O PODER DO NOME DE DEUS
A Cabala, da mesma forma que a tradição hermética, também trabalha com o axioma segundo o qual o que está em cima é igual ao que está em baixo, o que está fora é igual ao que está dentro. Assim, o homem e o universo compartilham do mesmo desenho estrutural e o seu desenvolvimento, enquanto ser co-partícipe da Criação universal, segue o mesmo plano que o Criador concebeu para a construção do mundo material. É nessa conformidade que a tradição cabalística sustenta que o corpo humano é um reflexo do cosmo, sendo o homem um microcosmo, enquanto o universo é o macrocosmo.
Como já foi exposto nos capitulos anteriores, a Árvore da Vida é um desenho mágico que representa o universo em construção através das manifestações divinas conhecidas como séfiras (sephirots). Nesse plano, que é, ao mesmo tempo, esotérico e exotérico, pois integra tanto o pensamento aceito pela ciência em relação ao desenvolvimento do mundo físico, quanto as intuições dos místicos de todos os tempos a respeito da realidade espiritual, encontramos uma boa teoria para responder a questionamentos que o homem tem feito desde que adquiriu a capacidade de refletir. É uma teoria que apresenta uma explicação coerente do mundo em que vivemos e também nos ajuda, se não a entender o porque de o universo ser como é, pelo menos nos faz sentir que há um propósito em ele ser desse jeito.
Além de mostrar o universo sendo construído como se fosse um edifício, perfeitamente planejado e com uma finalidade bem definida, o desenho da Árvore da Vida também representa o corpo esotérico do homem do céu, na Cabala chamado de Adam Qadmon, arquétipo celeste do homem da terra. É como a ele se refere a Siphra Ditzeniovtha (O Livro do Mistério Oculto):“Por isso está dito: IShRTzV (Yesratzu): Deixai-os dar e se reproduzir abundantemente; eles têm movimento vital; e a primeira forma é, por sua vez, incluída na outra forma; o vivente superior, o vivente inferior; o bem vivente, o mal vivente. E também está escrito ( Gênesis 1:26): E os Elohins disseram: façamos o homem.” Mas não se escreveu HADM ( Ha-Adam) “este homem”, mas simplesmente Adam, em antítese ao Altíssimo Uno, que foi feito no Nome Perfeito”.[1]
Esse enigmático texto sugere que o homem não foi criado a partir de uma imagem direta de Deus mas sim como uma projeção angélica da sua essência manifesta no mundo, os chamados Elohins. Por isso temos a expressão bíblica no plural “façamos o homem à nossa imagem e semelhança.” Destarte, segundo essa visão, o homem simples do mundo material é só um reflexo do Homem Arquetípico, Adam Qadmon, aquele que foi criado segundo a imagem angélica. E nesse mesmo sentido, a Cabala diz que “ quando o primeiro foi aperfeiçoado, também seu reflexo foi aperfeiçoado; mas aperfeiçoado como homem e mulher, para a perfeição de todas as coisas”.[2]
Assim, o homem não foi feito á imagem e semelhança do próprio Deus, mas sim á imagem do Elohim, do qual é um reflexo animado pelo sopro vital, enquanto o Elohim, este sim, é a classe dos arcanjos que foram feitos através da conjugação das letras do Nome Inefável.[3]
Essa visão é interessante porquanto um dos ensinamentos que a Cabala nos dá é o de que Deus constrói o mundo com três atributos da sua Essência, que são a Luz, o Som e o Número. Essas seriam a “matéria prima” com as quais o universo e tudo que nele há é feito. A luz é a sua Energia, que se manifesta no nada cósmico e dá substância ao universo real. Na visão da Bíblia, é a luz que sai das trevas; na visão da ciência, é o big-bang, a energia expulsa na explosão, acelerada na velocidade da luz, que se converte em massa. O Som é o seu Nome Inefável, Palavra Sagrada que só muito poucos iniciados conhecem, mas que é indispensável para que tudo aconteça. É através dessa Palavra que as potências (a leis naturais) atuam, formatando a realidade existente no mundo. Dai a importância que a Cabala e as doutrinas místicas, de um modo geral, conferem á alegoria do Nome Inefável de Deus.[4] E também a verdadeira fobia que os povos do Oriente tinham pelo significado dos nomes, pois este designava, segundo antigas crenças, a quantidade de luz presente na alma do indivíduo.
