Por uma pílula da felicidade

Vivemos tempos difíceis. Sim, e faz tempo. Não suportamos o tédio, a depressão, nem, por mínimo que seja, um dia nublado.

Nos entregamos de corpo e sem alma às mais variadas paixões: por um time de futebol, por um self, por um interessado sorriso da moça da loja de departamento. Compramos a crediário o sorriso que começa na porta da loja e termina no SPC ou por 90 minutos, num campo de batalha demarcado por 4 linhas. Nesse precioso mundo de heróis populares, a catarse toma conta e os espíritos, explodindo em esfuziantes olés se delícia e tudo, fora daquele enebriante espaço, não existe. É o sublime momento do esquecimento da vida que se doura a cores químicas e patrióticas. O abismo, tão logo abrem-se os portões, está ali, a dois passos, esperando outro distraído ser que, já sem o efeito da "pílula", se deparará com o espelho do dia seguinte.

Nós somos macacos de auditório. Batemos palmas para as mais insignificantes piadas desses programas que lotam nossos finais de semana e assim, sem que percebamos, estamos no mundo arco-íris.

Toda vez que algo sai do prumo perdemos a vaga noção de como

tudo se deu. O desespero, o medo do fracasso, nessa louca locomotiva da vida, não podem nos invadir. E, ainda que demonstremos força, é à noite que a névoa vem. O sono tarda a chegar, matamos os carneirinhos porque eles se multiplicam como nossas contas a cada mês.

Vivemos tempos difíceis. Só para os fracos, dirá o psiquiatra ou o banqueiro.

Como num shopping, temos as nossas mãos soluções que ignoramos. Podemos comprar aquele carro, aquele celular, ou mesmo uma imitação de Rolex. Essas pílulas da felicidade são o deleite de que precisamos. Somente elas, ou coisas do gênero - desde um óculos (imitação) da marca "mais top" - , podem nos dar aquele status próprio das celebridades. Estar pronto para o clik, eis a nova religião. Nesse mundo, não há ausentes, há descontentes. Todos são bem vindos, todos são bem vistos, basta não pensar. Basta rir como se estivesse num circo.

Nesse mundo quem se sente "diferente", deve rever seus pontos de vista. Não se enquadrar é ser pessimista, é ser antissocial. Defender opiniões contrárias ao consenso fabricado, é pertencer ao outro lado e se satisfazer, afinal, a voz do povo é a voz de Deus, dirá o rebanho em êxtase; e no púlpito a voz abençoada dará a receita para a felicidade eterna.

Vivemos tempos difíceis, tempos loucos, tempos reais.