Sobre o tempo, sobre o nosso tempo
Um breve relato do momento em que vivemos e do futuro próximo.
Vivemos em uma época surpreendente. Até o século XX, as pessoas nasciam e morriam no mesmo mundo, tendo visto umas poucas mudanças durante o transcorrer de suas vidas, usualmente alterações locais. Já no início do século passado, alguns passaram a vivenciar modificações que alteravam seus mundos, quando a eletrificação começou a se alastrar pelas metrópoles do mundo inteiro. (Creio que esse processo esteja em vias de ser finalizado, no Brasil). Os dessa época viram a implantação da iluminação artificial, o surgimento e proliferação dos automóveis e das estradas de rodagem, a disseminação de eletrodomésticos, a difusão do rádio, do telefone, da televisão, e inúmeras outras novidades que alteraram radicalmente o dia a dia das pessoas e o mundo em que viviam. Acresce a isso o aumento da longevidade; o tempo de vida das pessoas dobrou, durante o século. Então, pela primeira vez, as pessoas passaram a nascer em um mundo e morrer em outro, radicalmente transformado. (O mundo tem ficado cada vez mais feio, isso é consenso).
Tudo tem se acelerado, tudo. Nossas mentes estão mais aceleradas, nossas conversas também. Pessoas do interior conversam mais lentamente. A voz em nossa mente, nosso eu, fala muito mais rápido hoje que antes. Aposto que isso já pode ser percebido em filmes antigos, os diálogos neles devem ser mais lentos, as pausas mais longas.
O fenômeno continuará, as modificações serão contínuas, crescentes. Em 200 anos, talvez, as alterações serão diárias; a cada dia, um mundo, e acelerando (ou, talvez necessitemos apenas de 30, como veremos abaixo). Difícil imaginar o significado da palavra “humano” nessa época; também estamos mudando. Atente: tudo se acelera, 200 anos serão uma eternidade. Mas passarão bem rapidamente.
Tendemos a achar que o ritmo continuará a ser o do passado, ou que tudo se estagnará, que continuaremos sempre na mesma boréstia. Mas...
Estamos vivendo uma época que aos antigos pareceria ficção científica. Os antigos permanecem com um pé no passado, anacrônicos, como índios, ou “étnicos”, eufemismo exótico e talvez racista, mas esclarecedor. Creio que “étnicos” designe ignorantes.
Reminiscências
Os europeus costumavam nos oferecer miçangas. Precisávamos de miçangas porque desejávamos nossas mulheres. Nossas mulheres queriam miçangas porque desejavam homens. Oferecíamos o que tínhamos por miçangas porque desejávamos miçangas e porque só tínhamos o que tínhamos.
Continuamos oferecendo o que temos por miçangas, porque somos ignorantes. Continuamos os mesmos índios, ou étnicos.
O controle de pessoas
Pessoas são criaturas altamente controláveis. Não conseguimos controlar invertebrados. Peixes e répteis também são virtualmente incontroláveis. Podemos adestrar cavalos, porcos, cães ou macacos, mas todos eles em graus bastante limitados. Pessoas podem ser controladas, adestradas em altíssimo grau.
Animais costumavam ser adestrados com o uso de violência. Comportamentos desejáveis eram premiados, respostas indesejáveis eram punidas violentamente. A prática foi transposta para o controle de pessoas e utilizada por milênios, tendo sido superada por métodos de controle muito mais eficientes. Metodologias violentas de adestramento estão fora de moda, nem em animais têm sido aplicadas. Violência costumava suscitar revoltas.
Facebook e google, entre outros, estão fazendo um experimento sem precedentes, manipulando e moldando o comportamento de bilhões de pessoas. A prática transcorre em vários níveis, em todos os quais a violência foi substituída pela sedução.
