“E disse também Deus: faça-se o firmamento no meio das águas e separe-se umas águas de outras águas. (...) As águas, que estão debaixo do céu, ajuntem-se num só lugar e apareça o elemento árido. E assim se fez.” Gênesis, 1:6,9
                                                                              
                                                               
A essência de Deus, no vácuo manifestada,
No que foi o primeiro dos seus momentos,
Gerou luz; das trevas ela foi logo separada.
Com ela foram feitos os quatro elementos.
                                                      
Fogo, terra, ar, e a água de vida enxertada,
Deram forma ao universo nos seus planos.
A terra seca, do meio líquido, foi retirada,
E todas as águas se ajuntaram em oceanos.
                                                             
Mas na massa que se elevou sobre os mares,
Ele colocou um grande pulmão verdejante,
Nas densas florestas que purificam os ares.
 
Deus fez a terra tendo o céu como seu teto,
Como se ela fosse um edifício deslumbrante.
Por isso o chamamos de Grande Arquiteto.
 
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Uma das mais interessantes concepções do pensamento gnóstico é a ideia de que o espírito é uma centelha de luz aprisionada na matéria. Nesse sentido, espírito e matéria assemelham-se aos dois burricos da fábula. Cada um quer seguir direção contrária em busca do seu próprio monte de feno. Só quando se juntam eles descobrem que são complementos um do outro, e que o objetivo de suas vidas é formar um conjunto equilibrado. E quando isso acontece, conseguem vencer a repulsão que os separa, e aí se tornam uma unidade, que é o verdadeiro “ser”. [1]
       Segundo a Teosofia, (doutrina desenvolvida por Helena P. Blavatsky) os átomos (jivas) são como almas, ou seja, centros de vitalidade potencial, com inteligência latente em seus núcleos. Isso quer dizer que eles contém a propriedade de buscar, entre si, as interações necessárias para formar os compostos dos quais toda a materialidade é feita. Essa propriedade, na filosofia aristotélica é chamada de Enteléquia, espécie de propriedade que, segundo aquele filósofo, todos os seres da natureza têm para realizar o próprio desenvolvimento.[2] 
     Por seu turno os antigos filósofos atomistas acreditavam que os átomos eram “animados”, isto é, continham uma espécie de energia interna que lhes vinha de uma fonte externa, pois eles eram impelidos por “átomos maiores, mais puros” (de origem divina). Assim, a doutrina do atomismo, que está na origem da moderna ciência atômica, não descarta a presença de uma energia de origem superior para dar vida ao universo, e também não refuta a ideia de uma mística presença de “entidades” de constituição sutil (espiritual) na gerência desse processo.
     Essa também é a ideia que inspira Teilhard de Chardin no desenvolvimento da sua hiper-física. Segundo esse grande filósofo (para alguns estudiosos, o maior do século vinte), existem dois tipos de energia atuando na construção do universo: a energia física e a energia espiritual, que ele chama de Dentro e Fora das Coisas. A primeira gera a massa física do mundo, por força das interações entre os elementos (átomos) e a segunda gera a massa espiritual, por força do enrolamento dessa energia sobre si mesma, ou seja, pela concentração de energia em unidades cada vez menores (os neurônios) que ocorre no ato de pensar. “Essas duas energias”, escreve Teilhard de Chardin “ espalhadas respectivamente sobre as duas folhas externa e interna do Mundo, têm, no conjunto, o mesmo andamento. Estão completamente associadas e passam, de algum modo, uma para a outra. Mas parece impossível fazer com que suas curvas simplesmente se correspondam. Por um lado, somente uma fração ínfima de Energia “física” se acha utilizada pelos mais elevados desenvolvimentos da Energia espiritual. E por outro lado, essa fração mínima, uma vez absorvida, traduz-se, no quadro interior, pelas mais inesperadas oscilações.”[3]
     Teilhard quer com isso dizer que espirito e matéria crescem em sentidos diversos, mas que são extremamente dependentes uma da outra. Que não há desenvolvimento material sem um correspondente desenvolvimento espiritual, da mesma forma que a recíproca também é verdadeira. Essa assertiva está na fórmula materialista que sustenta a tese hedonista: para pensar é preciso comer. Quer dizer, se a base do espírito é o pensamento e a qualidade deste depende das boas condições químico-físicas do organismo, e isso é verdadeiro, também é verdadeiro que o organismo, pois mais saudável que seja em suas condições de saúde física, não terá um bom equilíbrio psíquico se não tiver, na mesma proporção, o mesmo cuidado sanitário com os pensamentos que emite. Em suma, a saúde do corpo depende da saúde da mente e esta, por sua vez, das boas condições do organismo.   
    
É nesse sentido que certas correntes gnósticas veem o espírito humano como uma espécie camada de elétrons, presa ao seu centro material; e seu movimento em volta desse núcleo gera calor e luz, que se convertem em pensamentos e estes em ações. Essas noções, antes tratadas de forma puramente esotérica, hoje é objeto da nova ciência chamada noética, que procura provar, de forma científica, a existência de energias transcendentais, especialmente aquilo que chamamos de mundo espiritual.[4]
Embora usando termos e linguagem diferentes, essas ideias não são muito estranhas á doutrina da Cabala. Para os modernos cabalistas os átomos são “entidades” (arcanjos) cuja função na construção do universo é a de gerir esse processo, inspirando e orientando os homens em suas ações. Nesse processo, onde Deus aparece como o Grande Arquiteto do Universo, os arcanjos são os mestres, e os homens são os seus pedreiros. Essa também é a noção com a qual trabalha a Maçonaria, na mística da sua doutrina.
E assim como os átomos são os blocos de construção do universo físico, os nossos pensamentos são os blocos de construção do edifício espiritual. Uns e outros se sustentam por interação e formam o mundo, tal como o conhecemos.
 

 
 
[1] Segundo a moderna física, o equilíbrio do universo se dá pela contraposição da energia positiva da aceleração, que promove a expansão do universo num movimento caótico e desorganizado, e a energia negativa da gravidade, que força sua contração, aglutinando as massas formadas pela aceleração da energia em sistemas.
[2] O termo (enteléquia) designa a energia que o Criador concedeu a todos os seres da natureza para levá-los à sua forma mais perfeita. Formada pelo prefixo en (o que está dentro), télos (objetivo, realização, acabamento) e o radical do verbo ékhô,(trago em mim, possuo), o vocábulo grego entélékhéia significa a qualidade do ser que tem em si mesmo a capacidade de promover o seu próprio desenvolvimento. No ser humano pode ser entendida como a força que o leva a enriquecer o espírito através da aquisição do conhecimento e também a promover o desenvolvimento do seu organismo em termos físicos. Para maiores referências ver a nossa obra “O Tesouro Arcano- publicado pela Ed. Madras, São Paulo, 2012
[3] O Fenômeno Humano, citado, pg. 63
[4] A noética (em grego nous)  é a ciência que se refere a tudo que tem a ver com o pensamento humano, especialmente no que tange ao seu objetivo e significado cósmico. O têrmo deriva da filosofía de Aristóteles, que definiu essa ciência como sendo a doutrina da inteligência humana, ou seja, a função do intelecto na sua capacidade de intuir as realidades universais..