Assim, Iavhé (Jeová), o primeiro nome de Deus em sua manifestação no mundo da existência positiva, era chamado de Luz Infinita (AinSoph). Com base nessa premissa, há cabalistas que explicam o fato de algumas pessoas serem mais inteligentes(ou iluminadas) que outras, já que seus nomes, por possuirem mais atributos de luz, lhes confere essa qualidade. Isso porque, segundo essa crença, todas as almas tem um nome de origem, que não é o nome que lhes é dado na terra, mas sim o que é obtido pelo seu valor numeral. Este só pode ser descoberto com o uso da técnica da guematria. Por isso, saber quanto vale numericamente o próprio nome é o mesmo que determinar o seu valor na escala da espiritualidade.[5]
O Número é o elemento de organização do universo. Através dele e das formas geométricas, Deus, pelas mãos dos seus arcanjos construtores dá sentido, organização e forma ao mundo real. Esses três atributos da Divindade estão representados nas três primeiras séfiras da Árvore da Vida: Kether (Luz), Chokmah (Som), Binah (Número, Geometria). As outras sete séfiras da Árvore são consequência da ação coordenada dessas desses três princípios que se unem, como numa trindade sagrada, para produzir toda a realidade existente. Esse processo se repete também no corpo físico e espiritual do homem, porquanto, como vimos, ele não é mais que um reflexo do próprio universo.
A visão cabalística da criação do homem é uma ideia que está mais consentânea com a própria crença do povo de Israel, pois um dos pressupostos fundamentais da religião judaica é que Deus não tem forma nem seu verdadeiro Nome é conhecido pelos homens. Razão pela qual nenhuma imagem sua poderia ser reproduzida, nem o seu verdadeiro nome ser pronunciado em vão. Esse, aliás, constituía dois dos mais severos mandamentos do Decálogo, e quem os violasse era punido com a morte mais horrível.[6]
Destarte, dizer que o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus constituiria uma grande incoerência que os sábios de Israel jamais cometeriam já que nem eles mesmo sabiam qual seria a imagem de Deus. E é nesse mesmo sentido que Jesus ensina que Deus é Espírito e como tal deve ser adorado, pois Ele não pode ser conhecido em sua essência, mas apenas em suas manifestações.
Essa tradição cabalística, que também é encontrada entre os adeptos da Gnose e da Teosofia, sustenta que Adão, o “homem da terra”, foi feito conforme o modelo do “homem do céu”, conhecido como Adão Kadmon. Esse “modelo” seria inspirado na própria imagem dos arcanjos Elohins, estes sim, semelhantes ao homem em sua forma. Por isso é que o Livro da Criacão (Bereschit), ao se referir á criação do mundo diz “ Bereschit bara Elohim...” (No começo os Elhoim criaram...). Isso quer dizer que o mundo físico, e por consequência, o homem, não é exatamente uma criação direta de Deus, mas sim resultado de uma manifestação Dele no mundo da Ação (o mundo de Assiah),. Com efeito, essa ideia vem expressa no Zhoar quando diz que "...se o mundo tivesse sido obra da essência divina chamada Jehováh, tudo nesse mundo teria sido indestrutível; mas como o mundo é obra da essência divina chamada Elhoim, tudo está sujeito à destruição; e é por isso que a Escritura diz : "Vinde e vede as obras de Elohim que estão sujeitas à destruição (schamoth) sobre a terra" (...) "Rabbi Issac disse: (...) se o mundo tivesse sido criado pelo nome de misericórdia, isto é, pelo nome de Jehovah, todo o mundo teria permanecido indestrutível; mas como o mundo foi criado pelo nome do rigor, isto é, pelo nome de Elohim , tudo é perecível nesse mundo" (Zohar, I,58,b).[7]
