Tzimtzum
Para entender o processo cabalístico de criação do universo, que se aplica, ao mesmo tempo ao mundo material e orgânico, ou seja, ao mundo físico e á vida que nele habita, é preciso regredir á noção anterior á sua existência, que a Cabala chama de Tzimtzum.
Tzimtzum ou Zimzum (צמצום em hebraico) literalmente quer dizer "contração" ou "constrição". Esse termo refere-se à noção que a Cabala tem sobre o processo da criação universal, tanto a do universo físico propriamente dito, quando á do universo espiritual, que ocorre concomitante a ele. De acordo com essa ideia Deus "contraiu" sua infinitude com a intenção de permitir um "espaço conceitual" dentro do qual um mundo finito e aparentemente independente pudesse existir. Esta contração, conhecida como Tzimtzum, integra o conceito do Big-Bang, segundo o qual o universo primevo estava contido em uma “região”, ou átomo de extrema densidade energética, o qual, por estar assim tão densamente carregado, um dia explodiu. Dessa explosão nasceu o nosso mundo e, dentro dele, nós mesmos.
Isso quer dizer: Deus sempre existiu e ele é infinito. Mas sua existência não era algo que pudéssemos chamar de real em termos de conhecimento humano. Ele era o que os cabalistas chamam de “Existência Negativa”, ou seja a energia imanifesta, que existia por si mesma. Então ela se contraiu, ou em termos científicos, se concentrou em um espaço limitado, para poder se manifestar positivamente.
Assim, a função do Tzimtzum é a de permitir a existência independente do mundo finito (o universo real) em relação ao mundo infinito (Deus). Assim, Deus, a Existência Negativa, a energia latente, inconsumível, infindável, incorruptivel, imutável, tornou-se Existência Positiva, dando a si mesmo o que se poderia chamar de um “corpo”, um organismo mutável, distinto de sua Essência primordial, sujeito á um nascimento, uma vida e uma morte, como a que se prevê para toda existência que medra no cosmo e para o próprio cosmo como unidade existencial (chalal panui חלל פנוי, chalal חלל)
Assim, o Tzimtzum corresponde ao "tempo-espaço" no qual o mundo existe como uma realidade criada por Deus. Nesse tempo-espaço Deus é usualmente referido como o "Ha-Makom" (המקום em hebraico) ou seja, "o lugar", "o onipresente", o que está em toda parte e por todo o tempo. Mas Ele não é esse espaço-tempo, ou seja, Deus está no universo, mas o universo não é Deus. Repete-se aqui a fórmula da Bagavhad Guita segundo a qual “ Deus está em nós, mas nós não estamos nele. Diferente, portanto, do conceito panteísta perante o qual o próprio universo é Deus e nós, por fazermos parte dele, também somos “parte de Deus.”[1]: Ou como ensina o sábio cabalista: Ele é o lugar do universo, embora o universo não seja seu lugar”[2]
Para a Cabala Deus está presente em todas as formas da sua criação, embora não se confunda com ela. Ele é, na verdade, a sua razão de existir, o motivo pelo qual todas as coisas existem.
Essa ideia é análoga ao conceito maçônico de que Deus é o Supremo Arquiteto do universo, ou seja, aquele que “pensa” e “dirige” o seu processo de construção. Ele é o centro de onde tudo emana, ou como diz o profeta Isaias, "A Glória de Deus preenche todo o mundo criado"[3] Ou seja, Deus projeta o mundo, mas Ele não é o mundo, assim como o arquiteto projeta o edifício, mas ele não é o edifício.
Outra imagem que a Cabala nos dá do Tzimtzum é aquela que explica a criação sendo feita em duas etapas: uma primeira, na qual Deus “diminui” e outra na qual Ele se concentra. Em hebraico, tzimtzum significa tanto “diminuir” quanto “se concentrar”. Assim, Deus começou o processo criativo diminuindo de tamanho para concentrar sua luz infinita, até o zero absoluto, que é igual ao total desaparecimento como valor positivo. Essa total redução de Si próprio era necessária para que o universo, em sua forma positiva, pudesse existir.
