POESIA: EXERCÍCIO DE AMOR À CONDIÇÃO HUMANA

Prezado leitor:

Reservaram a mim uma tarefa difícil, a de falar, na primeira página, sobre a expressão poética, na voz de meus irmãos da Internet. Tarefa pra quem tem coragem, pra quem tem, no mínimo, alguma estrada. Talvez por isto tenham escolhido a mim. Sou daqueles que posso errar por ação, por omissão, nunca! Sempre paguei o preço.

E a Poesia tem sido confidente de tantos a tantos anos. Vestal nua, sacrossanta, ainda que palavra em seu vestido de festa. Mulher que não nasceu para um só homem!

Talvez lhes possa confidenciar o óbvio, ainda que não percebido por um ou outro resistente: a Sociedade dos tempos atuais quer antever e vir a possuir tudo o que sobrepaira aos olhos consumistas.

Mas, afinal, o que faz homens e mulheres que em geral não se conhecem pessoalmente, de faixas etárias muito diferenciadas, das mais variadas profissões, das mais diferentes visões de mundo, dos mais variados gostos estéticos, virem a se juntar, nestes tempos de globalização, frente a um monitor de computador?

Seguramente a solidão do homem moderno, principalmente aqueles condenados a pensar e a recriar o mundo, os “inúteis”, sim, porque não há nada de “útil”, nada que se possa conceituar como utilitário, em Poesia! Esta é somente Beleza. Só que sem esta não é possível viver! A beleza do ser e das coisas é a ânima que nos faz diferentes. Não utilitariamente vária, mas fundamental à vida! Sem Beleza não há como fruí-la, não há como suportá-la.

É preciso ser muito pouco humano para que o orvalho sobre uma pétala de rosa passe despercebido. Ou o canto de um pássaro. Ou os olhos meigos de um bichinho doméstico. Ou o pôr-do-sol sobre a mansidão das águas. Ou a estrelinha dos pedidos de infância. Ou o ingênuo sorriso da criança. Ou os olhos do pedinte, radiosos quando se lhe dá o óbolo. Ou o beijo no corpo dos amores.

Esta a condição humana: extasiar-se ante o alumbramento.

Nada mais, nada menos do que isto, é o que fazem homens e mulheres frente a uma máquina que transporta o zelo humano, pessoal, de cada um. O verso assim trazido, etéreo, via computador, é o selo da classe média. Selamos o Belo com os olhos do Mundo. Que bom que a democratização da informação chegasse a todas as casas, a todas as famílias do globo. Seguramente exercitaríamos o fraterno em muito melhor escala!

Somos um conjunto de inquietações, o exercício do amar em suas variantes. Por certo muito mais fraternos que os do lugar comum da vida, os que ainda não tiveram tempo para a Beleza. Aqueles que têm medo de dar sem retorno.

Por mais que eu ruminasse o que tenho vivenciado, este prefácio ficaria incompleto se não tivesse a garatuja de cada um dos “virtuais”. Afinal, agora, no livro impresso, a gente escreve por extenso, para o futuro, para o livre uso do Tempo.

Vamos, pois, à Confraternidade que o conviver nos permitiu:

PREFÁCIO A 20 MÃOS:

(Excertos dos poemas contidos na Coletânea “Poetas Virtuais”)

“Oceanos flutuavam como nuvens/ e planetas eram bailarinos/ cometas eram pescados/ por peixes, aquários e sagitários”. O pêndulo, p. 19.

“Esvai-se como líquido/ paradoxalmente/ao mesmo tempo em que é perpétuo,/ limita-se ao fugaz instante do não ser”. Infinito, p. 21.

“Inóspita e deserta humanidade/ da formidável imensidão do universo/ somente aqui há um ontem/ e há um agora” Infinito, p. 21.

“Folhas ressecadas de plátanos/ substituíam os tijolos amarelos/ e a minha vida de andarilho/ afundava meus pés em poças d’água”. Soleil, p. 22.

“Minhas pálpebras doem e pesam/ tornando-se balanças/ com as quais meço/ o imensurável peso do tempo”. Instante de saudade XXII, p. 23.

“Palavras que nos levam/ à total loucura, e à loucura/ que nos deixa totalmente sem palavras.” Nós, p. 29.

“O mundo é o fracasso da história/ Nunca somos belos senão por covardia/ Guerreiros são mitos, suas vitórias, fantasia./ Quem me perde é quem me possui;/ jamais serei eu a me encontrar.” A criação de Deus, p. 31.

“Haverá saudades?/ Tudo é faz-de-conta no querer eternamente/ Já estou vivo, agora o sei,/ e amanhã renascerei.”. Eternidade, p. 32.

“Alimentar o fogo sacro da loucura,/ minha procura pela presa devida,/ contida,/ porque é a mim que caço.”. Caçador, p. 33.

“Em meio aos sombrios ruídos da noite/ ouvi teus murmúrios de aurora,/ tímido, fugidio, voaste./ A visão é que se me demora.”. Eterno amigo, p. 34.

“Assim, com o desejo fútil e a razão mórbida/ agarro-me à causa sórdida de respirar para não morrer,/ sabendo que estar só e sem defeitos,/ é apenas um suicídio lento.”. Defeito de fabricação, p. 35.