É nesse sentido que o rabino Yehuda Berg ensina: Elhoim não é Deus absoluto, o Princípio Criador. É uma manifestação secundária dele. Equivale ao que chamamos de Natureza. Em hebraico Elohim se escreve אלהים, cuja correspondência numeral é 86. A palavra natureza também tem essa equivalência em hebraico pois se escreve (נַטוּרֶזָה) que é igual á 86, razão pela qual Elhoim é a própria natureza em ação. [8]
Conclui-se pois que Elohim é o “Espírito da Natureza”, que integra tudo que nela existe como essência ou energia, transformada em vida. Por isso na tradição cabalística se diz que Elohim fez o homem modelando-o do “barro da terra” e conforme a sua própria imagem. Nessa fórmula está a razão de o homem só encontrar o seu verdadeiro equilíbrio (e saúde) quando está verdadeiramente integrado com o meio em que vive, ou seja a mãe Natureza, ou Mãe-terra, e essa é razão de o espírito humano desenvolver os chamados Antigos Mistérios. Trata-se de uma memória ancestral, uma informação posta no próprio DNA do ser humano, uma razão psíquica que justifica a realização desses cultos e o porque deles remanescerem no Inconsciente Coletivo da Humanidade. Eles funcionam como uma forma de ligação entre os homens e os deuses. [9]
Outra metáfora cabalística sugere que o Elohim (manifestação divina equivalente á natureza) é uma espécie de CPU cósmica que nos fornece a inspiração para todo o nosso substrato psíquico. Nessa CPU, todo o plano cósmico e todo conhecimento passível de ser transmitido ao homem está registrado. Ela já foi chamada de Mente Universal ou Alma Mundi, ou seja, a energia espiritualizada que alimenta a vida espiritual do cosmo. Por isso se diz que as nossas ideias não são geradas do nada, mas sim, como dizia Platão, elas provém dos “universais”, formas incorpóreas, ideais, que existem independentemente do pensamento humano, mas que o influenciam e lhes fornecem a matéria prima que formata a nossa vida psíquica.
Na tradição religiosa do antigo Egito, essa “corrente energética” que vem do céu para a terra e volta da terra para o céu era chamada de Maat.[10] Na visão da Cabala essa idéia é representada na forma de uma corrente de fluxo e refluxo de energia, que alimenta a “Mente Coletiva” da humanidade e dela recebe os influxos do conhecimento. É algo análogo á noção de Jung sob a existência de um Inconsciente Coletivo da Humanidade, onde todas as noções que dão alento á nossa vida psíquica estão hospedadas sobre a forma de arquétipos. Na filosofia de Teilhard de Chardin um interessante paralelo dessa ideia pode ser encontrada na sua noção acerca da existência de uma camada de pensamento que aureola a terra e lhe fornece o estofo para a sua atividade psíquica. É a camada que ele chama de Noosfera.
