O Morro das Furnas e suas Chanfraduras
O Morro das Furnas é um dos mais belos monumentos naturais do Rio Grande do Sul. No inverno é palco de aves migratórias e paradouro dos pescadores artesanais de onde avistam os leões e lobos marinhos na rochosa Ilha dos Lobos, o trânsito das baleias e o navegar dos barcos que saem do Rio Mampituba. No verão, a calmaria dá lugar ao desenfreado caminhar dos turistas e visitantes nas trilhas do morro como se fosse um formigueiro. Os históricos pesqueiros são tomados pelos “clicks fotográficos” e o colorido dos vestuários dos banhistas. A relva esverdeada como um degradê é castigada pelos raios solares e o pisotear dos transeuntes. Nos tortuosos caminhos um lamentável rastro de lixo; latas de cerveja, bitucas de cigarro, canudinhos, plásticos e garrafas pets são alguns resíduos encontrados com um simples exercício do olhar. É perceptível a grande quantidade de resíduos dos materiais de pesca como pedaços de linhas de nylon e sacolas plásticas que acondicionavam as iscas. A beleza do cenário paradisíaco dos precipícios e das rochas enegrecidas aveludadas pela vegetação perdem seu brilho e altivez quando há o descaso dos frequentadores do colossal Morro das Furnas. O mais alongado das falésias torrenses foi batizado por suas profundas e misteriosas chanfraduras. As Furnas são cavernas escavadas pela abrasão marinha como indica o dito popular: “Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. Esse processo milenar testemunha as transgressões e regressões do oceano que moldou a planície costeira e seu complexo lacustre. A formação geológica resultante de tectonismo e vulcanismo compreende um período de cerca de 190 a 200 milhões de anos como revela o Arenito – Botucatu nas camadas inferiores e aproximadamente 130 milhões de anos a formação Serra Geral nas camadas superiores de basalto. Um museu geológico ao ar livre podemos prestigiar no conjunto de falésias do Parque da Guarita e na Torre Norte, conhecida como Morro do Farol. As chanfraduras do Morro das Furnas surgem na Praia da Cal com uma pequena furna próxima da ponte do Portão que serve de abrigo aos pescadores nos dias chuvosos e oferendas religiosas. Por muitas vezes, as pessoas fazem suas necessidades fisiológicas nesse abrigo deixando o local com mau cheiro. A comunidade local acabou denominando pejorativamente de Toca da Merda. Na sequência do Portão, um concheiro natural conhecido como as Furnas Secas e mais duas pequenas furnas adentrando o mar que não receberam um nome específico. No sopé de um penhasco de quarenta metros a maior furna existente, chamada de Tocão ou Furna da Garagem. Em direção ao sul, a escadaria do pesqueiro do Saltinho, do Feio e da Furna Grande. Curiosamente o pesqueiro da Furna Grande não apresenta nenhuma cavidade evidente. Nos próximos desfiladeiros apresentam-se a Furninha, local que abrigou o Marégrafo de Torres em 1919 e suas inscrições históricas no interior e a famosa e lendária Furna do Diamante. Esta última habita o imaginário popular com a lenda da Sereia que resguarda um diamante na sua parte mais profunda. São locais magníficos e extremamente perigosos onde dezenas de vítimas fatais tornaram-se fúnebres estatísticas pelo descuido e imprudência. No interior das Furnas com o aumento das marés existe um ininterrupto fluxo de resíduos onde se aglomera centenas de quilos de lixo como plásticos, garrafas, isopor e muitos pares de chinelo e outros sapatos. Que chinelagem! É muito curioso observar a variedade de lixo que encontramos em nossos oceanos em que as furnas são apenas receptoras naturais desse descarte desordenado que infringimos ao meio ambiente. O Projeto Praia Limpa tem demonstrado preocupação com o acúmulo de resíduos nas Furnas e tem organizado uma limpeza sistemática uma vez por ano, priorizando os meses de verão com o mar calmo e tranquilo. Essas ações foram documentadas e estão disponíveis no Youtube para aqueles que desconhecem as características das chanfraduras do Morro das Furnas. Do cume desse observatório, ao norte a verticalização da cidade de Torres e ao sul os aspectos originais da região litorânea permeada pelos cordões de dunas e os remanescentes da Mata Atlântica preservada pelo perímetro de aproximados mil hectares do Parque Estadual da Itapeva. Ao longe os contornos da Serra Geral e os abruptos canyons que fazem conexão com a singela Guarita e a frondosa Torre Sul. A riqueza da cultura da comunidade local e dos pescadores artesanais que conhecem cada recanto como a palma de suas mãos, buscam nos pesqueiros a captura da miraguaia, do pampo ou do burriquete escolhidos com aptidão e preparo que atravessam gerações com a simplicidade e resistência do símbolo maior: o marisco da pedra. O conjunto de falésias torrenses merece destaque no sentido da preservação da orla com intuito de assegurar sua singularidade e referências naturais, históricas, arqueológicas, geológicas e culturais. Enquanto isso, entre um banho e outro no valo das furnas, embocaduras e inevitáveis cortes de marisco nas mãos e pés, mergulho em histórias que não alcançam os livros e viajo na inebriante atmosfera mística do cultuado Morrão.
Publicado no Jornal Litoral Norte RS e Jornal A Folha/Torres.
Publicado no Caderno Zero Hora 25/02/2016.