3 tipos de artificialidades que nos têm enganado
Estava assistindo a um vídeo curtinho, ou montagem, provavelmente o correto é chamar “animação”. No facebook, dizem ser uma molécula de endorfina caminhando pelo cérebro. Seria a causa da sensação de felicidade. As pessoas gostam de acreditar nesse tipo de coisa, o que me surpreende. 3 grupos de fatos, aparentemente diversos, me provocam a mesma suspeita, mostrarei.
Quando Galileu apontou seu telescópio para o céu, descreveu inúmeros fatos nunca vistos antes. Mas, quando chamou uns sábios da época para atestar o que ele via, não conseguiu nenhum endosso. Suspeito ter havido duas razões para tal. Antes de tudo, tendia a não ser muito salutar acatar ideias do tipo das que desagradavam aos eclesiásticos; tais criaturas obscurantistas tinham enorme poder, e eram cruéis.
Mas devia haver outra razão. O instrumento ótico recém construído, muito provavelmente, introduzia inúmeras distorções da imagem. Luminosidades, brilhos e coloridos artificiais deviam aparecer nas imagens, sugerindo certa irrealidade. Devia haver certa dificuldade em filtrar as imagens do mundo real. Assim, embora o ceticismo exagerado deva ter sido ditado pelo poder, havia, provavelmente, razões para duvidar das imagens.
Um tipo similar e atual de distorção que me incomoda é dado pelas fotografias de galáxias distantes e outros fenômenos astronômicos. Desde já mais de uma década, tais fotografias vêm ganhando uma solidez que me incomoda. A mim parece surpreendente que nesses tempos de photoshop tais fotografias sejam recebidas com tão grande credulidade. Quanto dessas fotos constitui informação real? Quanto delas foi agregado artificialmente por uma diversidade enorme de meios? Atualmente, os que manipulam as imagens ainda sabem a resposta. Corremos o risco de acreditar demasiado nessas imagens. Astrônomos do futuro, tendo se acostumado desde crianças a ver imagens de galáxias sempre ricamente tratadas com as mais recentes técnicas de tratamento de imagens, desconsiderarão as pobres imagens cruas eventualmente conseguidas por eles. Softwares de tratamento de imagem introduzidos diretamente no próprio hardware utilizado para fotografar sugerirão fortemente estar a mostrar a realidade.
Temos visto vídeos revelando as alterações efetuadas na imagem através de fotoshop, “corrigindo” todas as imperfeições da imagem. Gostaria de ver como são feitas as “correções” de imagens astronômicas, especialmente a que tira o efeito de imagem desfocada, dando às nebulosas um aspecto de solidez. A fumaça de um fósforo tem uma aparência nebulosa e difusa, sempre imaginei galáxias similares a isso. Gostaria de ver a imagem da fumaça de um fósforo sob o mesmo efeito usado nas galáxias, posso apostar que ganhará uma solidez bem irreal.
Outro tipo de descrição que sempre me incomodou é dado pelas reconstituições de seres do passado propostas por paleontólogos. A mim parece óbvio que as reconstituições apresentadas por eles são francamente fantasiosas. Nesse caso, no entanto, uma solução simples e honesta me deixaria satisfeito: bastaria apresentar os indícios deixados por uma dada espécie a 3 diferentes paleontólogos, que proporiam sua reconstrução independentemente, sem consultar um ao outro. As diferenças entre os retratos propostos nos dariam uma estimativa razoável do grau de arbitrariedade envolvido nas reconstruções. A precaução me parece natural e necessária, sendo, para mim, surpreendente que algo do tipo nunca tenha sido mostrado. (De fato, vi algo assim uma vez, na reconstrução da fauna ediacariana, a que gerou uma algazarra feita por Stephen Gould e mostrada em seu livro “Vida maravilhosa”.) As várias opções descartadas arbitrariamente pelo reconstrutor da aparência da espécie dariam uma boa estimativa da artificialidade da reconstrução, informação que me parece bastante útil e que agregaria confiança a ela. Parece haver um temor contrário, uma expectativa de que a incerteza na reconstrução geraria desconfiança nela.
A animação que ensejou esse texto, a pesada caminhada da endorfina pelo cérebro, causadora de nossa felicidade, suscita ainda outro aspecto de nossa credulidade, nossa confiança em certas informações “cientificadas”. Costumo correr e sei, por experiência, que correr causa alto-astral. Tenho forte confiança nessa constatação, reiterada inúmeras vezes. Sei, no entanto, que ela não comove as pessoas nem minimamente, não convence. De modo a se tornar convincente, a sentença deve ser reformulada adquirindo um aspecto como o seguinte: o ato de correr libera endorfina, o que nos causa a sensação de felicidade. Acho surpreendente e engraçado que a introdução de palavras mágicas de aspecto cientificoide promovam um alto grau de credibilidade aos enunciados, fato bem real.
Mas, retornemos à questão original. Eu gostaria de ver vídeos revelando as photoshopagens que geram todas essas imagens lindas. Gostaria de saber o quanto delas é real, e que parcela é introduzida artificialmente nas imagens, especialmente nos 3 casos referidos acima: fotos astronômicas, reconstruções de animais fossilizados, e estruturas nanométricas. Creio que nos sentiremos muito enganados quando descobrirmos a parcela de artificialidade acrescentada nessas representações.