O que é a crise econômica brasileira? Análise de uma mentira obtusa e muito frágil
Os meios de comunicação brasileiros continuam fazendo eco à torcida americana pela recuperação de suas finanças. Por lá, torcem fervorosamente para que se mantenha a confiança no dólar; por aqui, parecemos acreditar, obtusamente, nas variadas sandices veiculada para evitar o iminente colapso econômico americano. Vejamos alguns indícios:
Analisemos brevemente uma notícia tola veiculada na internet. A sandice reflete a maneira como as notícias sobre a China têm sido apresentadas. Leia essa notícia com atenção:
“A China registrou em outubro um excedente comercial recorde, com uma nova queda das importações e das exportações que confirma a fragilidade persistente da segunda maior economia mundial e as dificuldades de sua demanda interna.”
Algo ruim parece estar ocorrendo com a economia chinesa “confirmando sua fragilidade”. Trata-se do anúncio do recorde do saldo de sua balança comercial em outubro! Só a perplexidade do leitor poderá evitar o riso. Tentem imaginar com que otimismo uma notícia análoga relativa à combalida economia americana teria sido veiculada.
Por que temos sido induzidos a torcer contra os chineses? A mim eles parecem simpáticos. Por que devemos torcer pelos americanos? Talvez eu torça por eles um dia, mas enquanto não pararem com essa mania de ficar jogando bomba nos outros, não torcerei. Mania horrenda essa! Deveriam parar com isso.
Mas, continuemos analisando a notícia que, embora obscura, reflete o tom usual sobre o tema.
“O excedente comercial resultante foi de 61,64 bilhões de dólares, o que representa uma alta em ritmo anual de 34%. Este é o maior excedente registrado pela China desde 1995, segundo a agência Bloomberg News.
A China é considerada um motor fundamental do crescimento mundial. A desaceleração de seu crescimento (6,9% no terceiro trimestre, o menor nível desde 2009) e de seu comércio exterior provocam temores nos mercados financeiros internacionais.”
Ou seja: saldo comercial de 60 bilhões no mês de outubro! O maior desde 95! Mas o parágrafo seguinte revela aflições com “A desaceleração de seu crescimento (6,9% no terceiro trimestre, o menor nível desde 2009)”, causa de “temores nos mercados financeiros internacionais”. Tudo muito impressionante! Tanto os números chineses (avaliem), quanto o pessimismo da notícia, sugerindo fragilidade econômica, causam espanto.
A notícia continua distorcendo sistematicamente todas as interpretações dos dados reveladores da economia mais pujante do milênio.
Tem sido essa a norma relativa às notícias sobre a China, levando leitores desatentos e desavisados a acreditar em uma crise na economia chinesa, um contrassenso.
A suposta e alardeada crise chinesa teria sido a causa da crise brasileira. De acordo com essa interpretação deturpada, uma suposta queda de 10% para 6%, sabe-se lá de quê, da economia chinesa, teria ocasionado a redução das importações chinesas de matérias-primas. A redução na demanda, decorrente dessa retração, teria causado a redução dos preços dos produtos de exportação brasileiros, uma mentira óbvia. A suposta queda de 6% na economia chinesa em 2015 corresponde ao aumento de quase 7% de seu PIB. Não houve retração, o crescimento continua firme. Também não houve a tal redução na demanda. Houve, no entanto uma redução de preços dos produtos brasileiros, o que é grave.
O que ocasionou a redução dos preços de exportação dos produtos brasileiros? A resposta é preocupante. A economia chinesa já se tornou a maior do planeta (fato revelado pela medida do GDP-PPP), e começa a exercer sua influência impondo uma redução nos preços dos produtos que importa. A redução dos preços das matérias-primas importadas pela China tem garantido os recordes em sua balança comercial, e em seus lucros.
Será difícil recuperar, no futuro, os valores de nossos produtos, a redução desses preços significa um considerável empobrecimento do Brasil.