Como diz a Biblia ao historiar o início da criação, no princípio Deus criou o céu e a terra. Mas a terra era vazia e sem forma e havia escuridão sob a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava sobre as águas. Então Deus disse: haja luz e houve luz.[4] Nessa fase, em que a Bíblia descreve o Criador em sua atividade preparatória para o inicio da Criação, os cabalistas ainda veem Deus em processo de Tzimtzum. Quer dizer, Ele ainda não se manifestou de forma positiva. É a partir desse ponto que Ele projeta para dentro do vazio inicial (a escuridão sobre a face do abismo) o seu raio de luz infinita ( chamado kav pelos cabalistas) e em torno dele o universo começou a existir. Esse raio de luz infinita (kav) é como se fosse a alma do universo, pois constituí uma energia que percorre o nada cósmico, gerando as realidades tais quais as conhecemos. Mas como a nossa própria alma, essa energia também é oculta, não se revela aos nossos olhos, mas nós sabemos que ela existe porque sua presença pode ser detectada em seus efeitos, tais como a eletricidade e a radiação, por exemplo. [5]
É esse raio de luz infinita que, projetando-se sobre o vazio cósmico formata os quatro mundos originais, conhecidos pelos nomes hebraicos de Atzilut, Beriá, Yetzrá e Asyah ( Atziloth, Briah, Yetzirá e Assiáh em português).
Esse raio (kav) se espalha pelos quatro mundos de emanação divina na forma de uma árvore ( a Árvore da Vida) desenvolvendo, em cada um dos seus galhos (séfiras ou séforas) uma etapa da criação universal
Em Atziloth, o Mundo das Emanações, só existe atividade divina. Em Briah, o mundo da criação, a energia criadora se converte em Luz.
Em Assiah, o mundo da matéria, a interação entre os quatro elementos fazem surgir as diversas formas de matéria física, a qual evolui até desembocar na vida orgânica.
O mundo de Atziloth
Nessa fase da criação Deus age diretamente, gerando a energia que resultará no mundo manifesto. Nessa etapa, chamado mundo da origem, esse é o momento em que a luz é tirada das trevas. É quando o Criador “pensa” o universo material e o concebe como um plano de criação, uma manifestação da sua potência criadora. Por isso, na tradição cabalística esse momento é centrado na séfira Kether, a Coroa da Criação, a Potência que se manifesta em sua forma positiva. Nesse momento Deus é chamado de EHIEH em hebraico, que significa Eu Sou, ou Eu Serei e sua correspondencia simbólica, na Cabala, é chamado de Vasto Semblante, ou Macroprosopo. [6]
Esse termo designa o Verbo Criador, o Número Um, o Ponto Visível manifestado a partir do invisível. [7] Em termos maçônicos esse seria o momento em que o Grande Arquiteto do Universo concebe os planos de construção do edifício cósmico e manifesta sua vontade de construí-lo. Por isso ele é constituído por uma trindade de séfiras, Kether(a coroa), Hockmah(a sabedoria) e Binah(a compreensão), que equivale, em termos de inspiração especulativa, á ideia presente em todas as crenças que admitem a existência de uma trindade de forças arquetípicas a dar origem e sustentação ao mundo. [8]
O mundo em fase de Atziloth já é tão denso que Deus não age mais diretamente sobre ele, pois sua Vontade agora já é cumprida por poderosos Arcanjos, que em termos científicos, são as leis naturais: relatividade, gravidade, termo-dinâmica, etc.. Esta é a fase de formação do universo em que aparecem os seus elementos físicos de base, que os cientistas chamam de fotons, eletróns, neutrinos, quarks e antiquarks, hádrons e léptons, que são partículas de energia extremamente leves, todos com suas correspondentes antipartículas, que, interagindo entre si, formam os constituintes da matéria universal, conhecidos como prótons, neutrôns, mésons e bárions.[9]
Na Cabala essas partículas podem ser associadas ás três primeiras Ordens angélicas criadas por Deus (Chaioth, Auphanin e Aralin).[10]
Na moderna teoria científica, o mundo de Atziloth corresponde á fase descrita por Hawking, correspondentes aos trinta primeiros segundos de formação do mundo, após o Big Bang, [11]
O mundo de Briah
Beriah, ou Briah, o Mundo das Criações, corresponde, na Árvore da Vida, ás sefiras Chesed, Geburah e Tiphareth. Nesta fase de formação do mundo, as leis naturais (arcanjos) já estão em plena atividade, dando origem ao chamado Mar Primordial, no qual as primeiras formas geométricas aparecem.