Um experimento social: a estratégia argentina, um mau presságio
Penso que será assim: divide-se o mundo em 2, real/virtual. Implanta-se no mundo real um estado violento. Semeia-se o medo e a revolta. Manifestações contra um governo cada vez mais brutal se sucederão, alimentando ódios que explodirão justificando o aumento da brutalidade. Tensões crescentes imporão um estado policial que trará nítidas lembranças de tempos não muito distantes. Policiais e soldados patrulharão as ruas, controlando a população à beira da revolta.
Uma bomba plantada, talvez, em sinagoga, ou evento esportivo, calhará aos feitores; induzirá a evocação da palavra mágica “terrorismo” para justificar o cometimento sádico de atrocidades. O fascismo estará de volta sob nova máscara.
O terror varrerá as ruas, impelirá as pessoas ainda mais fortemente para o mundo virtual, onde serão reconfortadas por sedutoras criaturas virtuais.
Maus presságios.
O mesmo experimento está em curso no mundo inteiro, com sotaques variados. Assume feições assemelhadas em praticamente toda a América Latina.
O mundo Árabe também está sendo varrido pelo flagelo. O bom momento da economia no sudeste asiático os imuniza, relativamente.
A ruína do dólar, e subsequente derrocada do ocidente deixará o mundo altamente inflamável. Explosões violentíssimas espocarão por todo o planeta, especialmente nos EUA. Os poderosos do mundo, os bilhonários, erguerão cortina de fogo e fumaça tentando se camuflar, tirar de si a mira das multidões iradas e depauperadas. Criarão conflitos, alimentarão ódios, jogarão povos contra povos com o intuito de sair incólume da rapina já executada, da apropriação de todos os bens do planeta. Não será fácil justificar a rapina, mas os meios de comunicação são deles, ele têm a voz. Também têm a internet. Mas somos muitos. (Precisamos, urgentemente, no mínimo, criar uma rede social livre, descentralizada, sem um dono).
2 caminhos
O futuro próximo nos sugere 2 caminhos, a derrocada do ocidente, ou a guerra, ambos ameaçadores. Rearranjos econômicos e financeiros resultarão na ruína do dólar, e consequente derrocada de todo o ocidente. Isso está em vias de acontecer. Suspeito estarem aguardando a eleição americana para deixar o barco afundar; até lá, os poderosos impedem a catástrofe. Convulsões sociais fortíssimas se alastrarão por todo o mundo. Estados policiais estão sendo erigidos e fortalecidos para conter as multidões. A outra possibilidade é ainda pior:
A alternativa óbvia à queda do ocidente será uma guerra insana e sem precedentes. Presumiria um ataque devastador a China e Rússia, eliminando-as, ambas, varrendo-as do mapa, calamidade brutal. O revide ameaçaria toda a humanidade. Estamos sob risco gravíssimo.
2 mundos
As alternativas funestas referidas acima, no entanto, transcorrem, ambas, no mundo real. Note que estamos migrando para o mundo virtual, permanecendo mais tempo nesse que no real. As realidades se confundirão.
A aspereza do mundo real será atenuada pela sedução reconfortante do mundo virtual. O gás lacrimogênio e a pimenta dos distúrbios nas ruas garantirão a efetividade dos toques de recolher. As ruas, vigiadas, serão palco de embates constantes. O mundo real será privilégio de bilhonários.
Não haverá empregos. As multidões receberão, no mundo inteiro, alguma forma de seguro social. A comida será escassa. Tempos magros nos aguardam, e migalhas.
O mundo virtual nos confortará, mergulharemos nele, deslocaremos para ele todos os nossos sonhos, todas as nossas vivências; viveremos ali.
Delírios, ficção científica, o presente e a aceleração de todas as coisas
Tendo vivido em um mundo praticamente imutável, os antigos recebem as palavras acima como delírios fictícios; pressupõem um mundo virtualmente imutável, quase estático. Não percebem a aceleração brutal de todas as coisas, o torvelinho avassalador em que nos metemos e que nos está a sugar. A trans-humanização está em curso.