A esse propósito, é interessante registrar o pensamento desse formidável pensador pois ele revela uma formulação lógica desse processo que integra toda a mística e a ciência que já se revelou sobre esse tema: “ Por termos reconhecido e isolado, na história da Evolução a nova era de uma Noogênese”, escreve ele, “ei-nos forçados, correlativamente, a distinguir, na majestosa ordenação das folhas telúricas, um suporte proporcionado á operação, quer dizer, uma membrana mais. Em volta da centelha das primeiras consciências reflexivas, os progressos de um círculo de fogo. O ponto de ignição se alargou, O fogo ganha terreno. Finalmente a incandescência cobre todo o planeta. Uma só interpretação, um só nome se acham á medida desse grande fenômeno (...) a camada “pensante” que, após ter germinado em fins do Terciário, se expande desde então por cima do mundo das plantas e dos animais: fora e acima da Biosfera, uma Noosfera.[11]
Ainda citando Teilhard de Chardin, em se tratando do fenômeno da vida, “é o próprio tecido das relações genéticas que, uma vez desdobrado e erguido, desenha a Árvore da Vida”.[12]
E nesse sentido podemos acrescentar á essa visão o ensinamento cabalista segundo o qual é pela sua própria vontade que Ele (Deus), através do Nome Sagrado (IHVH), se manifesta positivamente no mundo. Esse é o segredo do big-bang revelado pela Cabala. Eshad U’ Shemohu (Ele e seu Nome são Um) onde a palavra nome (shemot, שמות) equivale a 346, o mesmo valor numeral de desejo, vontade, (חלום ) que também equivale a 346.[13] Tudo é Deus, tudo vem de Deus, tudo se consuma em Deus.
Destarte, a verdadeira sabedoria está no culto á Luz, na pesquisa do Nome Inefável e no estudo do número e das formas, ou seja, a Geometria. Visto dessa forma começa a fazer sentido as lições que a tradição maçônica nos transmite em seus rituais.
A Cabala, da mesma forma que a tradição hermética, também trabalha com o axioma segundo o qual o que está em cima é igual ao que está em baixo, o que está fora é igual ao que está dentro. Assim, o homem e o universo compartilham do mesmo desenho estrutural e o seu desenvolvimento, enquanto ser co-partícipe da Criação universal, segue o mesmo plano que o Criador concebeu para a construção do mundo material. É nessa conformidade que a tradição cabalística sustenta que o corpo humano é um reflexo do cosmo, sendo o homem um microcosmo, enquanto o universo é o macrocosmo.
Como já foi exposto nos capitulos anteriores, a Árvore da Vida é um desenho mágico que representa o universo em construção através das manifestações divinas conhecidas como séfiras (sephirots). Nesse plano, que é, ao mesmo tempo, esotérico e exotérico, pois integra tanto o pensamento aceito pela ciência em relação ao desenvolvimento do mundo físico, quanto as intuições dos místicos de todos os tempos a respeito da realidade espiritual, encontramos uma boa teoria para responder a questionamentos que o homem tem feito desde que adquiriu a capacidade de refletir. É uma teoria que apresenta uma explicação coerente do mundo em que vivemos e também nos ajuda, se não a entender o porque de o universo ser como é, pelo menos nos faz sentir que há um propósito em ele ser desse jeito.
Além de mostrar o universo sendo construído como se fosse um edifício, perfeitamente planejado e com uma finalidade bem definida, o desenho da Árvore da Vida também representa o corpo esotérico do homem do céu, na Cabala chamado de Adam Qadmon, arquétipo celeste do homem da terra. É como a ele se refere a Siphra Ditzeniovtha (O Livro do Mistério Oculto):“Por isso está dito: IShRTzV (Yesratzu): Deixai-os dar e se reproduzir abundantemente; eles têm movimento vital; e a primeira forma é, por sua vez, incluída na outra forma; o vivente superior, o vivente inferior; o bem vivente, o mal vivente. E também está escrito ( Gênesis 1:26): E os Elohins disseram: façamos o homem.” Mas não se escreveu HADM ( Ha-Adam) “este homem”, mas simplesmente Adam, em antítese ao Altíssimo Uno, que foi feito no Nome Perfeito”.[1]