Na linguagem cabalística, esse é o momento em que o Grande Semblante, ou o Macroprosopo cria o seu Semblante Menor, que é o plano cósmico correspondente ao desenho do universo. Essa fase é administrada por três Ordens de Arcanjos, conhecidas pelos nomes de Chashmalins, Serafins e Malakins, que na linguagem científica poderiam ser chamados de prótons e neutrons, partículas mais pesadas, que se unem formando núcleos de hidrogênio, hélio, deutério e lítio, formando, também, os primeiros átomos estáveis.[12] Na visão maçônica do mundo esse é o momento em que o Grande Arquiteto do Universo faz surgir a noção da Geometria, o mundo das formas, onde os planos de construção do universo se tornam delineados e a atuação dos Mestres construtores (arcanjos) tem inicio. Na linguagem bíblica essa fase corresponde ao 2º dia da Criação, quando Deus diz “haja um firmamento no meio das águas(Mar Primordial) e haja separação entre águas e águas.”[13] Na visão de Hawking essa fase corresponde aos primeiros quatro minutos de vida do universo, após a grande explosão do Big Bang.[14]
O mundo de Yetzirah
Em Yetzirah, o Mundo da Formação, assim como em Briah, Deus não age diretamente nele, mas sim através de diversos coros angélicos ( as leis naturais) que realizam sua vontade. Esses coros angélicos são chamados de Elhoim, Beni Elhoim e Querubim, cujas esferas de atuação, na Árvore da Vida, correspondem ás sefiras Netzach, Hod e Yesod, também chamdo de microproso ou Semblante Menor. Na linguagem bíblica, essa fase corresponde ao terceiro dia da Criação, quando são criados a terra e os mares. É momento em que surgem os quatro elementos formadores da matéria universal, que são a água, a terra, o fogo e o ar. Na moderna física essa fase pode ser associada aos momentos em que se processa a separação da matéria e energia, e a densidade do universo se torna difusa e transparente, aparecendo, como diz a Bíblia, o sol, a lua, e todos os astros do céu. Embora a descrição bíblica dê a antender que o sol e a lua teriam sido feitos depois da terra, essa descrição não deve ser entendida literalmente. Na ótica cabalística, os corpos celestes só puderam ser distinguidos depois que a matéria universal ficou translúcida e se tornou observável aos olhos humanos. Por isso o cronista bíblico supôs que eles teriam sido criados depois da terra e com o objetivo específico de marcar o tempo sobre a terra. Esas visão parece ter sido inspirada pelas crenças astrológicas dos sumérios, nos quais os cronistas bíblicos certamente se inspiraram.[15]
Na visão de Hawking essa fase corresponde aos primeiros um bilhão e trezentos mil anos de vida do universo, quando as estrelas começaram a sintetizar núcleos mais pesados, dando nascimento ao universo físico tal qual o vemos hoje, e preparando-o para a síntese do produto mais valioso da Criação, que é a vida.
