DOGVILLE

Em todos os momentos de nossa vida há coisas que nos tocam profundamente e outras que “passam batidas”. O filme Dogville se encaixa no primeiro caso. No que diz respeito a mim, pelo menos. É provocativo, inquietante, dolorido. Quem não se levanta e sai do cinema, nos seus primeiros quinze minutos, está irremediavelmente preso até o final.

Misto de inocência, credulidade, servidão, passividade, tirania e crueldade, Dogville assalta e toma o espectador sem dar-lhe chance de defesa. Particularmente, fiquei sem chão, saí zonza do cinema, sentindo uma coisa estranha. Pensando no quanto as pessoas podem ser hipócritas e cruéis, e ainda assim parecerem boazinhas aos olhos do mundo; no quanto nos deixamos manipular e explorar em troca de “contas coloridas”; no quanto permitimos prostituir nossos sonhos, nossa vida toda.

Cruel demais a cena em que Grace é violentada pela primeira vez, entre as quatro paredes de um “lar”, enquanto a vida segue do lado de fora da porta. A vida medíocre, nojentamente ordenada, obedecendo a rituais cotidianos bestas, alienantes.

Ouvi críticas a respeito do cenário e do tempo de duração do filme e tenho cá minhas idéias. Creio que Lars von Trier fez tudo de caso pensado: um cenário que permitia ver a tudo e a todos ao mesmo tempo, com a preciosa ajuda de um narrador onisciente e debochado, lembra nossa fragilidade diante da responsabilidade que temos uns com os outros. Quanto ao tempo de duração do filme, é isso mesmo, metáfora clara do quanto os dias podem ser lentos e pesarosos, nos empurrando para dentro de um labirinto onde podemos ficar presos para sempre, fazendo concessões em troca de instantes fugazes de pequenas alegrias. Revoltante! Muito revoltante!