A PSICOLOGIA DO POETA
•Nota introdutora
A criação poética é engenho do entrosamento do mundo material com o imaterial e ou dos devaneios que é por onde habita o ser do poeta. Assim, é com este tema "A psicologia do poeta", que temos por intento delinear os quadrantes da mundividência por onde deambula o ente poético.
É quase verdade incontestável o modo de ver o poeta que a sociedade foi erigindo, pois é laboroso, para alguns homens no normal de seu ser viver num mundo de ideias enquanto existe o igual ou mais habitado e o menos lacrado nas amarras da crítica involuntária e libertário, que é naturalmente onde habita o ser do poeta enquanto vivente dum mundo doente na dimensão corpórea.
É comum se lhe cognominar, o poeta, como estranho, diferente e por demais denominações capazes de atribuir sem, no entanto, conhecer a verdadeira razão de ele ser.
O poeta, é sem titubeios há razões suficientes de o ser, é a figura acente sobre as palavras e com uma lupa de figuras de linguagens e de sintaxe que metamorfoseam a realidade, e essa metamorfose não é capaz de tirar o ser-real da realidade, mas atribui subjectividade e poeticismo ao cosmo.
É ainda inevitável que um poeta não seja poeta, a menos que não seja um poeta genuino. Pois que só os poetas em si e não os que procuram ser tem a temível tarefa de olhar para as coisas de forma aparentemente distorcida à camada social que olha para as mesmas com um olhar procurando a razão quando o poeta não contenta-se com a mesma procurando também os "porquês" da não-lógica e da não-razão.
Essas reflexões em forma de essay (ensaio) engendram-se de modo a fazer nascer um texto que em si seja o olhar real que virá desmistificar a realidade aparente que se talhou na oficina social sobre o ser do poeta.
Surge para dar voz à múltiplas ideias que nascem e se querem dar vida a partir do pensar e sem modo encontram o verso como meio de se fazer viver. Tentamos explanar aqui uma outra e porquê não uma nova vertente acima das já teóricas suposições e especulações que se fazem na órbita do assunto "Ser Poeta".
• Parte teórica das ideias
I. O que distingue o olhar poeta do olhar de um ente comum?
Esta é uma retórica pouco complexa, porém não difícil de se fazer compreender.
Tudo que precisamos de saber a priori é que o poeta não tem necessariamente ou seja, não tem uma essência óptica, compreensiva e sentimental na linha regular societal, isto é a linha da psiquê do poeta difere dum indivíduo comum, pois este voluntariamente sai constantemente de si não se contentando com a realidade. Ousariamos até dizer que o poeta é um invasor assíduo do espaço não palpável um espaço supra-real que faz dele seu lar.
Ora então os entes comuns não transcendem para esta linha surreal? Eles transcendem sim, porém de forma involuntária e ao chegar naquele espaço não tem a métrica colonial do poeta para explora-lo.
É esta essência que falta aos entes comuns, mas que reside nos poetas. A essência de superar a sua natureza bruta e de tudo a sua volta plasmando e comprimindo a quimera num "cubo" compacto de epíteto poema.
No dizer de Leonardo Boff em seu livro «Tempo de Transcendência», somos seres de enraizamento e seres de abertura"(imanência/ transcendência). "A raiz nos limita como entes comuns porque nascemos numa determinada família, numa língua específica, com um capital limitado de inteligência, de afectividade, de amorosidade". Com esta citação não queremos dizer que o Poeta não está enraizado no supracitado, porém este transcende a sua realidade em busca da réplica do verso que o falta como um alimento necessário à sua existência.
Em poucas palavras poderíamos dizer que estes dois diferem pois que um detém de um sentimento conformista com a realidade enquanto que o outro sente a necessidade de acoplar o seu ser a inalcançavel imanência, a supra-realidade.
• II. como olha a realidade, e a interpreta?
O ser do poeta nasce do amor que existe defronte ao desencanto. A realidade não é mais do que o desencanto, este desencanto é do amor, alegria, do ódio e aflição com precedência concreta e, que, é emanada do mundo sensível, que pela existência se gera no âmago. Pois o ser do poeta é um ser de vaidade, e Matias Aires salienta que "a vaidade não tem negativo", isto é, esse estado é de eterno oscilar pendular: tudo é vaidade, a presença, a ausência, o amor e ódio, são apenas presença da vaidade, vício ou virtude a ser escritas ou vividas.