O mundo de Assiah
Asiyah, ou Assiah, é o Mundo das Ações. Nesse mundo, só há uma sephirah, conhecida pelo nome de Malkuth, o reino. Esta é a fase final de construção do universo, correspondente, na linguagem bíblica, ao quinto e sexto dias de criação, quando Deus diz á terra “que produza alma viva segundo a sua espécie─ animal, réptil e aninal selvagem segundo a sua espécie”. E também ao momento em Ele cria o homem segundo a sua imagem e semelhança.[16] Na visão cabalista, essa fase é regida pela Ordem angélica dos Ishins, e na simbologia analógica da Cabala ela corresponde á “esposa do microprosopo”, ou seja, a Humanidade. Na cosmogonia taoísta, ela seria a chamada “Cem Famílias”.[17]
Na liguagem científica, essa etapa pode ser associada ao momento em que os átomos se juntam para formar as moléculas que irão dar nascimento ao fenômeno da vida.
Como se pode perceber, a visão cabalista encontra um claro paralelo na descrição da criação do universo feita por Stephen Hauking. Em seu trabalhio “O Universo em uma casca de nóz” ele escreve:” “Se a relatividade geral estivesse certa, o universo teria começado com temperatura e densidades infinitas na singulartidade do big-bang. Á medida que o universo se expandiu, a temperatura da radição diminuiu. Em cerca de um centésimo de segundo após o big-bang, a temperatura teria sido de 100 bilhões de graus, e o universo tertia contido, na maior parte, fótons, elétrons e neutrinos(partículas extremamente leves\) e suas antipartículas, além de alguns prótons e nêutrons. Nos três minutos seguintes, enquanto o universo resfriava para cerca de um bilhão de graus, prótons e nêutrons, não tendo mais energia suficiente para escapar da atração da força nuclear forte, teriam começado a se combinar para produzir os núcleos do hélio e outros elementos leves. Milhares de anos depois, quando a temperatura caiu para alguns milhares de graus, os elétrons diminuíram de velocidade até os núcleos leves poderem captura-los para formar os átomos. No entando, os elementos mais pesados dos quais somos constituídos, como carbono e oxigênio, só se formaram bilhões de anos mais tarde, pela queima de hélio no centro das estrelas”.
Assim, quando a Cabala se refere aos deuses, nomes divinos, Ordens angélicas e demoníiacas, na verdade o que se trata é das várias formas de energia que dão forma e via ao universo. São energias emanadas do Princípio Único que dá origem ao universo. Na tradição cabalística, estas energias, que também podem ser considerados atributos divinos, são as chamadas sefiras, ou sefiroths, cuja ação, na Árvore da Vida, constitui um processo que pode ser chamado de“Doutrina das Emanações”.
Como é sabido por todos os estudantes dessa tradição, as emanações divinas percorrem, como se fossem um raio, a Árvore Vida de cima para baixo, indo da parte mais sutil (kether, o Princípio) á mais densa e grosseira ( malkut, a terra) dando conformidade a própria estrutura do Cosmo, dividindo-a em quatro planos ou níveis hierarquizados, que o homem pode vivenciar em seu próprio organismo através de sua estrutura física e psiquica.
Para entender o processo cabalístico de criação do universo, que se aplica, ao mesmo tempo ao mundo material e orgânico, ou seja, ao mundo físico e á vida que nele habita, é preciso regredir á noção anterior á sua existência, que a Cabala chama de Tzimtzum.
Tzimtzum ou Zimzum (צמצום em hebraico) literalmente quer dizer "contração" ou "constrição". Esse termo refere-se à noção que a Cabala tem sobre o processo da criação universal, tanto a do universo físico propriamente dito, quando á do universo espiritual, que ocorre concomitante a ele. De acordo com essa ideia Deus "contraiu" sua infinitude com a intenção de permitir um "espaço conceitual" dentro do qual um mundo finito e aparentemente independente pudesse existir. Esta contração, conhecida como Tzimtzum, integra o conceito do Big-Bang, segundo o qual o universo primevo estava contido em uma “região”, ou átomo de extrema densidade energética, o qual, por estar assim tão densamente carregado, um dia explodiu. Dessa explosão nasceu o nosso mundo e, dentro dele, nós mesmos.