Fico pensando que a relevância do Brasil na determinação dos preços de nossos produtos de exportação seja enorme, e que nossa divisão, nossa torcida contrária, tenha boa parcela de culpa no evento bilhonário, do seguinte modo. Existe uma torcida clara e explícita contra o PT, estendida ao governo Dilma. Os torcedores vêm balançando o barco, tentando fazer a canoa virar, torcendo contra.
Fico imaginando, à distância, os chineses organizados e coesos lutando pela redução dos preços dos produtos que importam, contra os brasileiros, divididos e preocupados em jogar uns sobre os outros os prejuízos que serão atribuídos ao PT e a Dilma, e que cairão sobre todos nós.
Nunca mais recuperarão o valor dos produtos que estão deixando escapar, barganharão contra mercadores cada vez mais poderosos, respaldados pela economia que logo reivindicará o controle do jogo econômico mundial. Os chineses maximizam seus lucros, continuarão a fazê-lo. As mentiras disseminadas em nossos meios de comunicação resultarão apenas em poeira nos nossos próprios olhos.
Boa parcela da crise econômica brasileira, aliás, se deve a esse movimento contrário de parte da torcida, em resposta ao resultado da eleição presidencial. Pagamos, todos, pela pirraça de perdedores desconsolados. Revertemos, nós mesmos, a situação invejável que, pela primeira vez, ostentávamos em 2011. Conseguimos voltar para o buraco, para o nível de irrelevância no cenário internacionalque estivemos por 500 anos.
Os americanos torcem por seu país deturpando as notícias e tentando pintar um quadro menos sombrio de sua economia decadente à beira do colapso. Nós deturpamos as notícias com o propósito inverso, de nos tirar do centro do palco e nos jogar de volta à sarjeta. Estivemos sob as luzes por um breve tempo, conseguimos reverter a vantagem; jogamos contra nós mesmos.
Encontrei um artigo que explicita esse espírito de porco desde o título: “A crise brasileira deve piorar. Bom para você”. O autor, o gaiato Ricardo Amorim, tripudia de seus leitores afirmando já no título que a piora da crise será vantajosa para eles, esquecendo de lhes dizer que recebe seu salário em moeda estrangeira (é o que deduzo de sua recomendação; a piora das coisas por aqui é vantajosa para os de fora, e, só para eles).
As últimas análises da crise tendem a uma mudança, abandonando o foco na redução dos preços dos produtos de exportação e centrando-o na crise política interna. Creio ter sido essa, de fato, a principal causa da crise. Demos um tiro em nosso próprio pé. Sairemos da crise quando pararmos de balançar o barco.
Com relação à corrupção, tenho uma proposta muito simples e neutra que não contemplaria nenhum dos lados em confronto: TODO O RECEBIMENTO DE VERBAS PÚBLICAS DEVE SER PÚBLICO. Significando o seguinte: salários e demais proventos recebidos do governo deveriam ser publicados. Além dos proventos, todos os que recebem verbas públicas, a qualquer título, deveriam ter sua declaração de bens tornada pública. A transparência desses dados exporia muito claramente a estrutura da corrupção.
Publiquem esses dados e sairemos da crise.
P.S.Junto com os meios de comunicação tradicionais, a internet, especialmente através do Facebook, teve um papel fundamental na fabricação da crise, evidenciando uma fragilidade brasileira gritante. Temos que construir, com urgência, uma rede social independente e descentralizada, sem dono. Pode ter feições similares ao facebook, telas de apresentação idênticas, mas não pode ter um dono; não pode ser centralizada. A implementação dessa ideia é bem simples, cada página se relaciona diretamente com a dos amigos, P2P, (par em par), sem a mediação de um controle central. Os donos do facebook têm, hoje, um poder de controle sobre a política brasileira maior que o de qualquer político, maior que o da Globo. Isso é bem grave.