A interpretação do quotidiano, como tal, é um processo de memória que a partir do processo do devaneio, quando defronte a um fenómeno o poeta faz reparos capazes de edificar uma polis e um castelo de pulcritude subjectiva e apenas única em cada devanear.
Para olhar a realidade o poeta tem um confronto consigo mesmo e este, o leva a entrar no desprezo universal numa dimensão psíquica que só se observa através do verso. E a razão e a lógica são estágios que a consciência poética manifesta sem, no entanto, negligenciar-se o banal por assim dizer, e não é constante o uso da razão, senão a própria mudança constatar de ser ela razão-de-ser, a razão de ver o mundo, por isso a razão ou sua ausência "nadadizam" ou "omnifazem" o verso.
A verdade que cai quando descortinamos o mundo dos nossos hábitos e virtudes, é que causa insónia ou um profundo sono na alma do poeta e começa a excitar os cinco sentidos, sem antes tidos como viventes daquela realidade a se expressar.
Salientar, ainda, que o poeta é um ser que não sente como se devia sentir as coisas, ou como um ente comum as sente, ele é capaz de confrontar a realidade com o seu mundo figurado na metáfora e ironia da existência, por aí se diz que o poeta (des)faz o retrato tal e qual de como se vive uma verdade.
Ele na autopsicografia, é fingidor como Pessoa lhe disse, mas se finge é porque sente a dor e amor, e diminui, estes sentires, quando fotografa em material o imaterial e imaterial o material, emanando um mundo só nítido em sonhos tatuados no olhar maldizente ou bendizente.
• III. Em que mundo se localizam as suas ideias e como ocorre a transfiguração ou mutação delas até ao verso?
O mundo do poeta se talha na possibilidade e na não aceitação de residir no mundo sensível. O poeta é um corpo que foi negado de transcender na via física, para o mundo supra-sensível, mas dado a possibilidade de estar lá na via sensível e os cinco sentidos são os que o fazem consorciar os dois mundos que aparentemente poderiam ser opostos e contraditórios, até a possibilidade do poeta ser expulso em um destes mundos, o que não acontece.
Já dizia Platão que nalgum momento o homem esteve no mundo sensível, mas por motivos ocultos foi expulso, sendo que o conhecimento são as lembranças das epócas vividas no sensível.
É pertinente então dizer que o poeta se recusa a se deixar ser expulso desse mundo transmutando-se e vestindo-se do impalpável por meio de seus devaneios para caminhar pelo mundo surreal sem ser vencido pela insanidade.
A alma do poeta é na verdade pertencente e genuína do mundo sensível, sendo que o corpo seria como que um fardo que lhe fora atribuído na desaventurada de aprisioná-lo dentro de si, mas o poeta é por algum motivo um ser livre por excelência, que faz de seus devagares a ponte para retornar a casa (mundo sensível) e seus versos e pensamentos e poemas a façanha única de trazer o surreal como uma iguaria a ser degustada pelos entes comuns.
O espaço com que se vive a dimensão poética é um espaço cheio do tudo, e o tudo pode ser na representação, não da sinonímia, mas da antonímia o nada para quem é comum, como sustenta Sartre em Lá Nausée, "geralmente, a existência oculta-se. Está à nossa volta, em nós mesmos, identifica-se connosco, não é possível articular duas palavras sem falar dela e, apesar de tudo, fica intocada." E se isso acontece, o poeta viaja através da nave do avesso e o verso é mais do que verso, pois é diverso em se signatar e tem figuras com múltiplos sentidos expressos que se não podem tocar.
E no contexto, não fica intocada por ele a existência tirânica de que certas verdades aos olhos obsoletos das massas anti-críticas permanentemente vivas. Nada nem ninguém lhe escapa, os seus versos valem como a filosofia do martelo de Nietzsche, aquebrantando toda a quimera realidade construída sóbolos amuletos sociais.
11/01/2016