Corsários das Ilhas

‘A atitude radical do ilhéu é chegar à porta de casa e interrogar o mar.’ São estas as palavras do corsário Vitorino Nemésio propostas pelo corsário Eduardo Jorge ao corsário Mário.

A primeira ideia que me veio à cabeça é que somos todos os três corsários. A segunda que veio foi uma interrogação: será que a atitude radical do ilhéu é mesmo ir à porta da rua e interrogar o mar?

Pensando bem, talvez fosse assim em tempos, em tempos longe da minha criação, talvez até tenha sido assim no tempo de Vitorino, mas acho que hoje não será bem assim.

Aliás, pensando melhor, estou quase convencido de que nem sempre foi bem assim.

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Acho que o açoriano olhou sempre mais para o céu do que para o mar. Do céu vinha tudo do princípio de tudo ao fim de tudo. Era um meio temido mas seguro. Do mar vinha quase tudo: era temido e inseguro. Aliás, quando o açoriano quis perceber o mar, interrogou o céu, pelo que, se pode dizer que o nosso mar é o nosso céu.

O corsário Vitorino foi um homem das ilhas vivendo meio fora meio dentro. Era um corsário dos tempos idos ao preferir o barco ao avião: não se temia do mar mas temia-se do céu. Era um corsário dos tempos por vir ao navegar a crista da onda das novidades sem nunca deixar de ancorar nos tempos idos.

Por essa e por outras razões, era um dividido: lá longe em carne e osso, queria estar perto em espírito aqui mesmo connosco. Mas nunca pôde. Nós os dois já podemos.

Mas, teria sido uma sorte danada para nós se estivesse ainda vivo quando a rede apareceu: falhou por uma unha negra este novo corso. É uma pena para nós, que tenha nascido na época dos vapores e morrido na época do jacto quando deveria ter vivido na época das estradas virtuais.

Sempre esfomeado por novidades, se tivesse vivido agora, posso pôr as mãos no lume à confiança com certeza de que não me queimo, sendo um profundo humanista, estaria a usar os novos meios com mestria e sabedoria: Que nos daria algumas luzes para iluminar as bermas das novas estradas: SMS, Twitters, Facebooks, Messengers, Google e mais e mais. O meio não é a mensagem? O lugar é e não é? Eu sou um holograma e não sou? Eu estou aqui e aí?

Estaria com a certeza que temos de que a seguir ao dia vem a noite, mais perto de si próprio podendo estar fora daqui dentro aqui e dentro daqui fora por aí.

Nós, por nós, corsários sucessores do corsário Vitorino estaríamos muito mais perto da nova estrada e não nos perderíamos tanto por entre o labirinto do lixo.

2

Os meios não são o conteúdo da mesma maneira que a casca não é o miolo. Certo?

O açoriano de ontem que olhava o céu para o interrogar vai hoje à rede fazer o mesmo?

Mas, sem pontos de referência seguros para navegar à vista, nem piloto experimentado que o conduza por entre baixas e pedra à flor da água, fica-se pela rama ou enreda-se nela. Tirando alguns poucos, que se contarão pelos dedos de uma só mão.

Pelo que, se o corsário Vitorino não regressa de novo em carne e osso, que regresse ao menos em espírito.

Mário Moura

Janeiro de 2010

Mário Moura
Enviado por Mário Moura em 22/02/2016
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