Projeto Quelônios do Rio das Mortes
O Rio das Mortes é o maior e mais belo rio genuinamente Mato-Grossense. Enquanto outros grandes rios têm apenas parte de seu trajeto no estado, o Rio das Mortes nasce e se desenvolve totalmente dentro dos limites do Mato Grosso.
O Rio das Mortes nasce na Serra São Lourenço, município de Campo Verde, de onde percorre 1.070 km atravessando diversos municípios da região leste do estado do Mato Grosso até desaguar no rio Araguaia, em São Félix do Araguaia, na divisa com Goiás.
Até meados do Século XX a bacia do Rio das Mortes mantinha-se praticamente intocada, com suas matas preservadas e sua água totalmente pura. Desde então, o Mato Grosso foi um dos estados brasileiros que mais se desenvolveu e, conseqüentemente, essa realidade mudou.
A partir da construção de Brasília, o governo federal passou a incentivar levas de migrantes para as chamadas “novas fronteiras de desenvolvimento”. Assim, em busca de melhores condições de vida milhares de famílias se deslocaram para as Regiões Norte e Centro-Oeste.
O Mato Grosso recebeu grande parcela dessa gente, que chegou com inúmeros incentivos governamentais para desbravar a terra e produzir. Brejos foram drenados e muitas nascentes foram soterradas para abertura de estradas. Centenas de colônias agrícolas e assentamentos rurais foram implantados. As matas frondosas foram substituídas por pastagens e cultivos de arroz, soja e milho, geralmente com utilização de agrotóxicos e pesticidas.
Tudo isso ocasionou impactos severos aos ecossistemas, especialmente a biota aquática, com drástica redução das populações de botos, ariranhas, jacarés, peixes e quelônios. Várias espécies chegaram perto da extinção.
Valorizando as potencialidades e riscos predatórios constantes que sofriam as populações de quelônios ocorrentes no Rio das Mortes, a partir de 1984 essa importante área de reprodução integrou-se aos planejamentos e ações do Projeto Quelônios da Amazônia, sob o codinome de Projeto Quelônios do Rio das Mortes. Coube aos profissionais do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) Gaspar Saturnino Rocha e Felizberto Alves da Silva, conhecedores profundos das realidades daquela região, as ações de coordenação e execução das tarefas do Projeto Quelônios, objetivando garantir a reprodução e conservação da tartaruga da Amazônia e do tracajá nas diferentes praias historicamente procuradas pelas espécies citadas.
Os fiscais e técnicos do IBDF sediados na cidade de Canarana construíram uma base às margens do Rio das Mortes, no município de Ribeirão Cascalheira, de onde coordenam as atividades de monitoramento e proteção.
A área do Projeto abrange aproximadamente 120 km de rio, com inúmeras praias nos municípios de Ribeirão Cascalheira, Cocalinho e Santo Antônio.
Todos os anos, as ações acontecem durante a estiagem, de julho a dezembro, quando abaixa o nível d’água do rio e as praias ficam expostas.
A época de desova é entre agosto e setembro, no auge da seca. É quando inicia-se um belo espetáculo da natureza!!!
Durante o dia, as fêmeas se aproximam das praias. Cautelosas, não saem do rio. Ficam apenas com a cabeça fora d'água, durante horas, atentas aos ruídos e movimentos. Elas verificam se o ambiente é seguro, se devem realmente escolher aquele lugar para depositar o que tem de mais precioso: seus ovos, que são a garantia da perpetuação de sua espécie! Observam se existem predadores ou caçadores nas proximidades. Se verificarem qualquer ameaça, elas deixam rapidamente o local em busca de um melhor. Mas quando se sentem seguras, permanecem esperando o pôr-do-sol, em grupos que reúnem dezenas, às vezes centenas de bichos.
À noite as fêmeas saem lentamente da água e sobem as dunas das praias para colocar os ovos em buracos que escavam na areia. Logo que terminam a postura, elas retornam para a segurança do rio. Enquanto as galinhas, patas, marrecas e outras aves precisam ficar horas sentadas nos ninhos para chocar sua prole. As tartarugas descobriam um jeito mais fácil, pois o calor do sol durante os meses de estiagem faz todo trabalho ao manter a areia bem quentinha e garantir a incubação dos ovos. É como o ditado popular que diz: “As tartarugas podem ser lentas, mas de bobas elas não tem nada. O que lhes faltou de velocidade sobrou na esperteza”.
O número de filhotes e as características dos ninhos estão relacionados ao tamanho da fêmea. Na fase adulta, a tartaruga-da-amazônia pode medir 1 metro de comprimento e pesar mais de 60 quilos, sendo considerada o maior quelônio de água doce da América do Sul. Ela desova de 50 a 150 ovos, em ninhos com profundidade que chega a 50 cm. A tracajá, um bicho bem menor, com 30 cm de comprimento e peso médio de 10 quilos, põe de 8 a 25 ovos, em ninhos superficiais, geralmente entre 5 e 15 cm de profundidade.
O nascimento ocorre entre novembro e dezembro. Nessa etapa, os técnicos do IBAMA percorrem diariamente as praias para recolher os filhotes, que são levados para berçários especialmente preparados, onde permanecem por cerca de 20 dias, até o momento da soltura.
Anualmente, milhares de filhotes são protegidos pela equipe do IBAMA, e devolvidos aos rios da região.
No início o trabalho era cheio de incertezas, mas com o passar do tempo o Projeto foi ganhando força e novos parceiros se incorporaram em suas metas. Em 2001, o governo do Mato Grosso, por meio da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA), criou o Refúgio de Vida Silvestre Quelônios do Araguaia (REVIS Quelônios do Araguaia), em uma área de 60 mil hectares, a partir da Lei Estadual nº 7.520 de 28/09/01, no município de Cocalinho, região do baixo Araguaia. A SEMA passou a apoiar continuamente a proteção dos sítios de postura e através da educação ambiental junto às comunidades rurais, ribeirinhas e indígenas.
Em 2006, uma entidade ambientalista – Aliança da Terra – sob a liderança de Edmar dos Santos Abreu somou forças, realizando durante todo ano o monitoramento e fiscalização para impedir a caça e pesca depredatória na área do Refúgio.
Além de garantir que a tartaruga-da-amazônia e a tracajá permanecessem fora da lista nacional de extinção, esse esforço contínuo possibilitou que o Rio das Mortes se mantivesse como berçário de várias espécies de plantas e animais ameaçados pela exploração desregrada, como o pirarucu, que havia praticamente desaparecido dos rios da região e, aos poucos, vê sua população voltar a crescer.
Em 31 anos do Projeto Quelônios do Rio das Mortes já foram protegidos mais de 8 milhões de filhotes, tornando-se uma das áreas mais bem sucedidas na conservação ambiental em toda a Amazônia.
Tamanha conquista certamente se deve a dedicação primorosa do Sr. Gaspar Saturnino Rocha e seus amigos que em três décadas de muito amor e trabalho estão deixando um verdadeiro legado ecológico para as futuras gerações!!!
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Palmas - TO, Janeiro de 2016.
Giovanni Salera Júnior
E-mail: salerajunior@yahoo.com.br
Curriculum Vitae: http://lattes.cnpq.br/9410800331827187
Maiores informações em: http://recantodasletras.com.br/autores/salerajunior