caridade, a Temperança, a Prudência, a Fidelidade, a Castidade e a Justiça, as quais se opõem aos sete vícios, ou pecados capitais, que são a avareza, a usura, a gula, a intemperança, a luxúria, a inveja e a preguiça. A aquisição das virtudes eliminam, gradativamente, os vícios, e a alma vai se purificando por esse processo. É uma estratégia bem mais simples que as desenvolvidas pela Cabala e pelas doutrinas esotéricas, pois aqui se percebe claramente a influência da doutrina moralista desenvolvida pelos teólogos da Igreja de Roma, principalmente Santo Agostinho e Tomás de Aquino. Assim, a Escada de Jacó, na doutrina católica, é uma jornada pela senda da virtude, representada pelas Sete Virtudes Teologais.
Ja os muçulmanos dizem que Alláh é o Senhor da Escada, pela qual os anjos e o espírito do homem subirão até Ele um dia; um dia cuja duração é de cinqüenta mil anos. [4]. Isso porque, na otica do Islã, o homem não tem livre arbítrio, ou seja, a salvação da sua alma não depende do que ele faça em vida, mas sim da vontade de Alláh, que é o Senhor de todos os destinos.
Psicologicamente a Escada de Jacó é um arquétipo que simboliza , especificamente, á jornada mística do espirito humano em busca da iluminação. Isso porque todo simbolismo iniciático tem em vista a libertação da luz interior que o ser humano encerra. Subir a Escada de Jacó é, pois, uma verdadeira viagem que alma humana deve fazer para retornar ao Centro Irradiante, emissor da energia responsável pela existência do universo. No simbolismo da Cabala significa percorrer a Árvore da Vida de baixo para cima, saindo da sefirot Malkuth, onde estamos localizados em nossa vida terrena, até Kether, a coroa da Criação, primeira manifestação da Energia Criadora no mundo da Existência Positiva.[5]. Voltaremos a esse assunto brevemente.
[1] Êxodo, 28:19
[2] Idem, 28: 22
[3] Livro dos Segredos de Enoque- Ed. Mercuryo, S. Paulo, 2002;
[4] “Até Ele ascenderão os anjos com o Espírito (o anjo Gabriel) em um dia cuja duração será de cinqüenta mil anos. ”Alcorão:Sura 70:4-7
[5] O conceito de Existência Positiva, na Cabala, se refere á ação divina depois de Deus criar o universo e Existência Negativa ao " tempo" anterior á essa criação.