Isso quer dizer: Deus sempre existiu e ele é infinito. Mas sua existência não era algo que pudéssemos chamar de real em termos de conhecimento humano. Ele era o que os cabalistas chamam de “Existência Negativa”, ou seja a energia imanifesta, que existia por si mesma. Então ela se contraiu, ou em termos científicos, se concentrou em um espaço limitado, para poder se manifestar positivamente.
Assim, a função do Tzimtzum é a de permitir a existência independente do mundo finito (o universo real) em relação ao mundo infinito (Deus). Assim, Deus, a Existência Negativa, a energia latente, inconsumível, infindável, incorruptivel, imutável, tornou-se Existência Positiva, dando a si mesmo o que se poderia chamar de um “corpo”, um organismo mutável, distinto de sua Essência primordial, sujeito á um nascimento, uma vida e uma morte, como a que se prevê para toda existência que medra no cosmo e para o próprio cosmo como unidade existencial (chalal panui חלל פנוי, chalal חלל)
Assim, o Tzimtzum corresponde ao "tempo-espaço" no qual o mundo existe como uma realidade criada por Deus. Nesse tempo-espaço Deus é usualmente referido como o "Ha-Makom" (המקום em hebraico) ou seja, "o lugar", "o onipresente", o que está em toda parte e por todo o tempo. Mas Ele não é esse espaço-tempo, ou seja, Deus está no universo, mas o universo não é Deus. Repete-se aqui a fórmula da Bagavhad Guita segundo a qual “ Deus está em nós, mas nós não estamos nele. Diferente, portanto, do conceito panteísta perante o qual o próprio universo é Deus e nós, por fazermos parte dele, também somos “parte de Deus.”[1]: Ou como ensina o sábio cabalista: Ele é o lugar do universo, embora o universo não seja seu lugar”[2]
Para a Cabala Deus está presente em todas as formas da sua criação, embora não se confunda com ela. Ele é, na verdade, a sua razão de existir, o motivo pelo qual todas as coisas existem.
Essa ideia é análoga ao conceito maçônico de que Deus é o Supremo Arquiteto do universo, ou seja, aquele que “pensa” e “dirige” o seu processo de construção. Ele é o centro de onde tudo emana, ou como diz o profeta Isaias, "A Glória de Deus preenche todo o mundo criado"[3] Ou seja, Deus projeta o mundo, mas Ele não é o mundo, assim como o arquiteto projeta o edifício, mas ele não é o edifício.
Outra imagem que a Cabala nos dá do Tzimtzum é aquela que explica a criação sendo feita em duas etapas: uma primeira, na qual Deus “diminui” e outra na qual Ele se concentra. Em hebraico, tzimtzum significa tanto “diminuir” quanto “se concentrar”. Assim, Deus começou o processo criativo diminuindo de tamanho para concentrar sua luz infinita, até o zero absoluto, que é igual ao total desaparecimento como valor positivo. Essa total redução de Si próprio era necessária para que o universo, em sua forma positiva, pudesse existir.
Como diz a Biblia ao historiar o início da criação, no princípio Deus criou o céu e a terra. Mas a terra era vazia e sem forma e havia escuridão sob a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava sobre as águas. Então Deus disse: haja luz e houve luz.[4] Nessa fase, em que a Bíblia descreve o Criador em sua atividade preparatória para o inicio da Criação, os cabalistas ainda veem Deus em processo de Tzimtzum. Quer dizer, Ele ainda não se manifestou de forma positiva. É a partir desse ponto que Ele projeta para dentro do vazio inicial (a escuridão sobre a face do abismo) o seu raio de luz infinita ( chamado kav pelos cabalistas) e em torno dele o universo começou a existir. Esse raio de luz infinita (kav) é como se fosse a alma do universo, pois constituí uma energia que percorre o nada cósmico, gerando as realidades tais quais as conhecemos. Mas como a nossa própria alma, essa energia também é oculta, não se revela aos nossos olhos, mas nós sabemos que ela existe porque sua presença pode ser detectada em seus efeitos, tais como a eletricidade e a radiação, por exemplo. [5]
É esse raio de luz infinita que, projetando-se sobre o vazio cósmico formata os quatro mundos originais, conhecidos pelos nomes hebraicos de Atzilut, Beriá, Yetzrá e Asyah ( Atziloth, Briah, Yetzirá e Assiáh em português).