“Tenho medo de não ter tempo de matar saudades/ e esperar de novo a tua vinda/ O tempo que nos delimita/ e nos faz apressados”. Não ter tempo, p. 47.

“O tempo dos abraços/ transforma a ausência da maneira mais simples/ da maneira mais pura”. Traço, p. 51.

“Eu sou a sombra que oculta o anjo/ prisioneira de mim”. Janela, p. 53.

“Que meus braços sejam/ a prisão dessas tardes/ Enquanto tua mão segura/ meu coração criança”. Canto, p. 54.

“o pentagrama na janela da minha cela/ sem notas/ sem nada”. Retículos, p. 56.

“Palavras e mais palavras/ buscam escrever instantes/ em verbos que se fecham e se abrem/ como dias e noites à minha frente.”. Terapia poetizada, p. 61.

“Sou a fotografia generosa,/ me flagrando perdida./ Sou a verdade e a sexualidade./ Um ensaio dentro da liberdade.” Às vezes, p. 69.

“Nessas águas eu navego,/ nessas águas me elevo./ São vapores do seu corpo,/ são vapores a levar o sonho a sonhar:/ meu tempo de decantar.” Flores da seca, p. 76.

“É o sangue que rola,/ a mão que despede,/ a bóia que esfria,/ o filho que desperta./ E vejo tudo, contemplo./ E passa gente/ e passa o cão,/ ninguém vê./ É tudo sempre igual.” Bóia Fria, p. 78.

“Chuva nas sarjetas,/ barquinhos navegam a ilusão/ fazendo o território do mundo/ pequeno para a invenção.”. Agosto, p. 85.

“Um poema comportado é uma chatice./ Se o vires assim, é apenas o verso,/ de pijama listrado, chapéu de palha/e óculos escuros.”. Humor em Genipabu, p. 87.

“Na Poesia, a morte transita/ descalça/ com sua aura de fogo. Máscaras velam o poeta,/ ervas daninhas cobrem a história do outro eu/ que ressurge/ mudo/ no túnel do tempo.”. O outro eu, p. 89.

“Dorme a grande cidade/ debruçada sobre o seu rio./ Em seus olhos esdrúxulos/ correm o medo, a solidão.” Passageiros, p. 90.

“O que sabe a memória das janelas/ debruçada nos dias do depois?/ Beiral suposição acumulada/ em frestas e reais intenções?/ Passadas a limpo/ janelas se esquecem/ do muito que foi visto/ Nunca saberei o que vazou” Janelas (são meus fados), p. 92.

“Os que guardam a chuva não molham desejos/ Os que deixam chover querem ser mais ousados/ Por isso não tenho guardas pra chuva,/ sou desobediência civil em dias fechados.” Guardas e chuva, p. 93.

“conservava apenas/ o melhor hábito de seus gestos./ Depois vestia o cabide./ E convidava pra dançar!”. Passagem do tempo, p. 95.

“Virgem página/ Prostituta devoção/ Dar corpo e alma/ na avidez de compor a palavra: Anunciação.” Carregamentos, p. 96.

“Mi’a boca se mordendo te deseja/ Tremendo no ar de meu tesão/ Roubando da tua boca uma cereja/ Que deixaste lá por pura tentação”. Soneto vermelho, p. 101.

“É lua com cheiro de brilho/ É lua com cheiro-esplendor/ Só que o cheirinho da lua/ se espalha/ igual a fogo na palha/ incendiando a terra de amor.” Cheiro de lua, p. 104.

“Pensarás que sou puro amor,/ será quando te abaterei, caçador!/ Não fujas, luta, pois serás o vencedor./ Sou fêmea, tenho dons de proteção que desconheces./ Sou bruxa se preciso for.” Caça, caçadora, p. 105.

“Inatingível, como Deusas do Olimpo, estavas tu,/ Inacessível, estrelas que brilham ao longe e que nos são, aos olhos, inconcebíveis./ O tempo que não pára. Não corre para trás.”. Reluz, p. 112.

“Acordei com os raios de sol/ Olhei para trás/ não vi ninguém/ Clamei por teus olhos/ E chorei de saudade.”. Buscas, p. 116.

“Aos anjos do céu fora entregue todo o saber,/ e a nós da Terra,/ o eterno morrer no encontro das criações”. Pranto, p. 121.

“Não sei mais quem sou, nem onde estou,/ Procuro, agora, apenas os meus pedaços.”. Tua falta, minha saudade, p. 127.

“O passado será eterno/ Para todos momentos que o vivermos/ E se não conhecermos o futuro,/ Dançaremos a velha música/ Cada um em seu compasso.”. A dança, p. 129.

“Vagando a esmo por trilhas vadias,/ Buscando em portos, navios./ Esperando dias que virão.”. Os dias, p. 132.

“Deixo a vocês meu corpo/ minhas lembranças/ e também minhas lágrimas/ só peço que permitam levar os meus olhos/ para muito além do horizonte”. Ismália por Ismália, p. 133.

Porto Alegre, RS, 04 de novembro de 2002.

– Do livro POETAS VIRTUAIS. Porto Alegre: Pallotti, Coordenação de Walesca Testa, p. 03:06, 2002.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/547699