Etnofitoterapia Quilombola como resistência de um Brasil Profundo
Eu cunhei o termo Etnofitoterapia Quilombola para designar o conjunto de práticas de cuidado quilombolas que utilizam plantas com a finalidade de auxiliar as pessoas na recuperação de sua saúde integral. Utilizo o conceito de “Saúde Integral”, pois concebo a saúde humana como sendo mais ampla do que a simples ausência de doenças, pois para mim abrange todos os aspectos do ser humano, tais como o físico, o mental, o emocional, o social, incluindo as dimensões mais sutis, como a energética e a espiritual.
Como Coordenadora do Projeto Protagonismo Quilombola na Luta por Saúde e Direitos Sociais, eu tive a oportunidade de dialogar com atores sociais quilombolas reconhecidos em suas comunidades como rezadeiras, benzedeiras, curandeiros, parteiras e sacerdotes de religiões de matriz africana.
Um dos objetivos deste Projeto foi identificar práticas tradicionais de Cuidado, Promoção da Saúde e Manifestações Culturais. Durante as visitas a comunidades quilombolas de quatro estados do Brasil: Pará; Bahia; Maranhão e Minas Gerais, conversei acompanhada de uma liderança quilombola, com vários desses cuidadores e cuidadoras. Com exceção das parteiras, todos os outros necessariamente utilizam plantas em seus atendimentos de diversas maneiras.
As plantas são utilizadas para banhos, rezas e benzimentos, chás, entre outros, no intuito de recuperar a saúde e o bem-estar daquele que sofre e busca auxílio desse ator social que eu chamo de “Cuidador Tradicional Quilombola”.
Essas práticas fazem parte de uma cosmologia muito particular, que por vezes varia por comunidade, estado e região do país. Essa cosmologia é vivenciada com a manutenção de uma harmonia com a natureza, incluindo suas figuras místicas e míticas que povoam o imaginário social rural geral no país e neste caso, especificamente quilombola. Esse conjunto de crenças e modos de lidar com a saúde humana e ambiental, incluem de maneira indissociável a dimensão espiritual na interpretação dos fenômenos cotidianos como o processo saúde-doença e consequentemente expressam-se nas práticas que buscam o reestabelecimento do equilíbrio daqueles que sofrem.
Conhecendo essas comunidades quilombolas, ouvindo os discursos de cuidadores tradicionais e presenciando algumas de suas práticas, eu pude mergulhar em um Brasil mais profundo, onde modernas tendências e modismos urbanos convivem com a manutenção de um modo de vida onde o tempo é diferenciado e a visão da ancestralidade é mais ampliada do que podemos imaginar inicialmente.
Com profundo respeito e gratidão pela existência e generosidade desses cuidadores tradicionais quilombolas, sigo honrando e reverenciando a minha própria ancestralidade, encantada com essa gente e desejosa de contribuir com o meu trabalho para que essas práticas de resistência cultural sejam valorizadas e possam cada vez mais dialogar com outros paradigmas de cuidado, tradicionais e modernos, de forma que todos e todas possamos ter uma vida mais plena e feliz.