Esse raio (kav) se espalha pelos quatro mundos de emanação divina na forma de uma árvore ( a Árvore da Vida) desenvolvendo, em cada um dos seus galhos (séfiras ou séforas) uma etapa da criação universal
Em Atziloth, o Mundo das Emanações, só existe atividade divina. Em Briah, o mundo da criação, a energia criadora se converte em Luz.
Em Assiah, o mundo da matéria, a interação entre os quatro elementos fazem surgir as diversas formas de matéria física, a qual evolui até desembocar na vida orgânica.
O mundo de Atziloth
Nessa fase da criação Deus age diretamente, gerando a energia que resultará no mundo manifesto. Nessa etapa, chamado mundo da origem, esse é o momento em que a luz é tirada das trevas. É quando o Criador “pensa” o universo material e o concebe como um plano de criação, uma manifestação da sua potência criadora. Por isso, na tradição cabalística esse momento é centrado na séfira Kether, a Coroa da Criação, a Potência que se manifesta em sua forma positiva. Nesse momento Deus é chamado de EHIEH em hebraico, que significa Eu Sou, ou Eu Serei e sua correspondencia simbólica, na Cabala, é chamado de Vasto Semblante, ou Macroprosopo. [6]
Esse termo designa o Verbo Criador, o Número Um, o Ponto Visível manifestado a partir do invisível. [7] Em termos maçônicos esse seria o momento em que o Grande Arquiteto do Universo concebe os planos de construção do edifício cósmico e manifesta sua vontade de construí-lo. Por isso ele é constituído por uma trindade de séfiras, Kether(a coroa), Hockmah(a sabedoria) e Binah(a compreensão), que equivale, em termos de inspiração especulativa, á ideia presente em todas as crenças que admitem a existência de uma trindade de forças arquetípicas a dar origem e sustentação ao mundo. [8]
O mundo em fase de Atziloth já é tão denso que Deus não age mais diretamente sobre ele, pois sua Vontade agora já é cumprida por poderosos Arcanjos, que em termos científicos, são as leis naturais: relatividade, gravidade, termo-dinâmica, etc.. Esta é a fase de formação do universo em que aparecem os seus elementos físicos de base, que os cientistas chamam de fotons, eletróns, neutrinos, quarks e antiquarks, hádrons e léptons, que são partículas de energia extremamente leves, todos com suas correspondentes antipartículas, que, interagindo entre si, formam os constituintes da matéria universal, conhecidos como prótons, neutrôns, mésons e bárions.[9]
Na Cabala essas partículas podem ser associadas ás três primeiras Ordens angélicas criadas por Deus (Chaioth, Auphanin e Aralin).[10]
Na moderna teoria científica, o mundo de Atziloth corresponde á fase descrita por Hawking, correspondentes aos trinta primeiros segundos de formação do mundo, após o Big Bang, [11]
O mundo de Briah
Beriah, ou Briah, o Mundo das Criações, corresponde, na Árvore da Vida, ás sefiras Chesed, Geburah e Tiphareth. Nesta fase de formação do mundo, as leis naturais (arcanjos) já estão em plena atividade, dando origem ao chamado Mar Primordial, no qual as primeiras formas geométricas aparecem.