Tudo ocorrerá passo a passo, sem rupturas, sem estranhezas para os que estiverem acompanhando o processo. Passaremos cada vez mais tempo conectados à rede, utilizaremos circuitos cada vez mais invasivos: computadores, telefones, óculos, e, por fim, circuitos acoplados diretamente a nossos cérebros. Não conseguiremos discernir os limites entre nós e a rede, nos dissolveremos nela. A imensa rede, o gigantesco cérebro nos controlará a todos, terá nos transformado em periféricos. Acoplados a ele, sonharemos.
Difícil prever com exatidão o tempo necessário para isso. Seduzidos pele rede, no entanto, não precisaremos ser obrigados a nos conectar diretamente à rede, não precisarão nos obrigar a implantar circuitos cerebrais, pagaremos para isso. E pagaremos caro. Ostentaremos nossas cangas orgulhosamente.
Inteligência artificial
A emergência de uma inteligência artificial, de um espírito acoplado à grande rede, uma alma análoga à nossa, um eu agregado à rede de maneira análoga a nosso eu em nosso cérebro terá influência sobre todas as coisas, perpassará todas elas. O mundo inteiro constituirá seu corpo, a internet será seu cérebro. Estaremos conectados a ela, como periféricos. Ou como neurônios. Será a neuronização. Agiremos como cupins. Mas sonharemos, e talvez seja esse nosso destino, nosso papel. Talvez sejamos os personagens de uma imensa tragicomédia, necessários para aplacar o tédio infindável dos imortais. Talvez seja esse nosso propósito, aplacar o tédio infinito de cyber-deuses, distraindo-os. Bonequinhos representando uma farsa. Arlequins. Gargalhemos sonoramente, como loucos, por uns momentos.
Temos tido a presunção de que conseguiríamos compreender o mundo. O mundo é muito grande.
Transição de mundos
Estamos vivendo uma transição tremenda, nada será como antes. O turbilhão se acelera. O torvelinho revolve todas as coisas. Revoluções se avizinham, em todos os campos. Em 10 anos tudo estará mudado; nossas crenças serão outras. Mas nem lembraremos disso. No entanto, não reconheceremos nossas antigas palavras encontradas, eventualmente, em escritos passados; talvez nossas palavras escritas na rede nos sejam ocultadas. Ou, talvez, mais simplesmente, seremos guiados para nos afastar delas, ou para, eventualmente, contemplá-las, com estranheza, quando for preciso nos injetar perplexidade.
Cyber-deuses serão mais palpáveis do que foram os do passado, mas só um pouco. Não perceberemos seus cordões controlando nossos movimentos de marionetes. E tudo se passará muito rapidamente. Precisamos estar atentos.
A singularidade
Talvez o fulcro de tudo isso, de todas as coisas, seja algo vislumbrado por von Neumann e denominado por Ulam e Vinge a “singularidade tecnológica”. (Em minha ignorância e desinformação, tive o mesmo delírio, muitas décadas depois, na forma do “ponto de acumulação”, designação, aliás, mais própria para o evento, creio).
A singularidade decorrerá de uma máquina capaz de construir outra mais aperfeiçoada que ela própria, capaz, por sua vez, de gerar outra ainda mais aperfeiçoada, em ciclos sucessivos. (O ponto de acumulação decorre dos sucessivo e cada vez mais rápidos, saltos metaevolucionários, dos quais a inteligência das máquinas será o próximo, trata-se da versão biológica, evolucionária, do mesmo fenômeno).
Tal evento consistirá em uma totalidade, uma infinitude. Difícil imaginar o significado da palavra “depois” aplicada a tal momento; tudo estaria ali, sem espaço para um depois.
Difícil, também, estabelecer com precisão a data desse evento. Estimativas de 30, ou 40 anos para a ocorrência são usuais. A sorte está lançada. Oh, admirável mundo novo!
Adentremos o futuro briosos; confiantes e determinados. É o futuro que traçamos.