Esse enigmático texto sugere que o homem não foi criado a partir de uma imagem direta de Deus mas sim como uma projeção angélica da sua essência manifesta no mundo, os chamados Elohins. Por isso temos a expressão bíblica no plural “façamos o homem à nossa imagem e semelhança.” Destarte, segundo essa visão, o homem simples do mundo material é só um reflexo do Homem Arquetípico, Adam Qadmon, aquele que foi criado segundo a imagem angélica. E nesse mesmo sentido, a Cabala diz que “ quando o primeiro foi aperfeiçoado, também seu reflexo foi aperfeiçoado; mas aperfeiçoado como homem e mulher, para a perfeição de todas as coisas”.[2]
Assim, o homem não foi feito á imagem e semelhança do próprio Deus, mas sim á imagem do Elohim, do qual é um reflexo animado pelo sopro vital, enquanto o Elohim, este sim, é a classe dos arcanjos que foram feitos através da conjugação das letras do Nome Inefável.[3]
Essa visão é interessante porquanto um dos ensinamentos que a Cabala nos dá é o de que Deus constrói o mundo com três atributos da sua Essência, que são a Luz, o Som e o Número. Essas seriam a “matéria prima” com as quais o universo e tudo que nele há é feito. A luz é a sua Energia, que se manifesta no nada cósmico e dá substância ao universo real. Na visão da Bíblia, é a luz que sai das trevas; na visão da ciência, é o big-bang, a energia expulsa na explosão, acelerada na velocidade da luz, que se converte em massa. O Som é o seu Nome Inefável, Palavra Sagrada que só muito poucos iniciados conhecem, mas que é indispensável para que tudo aconteça. É através dessa Palavra que as potências (a leis naturais) atuam, formatando a realidade existente no mundo. Dai a importância que a Cabala e as doutrinas místicas, de um modo geral, conferem á alegoria do Nome Inefável de Deus.[4] E também a verdadeira fobia que os povos do Oriente tinham pelo significado dos nomes, pois este designava, segundo antigas crenças, a quantidade de luz presente na alma do indivíduo.
Assim, Iavhé (Jeová), o primeiro nome de Deus em sua manifestação no mundo da existência positiva, era chamado de Luz Infinita (AinSoph). Com base nessa premissa, há cabalistas que explicam o fato de algumas pessoas serem mais inteligentes(ou iluminadas) que outras, já que seus nomes, por possuirem mais atributos de luz, lhes confere essa qualidade. Isso porque, segundo essa crença, todas as almas tem um nome de origem, que não é o nome que lhes é dado na terra, mas sim o que é obtido pelo seu valor numeral. Este só pode ser descoberto com o uso da técnica da guematria. Por isso, saber quanto vale numericamente o próprio nome é o mesmo que determinar o seu valor na escala da espiritualidade.[5]
O Número é o elemento de organização do universo. Através dele e das formas geométricas, Deus, pelas mãos dos seus arcanjos construtores dá sentido, organização e forma ao mundo real. Esses três atributos da Divindade estão representados nas três primeiras séfiras da Árvore da Vida: Kether (Luz), Chokmah (Som), Binah (Número, Geometria). As outras sete séfiras da Árvore são consequência da ação coordenada dessas desses três princípios que se unem, como numa trindade sagrada, para produzir toda a realidade existente. Esse processo se repete também no corpo físico e espiritual do homem, porquanto, como vimos, ele não é mais que um reflexo do próprio universo.
A visão cabalística da criação do homem é uma ideia que está mais consentânea com a própria crença do povo de Israel, pois um dos pressupostos fundamentais da religião judaica é que Deus não tem forma nem seu verdadeiro Nome é conhecido pelos homens. Razão pela qual nenhuma imagem sua poderia ser reproduzida, nem o seu verdadeiro nome ser pronunciado em vão. Esse, aliás, constituía dois dos mais severos mandamentos do Decálogo, e quem os violasse era punido com a morte mais horrível.[6]
Destarte, dizer que o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus constituiria uma grande incoerência que os sábios de Israel jamais cometeriam já que nem eles mesmo sabiam qual seria a imagem de Deus. E é nesse mesmo sentido que Jesus ensina que Deus é Espírito e como tal deve ser adorado, pois Ele não pode ser conhecido em sua essência, mas apenas em suas manifestações.