Na linguagem cabalística, esse é o momento em que o Grande Semblante, ou o Macroprosopo cria o seu Semblante Menor, que é o plano cósmico correspondente ao desenho do universo. Essa fase é administrada por três Ordens de Arcanjos, conhecidas pelos nomes de Chashmalins, Serafins e Malakins, que na linguagem científica poderiam ser chamados de prótons e neutrons, partículas mais pesadas, que se unem formando núcleos de hidrogênio, hélio, deutério e lítio, formando, também, os primeiros átomos estáveis.[12] Na visão maçônica do mundo esse é o momento em que o Grande Arquiteto do Universo faz surgir a noção da Geometria, o mundo das formas, onde os planos de construção do universo se tornam delineados e a atuação dos Mestres construtores (arcanjos) tem inicio. Na linguagem bíblica essa fase corresponde ao 2º dia da Criação, quando Deus diz “haja um firmamento no meio das águas(Mar Primordial) e haja separação entre águas e águas.”[13] Na visão de Hawking essa fase corresponde aos primeiros quatro minutos de vida do universo, após a grande explosão do Big Bang.[14]
O mundo de Yetzirah
Em Yetzirah, o Mundo da Formação, assim como em Briah, Deus não age diretamente nele, mas sim através de diversos coros angélicos ( as leis naturais) que realizam sua vontade. Esses coros angélicos são chamados de Elhoim, Beni Elhoim e Querubim, cujas esferas de atuação, na Árvore da Vida, correspondem ás sefiras Netzach, Hod e Yesod, também chamdo de microproso ou Semblante Menor. Na linguagem bíblica, essa fase corresponde ao terceiro dia da Criação, quando são criados a terra e os mares. É momento em que surgem os quatro elementos formadores da matéria universal, que são a água, a terra, o fogo e o ar. Na moderna física essa fase pode ser associada aos momentos em que se processa a separação da matéria e energia, e a densidade do universo se torna difusa e transparente, aparecendo, como diz a Bíblia, o sol, a lua, e todos os astros do céu. Embora a descrição bíblica dê a antender que o sol e a lua teriam sido feitos depois da terra, essa descrição não deve ser entendida literalmente. Na ótica cabalística, os corpos celestes só puderam ser distinguidos depois que a matéria universal ficou translúcida e se tornou observável aos olhos humanos. Por isso o cronista bíblico supôs que eles teriam sido criados depois da terra e com o objetivo específico de marcar o tempo sobre a terra. Esas visão parece ter sido inspirada pelas crenças astrológicas dos sumérios, nos quais os cronistas bíblicos certamente se inspiraram.[15]
Na visão de Hawking essa fase corresponde aos primeiros um bilhão e trezentos mil anos de vida do universo, quando as estrelas começaram a sintetizar núcleos mais pesados, dando nascimento ao universo físico tal qual o vemos hoje, e preparando-o para a síntese do produto mais valioso da Criação, que é a vida.
O mundo de Assiah
Asiyah, ou Assiah, é o Mundo das Ações. Nesse mundo, só há uma sephirah, conhecida pelo nome de Malkuth, o reino. Esta é a fase final de construção do universo, correspondente, na linguagem bíblica, ao quinto e sexto dias de criação, quando Deus diz á terra “que produza alma viva segundo a sua espécie─ animal, réptil e aninal selvagem segundo a sua espécie”. E também ao momento em Ele cria o homem segundo a sua imagem e semelhança.[16] Na visão cabalista, essa fase é regida pela Ordem angélica dos Ishins, e na simbologia analógica da Cabala ela corresponde á “esposa do microprosopo”, ou seja, a Humanidade. Na cosmogonia taoísta, ela seria a chamada “Cem Famílias”.[17]
Na liguagem científica, essa etapa pode ser associada ao momento em que os átomos se juntam para formar as moléculas que irão dar nascimento ao fenômeno da vida.
