DA TENTATIVA DE FUGA DA MISÉRIA À PRÁTICA DE TRABALHOS MISERÁVEIS...

A existência humana é regida, desde sempre, pela acção, trabalho ou se quisermos labor. Desde os primórdios da humanidade a espécie humana arranjou maneiras de produzir bens de uso e estes bens impeliam-no ao trabalho, daí que a condictio humanae está intimamente ligada ao trabalho como meio de sobrevivência, ou se quisermos como meio de manter a natureza humana que é ser "homo faber" (homem produtor ou transformador) como diz Arendt.

O que leva à produção deste essay (ensaio) não é mais do que a reflexão sobre o trabalho nos nossos dias.

Este ensaio emana aquando do olhar de certas actividades que alguns homens, embora a natureza os ter liberto de ser menores, como Kant diria, ainda continuarem nessa lastimável condição, não só os que realizam esses trabalhos, mas também os que requisitam, estão nessa condição.

Hoje, é por todos nós sabido que a condição de vida não está fácil, em nenhum lugar e pior quando se trata de países que figuram nos quadros de o que se denomina terceiro mundo.

Essa condição de miséria a nível exacerbado, aliada a falta de uma educação de produção de bens necessários à sobrevivência ou de uma educação capaz de desprover o homem dessa condição de desemprego é que leva àquilo que figura nesse ensaio como "trabalhos miseráveis".

Trabalhos miseráveis figuram aqui como aqueles que surgem não pela vontade de trabalhar ou produzir no âmbito da areté (virtude) ou conditio humanae (condição humana), mas pela ansiedade de se ver desprovido, o homem que as pratica, de condições como a fome, pobreza extrema ou não cair na ladroagem de baixo nível, isto é, o furto.

O trabalho como tal, como era concebido outrora se esqueceu hoje, pois é evidente que, a sociedade mudou ou evoluiu se assim quizermos dizer, "a humanidade é infeliz por ter feito do trabalho um sacrifício e do amor um pecado" diz Henrique J. de Sousa, e assim, houve necessidade de os trabalhos acompanharem a evolução humana ou passagem de um estado para o outro, e estes trabalhos como ligados intimamente ao homem não foram opostos a essa evolução ou passagem.

O que no contexto moçambicano se pode olhar como trabalhos miseráveis, são actividades como a de auxiliar de cobrador de autocarro (vulgo Chapa), o "modjeiro" como é habitualmente chamado. O "modjeiro" é o jovem que ao invés de deixar o cobrador desempenhar a sua acção por completo, que é chamar os utentes do autocarro se necessário, intervém e chama os utentes dos autocarros de modo a subirem no mesmo e em contrapartida pede de cinco à dez meticais em cada autocarro que ele intervir. Até podiam dizer que este trabalho é bom, mas olhemos para o carácter digno e para aquilo que decerto é um trabalho.

Será que se pode conceber essa actividade como trabalho na dimensão de exaltar a natureza humana de ser transformadora ou dependente do trabalho?

Como Kant diria, é tão cómodo ser menor, não tem porquê o cobrador chamar por si os utentes do autocarro se tem quem pode fazer por ele, mas mais agravante e medíocre é fazer este trabalho enquanto, no contexto do "chapa" já estão explícitas as escritas quanto ao destino.

Este trabalho, como outros que se poderia citar como trabalhos miseráveis, são no fundo trabalhos que surgem sem necessidade assim por dizer ou mesmo pela falta de sectores de trabalho ou ainda pela falta de formação do braço potente para a evolução social.

O fomento da educação, a formação de homens capazes de distinguir o digno do banal na sociedade e ainda, a intervenção governamental pode ser indispensável para suprir esse problema através de uma educação teórica e prática, o que nos falta em Moçambique!, e dispor as massas das condições dignas de educação, saúde e alimentação pode ser também um dos meios.

O que apoquenta esses trabalhadores do banal é a condição social que se nos deparamos com ela da falta de escola (educação escolar ou profissionalizante) que recai na falta de empregos, a preguiça e a cobardia que é um factor social, reduz-se a falta de coragem de olhar para aquele trabalho como o não digno na sociedade de condutas politicamente correctas.

Em toda parte do mundo, espelhando-se na evolução tecnológica, o homem tem feito derivar vários trabalhos, até podem não ser miseráveis para o corpo, mas põem na miséria a alma, pois por si sente o homem que os faz que não são dignos para a sua alma e nem merecem a categoria de trabalho.

Nesse contexto vir-se-ia colocar o trabalho como o de "médico de sapos" e os de "despertador humano", isto é, um homem que tem como seu trabalho despertar os outros homens. O que há de trabalho e virtude humana nisso?

Como ideias finais, sustenta-se como de infalível compreensão e aceitação a criação, escolha e execução de trabalhos por virtude ou por amor à eles e ter capacidade de distinguir o trabalho do simples labor que pode empobrecer a alma e perverter o que de facto seria um trabalho. Não podemos executar um trabalho por só ser remunerável, há que envolvermos as questões de escolha que levam-nos a entrar em engajamento com as questões de ética e moral no trabalho.