Sobre o que nos acostumamos
Somos governados, em larga medida, pelos costumes. Baseamo-nos, costumeiramente, em uma normalidade, em uma constância de todas as coisas. Tentamos evitar surpresas, e até negá-las; gostamos de ver o mundo estruturado conforme nossas predeterminações.
Estamos em vias de presenciar as maiores revoluções já vistas pela humanidade, um verdadeiro maremoto socioeconômico, mas nos comportamos normalmente, como se nada estivesse por acontecer. Prevejo com segurança a enorme agitação futura em decorrência das alterações econômicas em andamento. Baseio minhas previsões no fato de que a economia chinesa já superou a americana, tornando-se a maior do planeta, indicando mudanças em virtualmente todas as regras do jogo econômico mundial, induzindo alterações sociopolíticas radicais no mundo inteiro.
Apesar da gravidade e da iminência da ocorrência, pouca atenção damos a ela, em parte porque ainda somos fortemente manipulados pelo antigo poder, a quem interessa manter o atual estado de coisas. A façanha dos poderosos é facilitada por nosso desejo de consolidar antigos hábitos, de manter nossos velhos costumes. Então, permanecemos alheios, apartados das convulsões que se anunciam.
O fundamento das mudanças, seu ponto de apoio, é o crescimento espantoso da economia chinesa, cuja produção, estimada através de seu GDP-PPP, já supera a produção americana, continuando a sobrepujá-la em passos cada vez mais largos.
Em um mundo governado amplamente pela economia, fica claro que tal evento terá consequências estrondosas. Em poucas palavras, o mundo mudará de mãos; os poderosos de hoje, os atuais donos do mundo, serão destituídos do comando central de tudo, abrindo caminho para novos comandantes que determinarão novas diretrizes, novas metas, novas regras para os jogos econômicos, políticos e demais. É esse o embate que presenciamos hoje, é esse o combate que resultará na maior revolução já vista. Castelos de areia desmoronarão.
Há riscos. Um deles, talvez o maior, é a iminência de uma guerra mundial; a possibilidade é catastrófica, espero que não muito provável. Os resultados do evento seriam lastimáveis para todos, calamitosos. Tal expectativa, bastante óbvia, decorre de análise breve e extremamente precária da psicologia dos poderosos: como crianças mimadas que foram, permanecem infantis por toda a vida, incapazes de aceitar contraposições a seus desejos, fatos muito raramente vivenciados por eles. A análise é simplista, ingênua, parva, e apavorante. Também torço seja equivocada, embora tema ser correta; seria enorme infortúnio. A expectativa de danos brutais e irreversíveis para todos nos reconforta, alento claramente duvidoso, e que, ainda assim, a mim parece o que temos de melhor para ancorar certo otimismo; triste consolo.
Pressupondo alguma sensatez, no entanto, podemos esperar que tal catástrofe não se abata sobre nós, sugerindo a ocorrência de convulsões muito menos contundentes que um holocausto nuclear, e, ainda assim, drásticas.
Reformulações em todas as regras; tempos de mudanças, é isso o que espero.
Difícil imaginar detalhes das modificações decorrentes do furacão que varrerá em breve o mundo inteiro, especialmente o ocidente. Podemos esperar uma certa orientalização das diretrizes globais, pouco mais que isso, creio, pode ser previsto.
Não me surpreenderiam alterações radicais na estruturação política de todo o planeta, com a dissolução dos países, ao menos em seus moldes atuais. Suspeito que estruturas políticas como essas sejam muito mais tênues do que seu poder e ubiquidade nos sugerem, sendo os países meros frutos de acordos entre poderosos, resultados, em última instância, de apertos de mãos.
Caso os donos do mundo vislumbrem forma mais adequada para a imposição de seus desejos, logo, novas estruturas de dominação se imporão. Há já algumas décadas, os estados vêm sendo dilapidados pelos poderosos. Sob a bandeira da privatização os rapinantes trataram de abocanhar quase todo o patrimônio público preexistente, restando hoje aos estados pouco mais que o exército, a polícia, a emergência de saúde, as escolas para cuidar dos filhos dos trabalhadores e os sistemas judiciários encarregados de manter a estrutura de poder.
O que restou, pode, no entanto, ser reduzido até proporções ainda menores. Se os estados, nos moldes atuais, consistirem entraves aos desejos dos poderosos, logo serão extintos, ou reformulados. O vislumbre de um período neofeudal, constituído pela diluição de estados centralizados, e caracterizado pela implementação de polícias e judiciários locais mantidos por corporações multinacionais não se me afigura excessivamente fantasioso. Embora surpreendente e contrário ao que estamos habituados, duas semanas de propaganda maciça serão suficientes para nos transportar para uma nova normalidade; repetições podem nos convencer de qualquer coisa.
Novas forças, também, logo entrarão em jogo; um mundo novo se anuncia.