Essa tradição cabalística, que também é encontrada entre os adeptos da Gnose e da Teosofia, sustenta que Adão, o “homem da terra”, foi feito conforme o modelo do “homem do céu”, conhecido como Adão Kadmon. Esse “modelo” seria inspirado na própria imagem dos arcanjos Elohins, estes sim, semelhantes ao homem em sua forma. Por isso é que o Livro da Criacão (Bereschit), ao se referir á criação do mundo diz “ Bereschit bara Elohim...” (No começo os Elhoim criaram...). Isso quer dizer que o mundo físico, e por consequência, o homem, não é exatamente uma criação direta de Deus, mas sim resultado de uma manifestação Dele no mundo da Ação (o mundo de Assiah),. Com efeito, essa ideia vem expressa no Zhoar quando diz que "...se o mundo tivesse sido obra da essência divina chamada Jehováh, tudo nesse mundo teria sido indestrutível; mas como o mundo é obra da essência divina chamada Elhoim, tudo está sujeito à destruição; e é por isso que a Escritura diz : "Vinde e vede as obras de Elohim que estão sujeitas à destruição (schamoth) sobre a terra" (...) "Rabbi Issac disse: (...) se o mundo tivesse sido criado pelo nome de misericórdia, isto é, pelo nome de Jehovah, todo o mundo teria permanecido indestrutível; mas como o mundo foi criado pelo nome do rigor, isto é, pelo nome de Elohim , tudo é perecível nesse mundo" (Zohar, I,58,b).[7]
É nesse sentido que o rabino Yehuda Berg ensina: Elhoim não é Deus absoluto, o Princípio Criador. É uma manifestação secundária dele. Equivale ao que chamamos de Natureza. Em hebraico Elohim se escreve אלהים, cuja correspondência numeral é 86. A palavra natureza também tem essa equivalência em hebraico pois se escreve (נַטוּרֶזָה) que é igual á 86, razão pela qual Elhoim é a própria natureza em ação. [8]
Conclui-se pois que Elohim é o “Espírito da Natureza”, que integra tudo que nela existe como essência ou energia, transformada em vida. Por isso na tradição cabalística se diz que Elohim fez o homem modelando-o do “barro da terra” e conforme a sua própria imagem. Nessa fórmula está a razão de o homem só encontrar o seu verdadeiro equilíbrio (e saúde) quando está verdadeiramente integrado com o meio em que vive, ou seja a mãe Natureza, ou Mãe-terra, e essa é razão de o espírito humano desenvolver os chamados Antigos Mistérios. Trata-se de uma memória ancestral, uma informação posta no próprio DNA do ser humano, uma razão psíquica que justifica a realização desses cultos e o porque deles remanescerem no Inconsciente Coletivo da Humanidade. Eles funcionam como uma forma de ligação entre os homens e os deuses. [9]
Outra metáfora cabalística sugere que o Elohim (manifestação divina equivalente á natureza) é uma espécie de CPU cósmica que nos fornece a inspiração para todo o nosso substrato psíquico. Nessa CPU, todo o plano cósmico e todo conhecimento passível de ser transmitido ao homem está registrado. Ela já foi chamada de Mente Universal ou Alma Mundi, ou seja, a energia espiritualizada que alimenta a vida espiritual do cosmo. Por isso se diz que as nossas ideias não são geradas do nada, mas sim, como dizia Platão, elas provém dos “universais”, formas incorpóreas, ideais, que existem independentemente do pensamento humano, mas que o influenciam e lhes fornecem a matéria prima que formata a nossa vida psíquica.
Na tradição religiosa do antigo Egito, essa “corrente energética” que vem do céu para a terra e volta da terra para o céu era chamada de Maat.[10] Na visão da Cabala essa idéia é representada na forma de uma corrente de fluxo e refluxo de energia, que alimenta a “Mente Coletiva” da humanidade e dela recebe os influxos do conhecimento. É algo análogo á noção de Jung sob a existência de um Inconsciente Coletivo da Humanidade, onde todas as noções que dão alento á nossa vida psíquica estão hospedadas sobre a forma de arquétipos. Na filosofia de Teilhard de Chardin um interessante paralelo dessa ideia pode ser encontrada na sua noção acerca da existência de uma camada de pensamento que aureola a terra e lhe fornece o estofo para a sua atividade psíquica. É a camada que ele chama de Noosfera.
