Nativos e Forasteiros: uma disputa por um lugar ao Sol
No alvorecer da temporada de verão nativos e forasteiros disputam um lugar ao Sol. Por todo lado pessoas reformam suas casas para alugar no verão, obras e melhorias na infraestrutura da cidade onde os trabalhadores tapam os buracos e pintam o meio fio das ruas, arrumam os canteiros e plantam flores enquanto os lojistas colocam seus penduricalhos natalinos. Os moradores se ajeitam como se fossem esperar a pessoa amada para um jantar romântico a luz de velas. A euforia do verão foi introduzida a um pouco mais de um século com o turismo de veraneio e a prática da balneoterapia. Uma cultura recente, uma invenção econômica para o nostálgico litoral tipicamente colonial com a dispersão de suas vilas, estradas, engenhos, na lentidão dos carros de boi e do tempo dos pescadores. Certamente, no litoral e nas zonas rurais a percepção do tempo é diferenciada como se os ponteiros dos relógios seguissem seu próprio ritmo. Esse peculiar modo de vida litorâneo é uma autêntica atração para os forasteiros que chegam nos meses quentes do ano. No final do século XIX era comum a recomendação médica de banhos de mar ao amanhecer como tratamento contra diversas enfermidades. Uma moda aristocrática que se desenvolveu nas praias durante o verão e impulsionou a rede hoteleira e o aluguel das casas dos nativos durante a temporada. Os forasteiros elencaram os paraísos a serem desfrutados e lugares a serem visitados. Os nativos viram uma oportunidade de aumentar sua renda incorporando os “ganhos de verão” ao orçamento familiar. Como dizem: “Verão é época de ganhar dinheiro, só fica desempregado quem quer !” Os forasteiros estão de férias, os nativos trabalhando. Certa vez, um programa de televisão visitava as praias de Torres mostrando suas belezas naturais e entrevistavam as pessoas que estavam curtindo a praia, postados em seus guarda- sóis ou simplesmente caminhando a beira-mar. Em uma das indagações da apresentadora surge uma pergunta emblemática: “Por que será que não encontro torrenses curtindo a praia? Será que não gostam de praia?” Sem conhecimento do contexto local algumas incongruências são cometidas e desacertos são historicamente perpetuados. O turismo de massas trouxe profundas transformações econômicas, culturais e sociais ao território litorâneo e suas comunidades. A balneoterapia e o turismo de cura deu lugar a uma invasão de milhares de visitantes e turistas que esgotam e poluem o meio ambiente, principalmente as lagoas e rios que se transformam em um grande depósito de esgoto e entulhos de todo tipo. Dificilmente as cidades litorâneas tem estrutura para absorver a desenfreada enxurrada de pessoas. O turismo praticado na atualidade privilegia aspectos quantitativos e não qualitativos e suas implicações para a população local são severas. A cultura tradicional dos bicuíras e marisqueiros substituída pelas aspirações de modernidade dos forasteiros, inclusive aliando-se ao poder público local para inovar e transformar “a cara da cidade”. Um verdadeiro processo civilizatório, uma onda avassaladora que coloca o nativo como refém dos interesses dos forasteiros. Uma conquista desigual em que os privilégios são canalizados para os forasteiros e não para os filhos e filhas da terra. Uma onda avassaladora chega com o verão e logo passa, deixando um rastro de saudades e alívio. Cada um a sua maneira, todos buscam seu lugar ao Sol mesmo que seu brilho atinja mais alguns do que outros.
Publicado no Jornal Litoral Norte RS e Jornal A Folha/ Torres.