Como se pode perceber, a visão cabalista encontra um claro paralelo na descrição da criação do universo feita por Stephen Hauking. Em seu trabalhio “O Universo em uma casca de nóz” ele escreve:” “Se a relatividade geral estivesse certa, o universo teria começado com temperatura e densidades infinitas na singulartidade do big-bang. Á medida que o universo se expandiu, a temperatura da radição diminuiu. Em cerca de um centésimo de segundo após o big-bang, a temperatura teria sido de 100 bilhões de graus, e o universo tertia contido, na maior parte, fótons, elétrons e neutrinos(partículas extremamente leves\) e suas antipartículas, além de alguns prótons e nêutrons. Nos três minutos seguintes, enquanto o universo resfriava para cerca de um bilhão de graus, prótons e nêutrons, não tendo mais energia suficiente para escapar da atração da força nuclear forte, teriam começado a se combinar para produzir os núcleos do hélio e outros elementos leves. Milhares de anos depois, quando a temperatura caiu para alguns milhares de graus, os elétrons diminuíram de velocidade até os núcleos leves poderem captura-los para formar os átomos. No entando, os elementos mais pesados dos quais somos constituídos, como carbono e oxigênio, só se formaram bilhões de anos mais tarde, pela queima de hélio no centro das estrelas”.
Assim, quando a Cabala se refere aos deuses, nomes divinos, Ordens angélicas e demoníiacas, na verdade o que se trata é das várias formas de energia que dão forma e via ao universo. São energias emanadas do Princípio Único que dá origem ao universo. Na tradição cabalística, estas energias, que também podem ser considerados atributos divinos, são as chamadas sefiras, ou sefiroths, cuja ação, na Árvore da Vida, constitui um processo que pode ser chamado de“Doutrina das Emanações”.
Como é sabido por todos os estudantes dessa tradição, as emanações divinas percorrem, como se fossem um raio, a Árvore Vida de cima para baixo, indo da parte mais sutil (kether, o Princípio) á mais densa e grosseira ( malkut, a terra) dando conformidade a própria estrutura do Cosmo, dividindo-a em quatro planos ou níveis hierarquizados, que o homem pode vivenciar em seu próprio organismo através de sua estrutura física e psiquica.
[1] O panteísmo é a doutrina que uma absoluta identidade entre Deus e a natureza, ou seja, Deus é a própria natureza e não existe como entidande independente dela.
[3] Isaias, 6;3
[4] A Bíblia Hebraica- Sefer, São Paulo, 2006
[5] Ver os textos talmúdicos Brachot 10a; Midrash Vayikrá Rabá, 4; Midrash Shocher Tov Tehilim, 103,
[6] As referências a Deus como Verbo Criador são mais próprias da literatura gnóstica, mas sua origem parece que vem de Gênesis, quando Deus se apresenta a Moisés no Monte Sinai e quando Moisés lhe pergunta o nome Ele diz simplesmente : Eu Sou.
[7] EHIEH é fórmula cabalística de escrever o nome de Deus na sua primeira manifestação no mundo. Há várias outras, como Jeová, a segunda manifestação, Jeová Elhoin, a terceira manifestação e assim por diante. Ver, no final do capítulo, uma relação desses nomes associados á cada uma das séfiras da Arvore da Vida e a um instante de formação da vida do universo.
[8] No cristianismo á ideia de Pai, Filho e Espirito Santo; na religião egípcia á trindade Osíris, Ísis e Hórus, ´na religião dos Vedas á trindade Brhama, Vixenú e Xiva etc.
[9] Stephen Hawking- O Universo em uma casca de nóz- ARX, São Paulo, 2001
[10] Knor Von Rosenroth-Cabala Revelada, Madras, São Paulo, 2004
[11] Stephen Hawking- Op citado pg. 78
[12] Idem, Stephen Hawking, citado, pg. 78
[13] Gênesis, 1:6
[14] Ibidem, Stephen Hawking, citado, pg. 78
[15] Gênesis, 1:14
[16] Idem, 1:24;26
[17] Tao Té King, Ed. Pensamento, São Paulo, 1968