A esse propósito, é interessante registrar o pensamento desse formidável pensador pois ele revela uma formulação lógica desse processo que integra toda a mística e a ciência que já se revelou sobre esse tema: “ Por termos reconhecido e isolado, na história da Evolução a nova era de uma Noogênese”, escreve ele, “ei-nos forçados, correlativamente, a distinguir, na majestosa ordenação das folhas telúricas, um suporte proporcionado á operação, quer dizer, uma membrana mais. Em volta da centelha das primeiras consciências reflexivas, os progressos de um círculo de fogo. O ponto de ignição se alargou, O fogo ganha terreno. Finalmente a incandescência cobre todo o planeta. Uma só interpretação, um só nome se acham á medida desse grande fenômeno (...) a camada “pensante” que, após ter germinado em fins do Terciário, se expande desde então por cima do mundo das plantas e dos animais: fora e acima da Biosfera, uma Noosfera.[11]
Ainda citando Teilhard de Chardin, em se tratando do fenômeno da vida, “é o próprio tecido das relações genéticas que, uma vez desdobrado e erguido, desenha a Árvore da Vida”.[12]
E nesse sentido podemos acrescentar á essa visão o ensinamento cabalista segundo o qual é pela sua própria vontade que Ele (Deus), através do Nome Sagrado (IHVH), se manifesta positivamente no mundo. Esse é o segredo do big-bang revelado pela Cabala. Eshad U’ Shemohu (Ele e seu Nome são Um) onde a palavra nome (shemot, שמות) equivale a 346, o mesmo valor numeral de desejo, vontade, (חלום ) que também equivale a 346.[13] Tudo é Deus, tudo vem de Deus, tudo se consuma em Deus.
Destarte, a verdadeira sabedoria está no culto á Luz, na pesquisa do Nome Inefável e no estudo do número e das formas, ou seja, a Geometria. Visto dessa forma começa a fazer sentido as lições que a tradição maçônica nos transmite em seus rituais.
[1] A Kabbalah Revelada, op citado, pg. 103
[2] Idem, pg. 104
[3] Elohim é um dos dez nomes de Deus, que estão relacionados ás dez manifestações Dele no mundo real, correspondentes á cada uma das séfiras da Árvore da Vida. É também uma das dez Ordens angélicas que presidem a construção do mundo, sendo a imagem dos arcanjos desse Ordem o molde segundo o qual o homem foi criado. Por isso a Bíblia diz: “ criemos o homem á nossa imagem e semelhança”.
[4] Como vimos no capítulo V, a alegoria do Nome Inefável de Deus cumpre uma importante etapa doutrinária na tradição da Maçonaria.
[5] A Sabedoria da Cabala, op. citado, pg. 158
[6] A idolatria (fabricar e adorar estátuas e figuras de deuses) e a blasfêmia (tomar o nome de Deus em vão), constituíam crimes tão graves na antiga legislação hebraica, que eram punidos com a morte por apedrejamento.
[7] A Kabballah Revelada, op citado. Pg.
[8] O Poder da Cabala- Ed. Imago, 2010
[9] A Maçonaria adotou uma variante desse culto no desenvolvimento do curioso Drama de Hiram Abiff.
[10] Maat, na religião dos antigos egípcios era a deusa da Justiça, aquela que ligava o céu á terra, levando para o céu as manifestações psíquicas dos homens e trazendo do céu a resposta que os deuses davam á elas.
[11] O Fenômeno Humano, pg. 197
[12] Idem, pg. 197
[13] O Poder da Cabala- citado, pg 87
do livro: A Cabala Para Maçons; no prelo
do livro: A Cabala Para Maçons; no prelo