Li o Ramo de Ouro de Sir James Fraser quando tinha 30 anos de idade. Naquela ocasião o que me ficara dessa obra fora uma inspiradora imaginação sobre  a origem dos mitos e dos ritos folclóricos que humanidade desenvolveu ao longo da história da sua espiritualidade. Nesse livro o autor nos mostra a evolução do pensamento religioso através de várias manifestações culturais, que por serem compartilhadas ao longo do tempo e do espaço por povos de etnias tão diferentes, nos permite deduzir que o chamado espirito religioso é, de fato, é um daqueles arquétipos que Jung definiu como pertencente ao Inconsciente Coletivo da Humanidade.  
Ler agora o Ramo de Ouro, mais de trinta anos depois, e com a bagagem de muitas outras informações sobre esse assunto, é uma aventura intelectual mais que fascinante.
Mais de cem anos depois de sua primeira publicação essa obra continua extremamente atual. Nesse estudo, que foi fundamental para o estabelecimento da antropologia e da psicologia modernas, Fraser faz um extenso estudo comparativo do folclore de vários povos primitivos e civilizações antigas, defendendo a tese de que o cérebro humano trabalhou primeiro com o pensamento mágico depois evoluiu para o religioso, e em seguida racionalizou essas duas manifestações, alcançando o que chamamos de pensamento científico.

Embora suas teses tenham sido refutadas por outros antropólogos (e quem nunca o foi?) o trabalho de Fraser ainda é muito respeitado, principalmente na distinção que ele faz entre a magia e a religião. Na magia, segundo o autor, o operador tenta controlar, através de "ritos (ou atitudes mágicas)" o mundo e os acontecimentos, enquanto que na religião, ele requisita o auxílio de espíritos e divindades. Esse é um processo de evolução que mostra as diversas fases do pensamento humano que começou com uma fase anímica, quando o homem procurava “imitar” as forças da natureza e o comportamento dos animais para obter os mesmos resultados que estes apresentavam em suas ações. Mais tarde, vendo que nem sempre os resultados pretendidos podiam ser obtidos através dessas estratégias, os seres humanos evoluíram para a idéia de que havia “um pensamento, uma vontade” regendo a produção dos fenômenos naturais. Então nasceram os deuses e por consequência, a religião. Mais tarde, com a racionalização do pensamento, racionalização essa trazida pela descoberta da lógica, o desenvolvimento desses processos começaram a ser compreendidos, e assim nasceu a ciência. Tudo passou então a ser visto como um curso natural de evolução histórica, do qual a própria sociedade e suas estruturas não escapavam.
Fraser mostra que os mitos da criação, em todas as lendas antigas que versam sobre esse tema tem uma mesma estrutura arquetípica. O exemplo mais comum é a noção do deus morto, que é re-generado para a salvação do grupo. Essa é uma estrutura psíquica que liga o ser humano ás suas raízes mais profundas, que estão na própria terra. Algo que tem a ver com a metáfora bíblica segundo a qual o homem foi feito de barro, que da terra foi tirado e á terra retornará. É um mito que tem muito a ver com o simbolismo da natureza em seus ciclos regenerativos. Por isso, entre muitos povos antigos, o “deus” o “herói” sacrificado era sempre reverenciado como um emissário que o povo mandava para aos deuses para que eles premiassem suas terras com fartas colheitas.  Por via de consequência esse mito evoluiu para outras estruturas da vida social, influindo também nos sistemas políticos das sociedades antigas, no sentido de que somente pela morte do rei anterior um novo rei podia assumir o seu lugar. Dessa forma, o novo rei era sempre um continuador do anterior, não só pela assunção do poder real, mas também do próprio espirito tribal que o rei anterior encarnava. Nasceu, dessa forma, a noção de linhagem e sangue como atributo do direito divino dos reis.
 
Daí o ciclo morte-regeneração-ressurreição assumir essa compostura arquetípica no Inconsciente Coletivo da humanidade e a tradição que o levou a ser reproduzido em todos os chamados “Mistérios” celebrados pelos povos antigos.
Dessa forma, as cerimônias místicas que se realizavam no santuário grego de Elêusis, nos templos egípcios de Isis, nos festivais do deus Dionísio na Samotrácia,  nos templos hindus, com os Mistérios de Indra, nas florestas druidas com seus rituais, e em todos os lugares e povos que celebravam a sua forma de “Mistérios” tinham sempre em comum o objetivo de garantir, para os iniciados, a perenidade de suas vidas espirituais  e, ao mesmo tempo a prosperidade de suas sociedades. O “Ramo de Ouro”, no caso, era esse símbolo da faculdade regenerativa da natureza, que por emulação podia ser aplicado ao individuo e à própria comunidade, através da realização desses festivais iniciáticos.
Segundo a lenda que serviu de tema para a inspiração de Fraser, o Ramo de Ouro, símbolo da imortalidade, brotava de uma árvore situada em um bosque sagrado dedicado à deusa Diana, a Virgem, guardiã das florestas. Mas essa árvore era guardada, dia e noite, por um sacerdote guerreiro, que dedicava toda a sua vida a preservar esse símbolo sagrado. Este sacerdote era uma pessoa sem descanso, pois sabia que se relaxasse, alguém o mataria e tomaria o seu lugar.

Daí Fraser extrai a sua inspiração de que esse mito simboliza uma visão religiosa que se funda no paralelismo simbólico existente, por um lado, entre a morte e a ressurreição dos deuses e, por outro, com os ciclos e ritmos regenerativos da natureza, aplicáveis à própria vida do individuo e às suas sociedades. E a ideia que está no centro deste rito é a de que é necessária a execução de um sacrifício contínuo da vida como forma de proporcionar a ela uma característica de perenidade. Essa é a opção que está assente no mito do deus morto (ou do herói) que se sacrifica pela salvação do seu povo.
 
As primeiras manifestações desse mito aparecem na Suméria, na forma de uma estátua de ouro, mostrando um bode em posição ereta, em atitude contemplativa frente a um ramo de ouro que aflora de um arbusto. Essa estátua foi encontrada nas ruínas de Ur, a lendária cidade de Abraão, e os sumérios, como se sabe, estão entre os primeiros povos do mundo a desenvolver uma consciência religiosa e uma rica superstição ligada à ela, que até hoje ainda ecoa no pensamento humano.

O bode sempre teve um papel relevante em todas as tradições religiosas antigas. Nele se integram duas importantes sensibilidades desenvolvidas pela experiência religiosa humana. A primeira é o fato de ele ser considerado um animal catalizador por excelência, que absorve os males do mundo. Por isso, em várias civilizações que desenvolveram esse mito, um bode, simbolizando a purificação da sociedade, era sacrificado. Tanto no Velho testamento quanto em inscrições murais no Egito e na Mesopotâmia esse costume é referido, o que nos leva a crer que esse era também um arquétipo de inspiração coletiva entre os antigos povos. A postura do bode perante o arbusto, de onde aflora o ramo de ouro é reveladora, pois sugere que ele está a reverenciar a perenidade da vida que será conquistada pelo seu sacrifício. Quando se conecta esse simbolismo com a atitude de adoração desenvolvida pelos cristãos em relação ao seu “deus morto”, Jesus Cristo, não se pode deixar de pensar que talvez Jung tivesse razão em suas teses sobre a existência de um Inconsciente Coletivo da humanidade, de onde provém certas noções que extrapolam todas as fronteiras raciais e sobrevivem no tempo e no espaço.

É certo que todos os povos antigos tinham representações da Árvore da Vida, e que esse símbolo é uma das imagens arquetípicas mais significativas do imaginário humano. A Árvore da Vida sempre aparece como um ícone da natureza, representativo dos seus eternos ciclos de reprodução, os quais precisam ser reverenciados através de manifestações de apreço por parte das comunidades. Por isso todos os povos antigos realizavam seus Mistérios, onde o sacrifício ritual, de uma ou mais vidas, era exigido. Nos rituais dos povos pré-colombianos (maias e astecas principalmente) o sacrifício ritual era realizado anualmente. Os inimigos capturados nas guerras eram sacrificados no alto de uma pirâmide, sendo o seu sangue canalizado para as plantações de milho e outros cereais cultivados por aqueles povos. Esses costumes bárbaros só foram abolidos com a chegada dos europeus colonizadores. .
Mais do que a mera ignorância de uma civilização em sua infância mental, ou a simples e notória crueldade de um povo que ainda que não tinha desenvolvido a noção ética de um direito humano, essa era uma atitude ritual que tinha um ligação bem profunda com os próprios mistérios da natureza. O próprio povo de Israel, cuja noção de um Deus único revolucionou a história das religiões, praticava, no início, o sacrifício ritual. Resquícios dessa crença ainda são encontrados no Velho Testamento na passagem em que Abraão é conclamado por Jeová a sacrificar-lhe em holocausto o próprio filho. Também na passagem em que o Jefté teve que sacrificar a própria filha em pagamento a uma promessa feita a Jeová. E nas próprias matanças de palestinos, conduzidas por Josué, que podem ser considerados como verdadeiros sacrifícios rituais praticados pelos israelenses em honra á Jeová. E também no simbolismo do sacrifício do bode, que aparece nos textos do Velho Testamento como uma reminiscência desse costume arquetípico que, ao que parece, era comum a todos os povos antigos. E remanesce ainda, de forma bastante explícita entre os radicais muçulmanos e por que não dizer, disfarçadamente entre os chamados povos modernos, na pessoa de tantos “sacrificados” por causas estranhas, cuja razão só os políticos sabem.
No simbolismo do Ramo de Ouro temos a figura do bode expiatório e a Árvore da Vida, dois arquétipos profundamente ligados á experiência espiritual da humanidade, nos mostrando uma clara imagem dessa que é a coluna mestra de todas as crenças religiosas: a esperança de regeneração, ou seja, uma religação da alma humana com o mundo divino, feita através do “deus sacrificado, do herói”, ou como em outras variantes do mesmo tema, através de um contínuo sacrifício de vidas, sempre com o propósito de alimentar a Arvore da Vida, para que ela produza o Ramo de Ouro.
Ler essa obra hoje ainda é uma aventura intelectual profundamente enriquecedora. Não importa a pecha que muitos intelectuais lhe lançaram, de que se trata de uma imaginosa viagem pelo mundo do fantástico, atrelada á carruagem puxada pelos cavalos de Marx e Darwin. Talvez seja. Afinal de contas essa é uma obra que foi composta no século XIX e que intelectual desse século, mesmo não ousando excluir a interferência direta de Deus na história do pensamento humano, não terá sido influenciado por esses dois pensadores?
Cabe, por fim, lembrar que a Maçonaria também tem o seu mito do heói sacrificado, na lenda de Hiran Abbif.
Vale a pena reler James Fraser hoje. Seja pelo conhecimento que a obra ainda nos transmite, ou pela beleza da literatura que ela contém. O adubo que ela dá à nossa imaginação compensa em muito esse trabalho.