Sobre redes e conexões nesse admirável mundo novo
Pontos de vista
O mundo pode ser descrito de um número enorme de maneiras.
Um jogo de futebol, por exemplo, pode ser descrito sob o ponto de vista de um expectador na arquibancada, ou do banco de reservas, pelo goleiro, pelo juiz, por um jogador. Pode também ser descrito por um expectador assistindo ao jogo pela TV, de um prédio próximo, de um helicóptero sobre o campo... existe sempre um vasto conjunto de possibilidades de descrição de qualquer fenômeno e, embora uns costumem ser melhores que outros, a soma deles tende a agregar informações relevantes menosprezadas por cada uma das descrições individuais.
Costumamos descrever o nosso mundo pressupondo a existência de indivíduos, tomando essa como a entidade fundamental, a mais relevante. Pressupomos que eu sou um indivíduo consciente, você outro, e cada um assim. Tudo muito normal, mas podemos descrever o mesmo de outras maneiras.
O fenótipo estendido
Richard Dawkins, o grande biólogo anglo-queniano, descreveu um fenômeno surpreendente, maravilhoso, espantoso, e, à primeira vista, inacreditável. Refiro-me ao “fenótipo estendido”, fenômeno apresentado em seu primeiro livro, “O gene egoísta”, e tratado com esmero em um livro extraordinário dedicado ao tema e, absurdamente, nunca traduzido para o português, “The extended phenoype”.
Nesses 2 livros maravilhosos, Dawkins delineia, passo a passo, um fenômeno interessantíssimo e incrível sem uma introdução gradual a que não me disporei. De qualquer modo, esse grande biólogo torna crível o controle de certos indivíduos por outros, especialmente o de hospedeiros, frequentemente controlados por seus parasitas, como verdadeiros zumbis. (O ponto de partida para o entendimento do fenômeno pode ser a compreensão da dificuldade que, por exemplo, um parasita tem em passar do corpo de uma pessoa para o de um mosquito, e, posteriormente, retornar ao corpo de outra pessoa. Note que tal peripécia, embora efetuada por gerações diversas do parasita, podem ser necessárias para a perpetuação do parasita, um espanto!).
Essa ideia maravilhosa desenvolvida e tornada verossímil por Dawkins explica uma série de comportamentos idiossincráticos efetuados por indivíduos parasitados. Por exemplo: a coceira no fiofó da criança a obriga a se coçar, contaminando o dedo com o verme que ela acabará levando à própria boca ou, talvez indiretamente, intermediado por objetos, à de outras crianças. Sob o ponto de vista do fenótipo estendido, o parasita, de um certo modo, “controla a mente” de seu hospedeiro, compelindo-o a se coçar, induzindo-o assim a auxiliar sua disseminação, seu objetivo.
Inúmeros fenômenos análogos a esse podem ser descritos, nos quais comportamentos idiossincráticos, de outro modo, inexplicáveis, podem ser compreendidos à luz da possibilidade de manifestação de um comportamento anômalo induzido pelo parasita em seu hospedeiro. A expressão “controle da mente”, em tais casos, tem um apelo bombástico e sensacionalista, mas ilustrativo. De um modo ou outro, parasitas podem ser capazes de induzir comportamentos estranhíssimos em seus hospedeiros, muitos deles suicidas, como o de ratos que se sentem atraídos por gatos, quando contaminados por toxoplasmose.
Desse modo, seres unicelulares aparentemente irrelevantes podem, em certo sentido, “controlar nossas mentes” compelindo-nos a nos comportar de maneiras, de outro modo, inexplicáveis, com o propósito de perpetuar sua própria linhagem.
Claramente, podemos ser controlados por coisas bastante simples. O termo “zumbi” é bem ilustrativo.
Somos colônias
Sabemos, já há muitas décadas, que parasitas e hospedeiros tendem a evoluir conjuntamente para uma relação de ajuda mútua. O ápice desse fenômeno pode ser ilustrado pelas “organelas celulares” possuidoras de DNA, como as mitocôndrias, e os plastos dos vegetais. Ambas parecem ter sido, originalmente, bactéria infectantes que acabaram por interagir de maneira tão colaborativa com seus hospedeiros que se tornaram mutuamente dependentes um do outro. (Há também minha sugestão de que os espermatozóides tenham origem análoga, assim como o pólen e esporos.
http://gustavogollo.wix.com/gustavo-gollo4#!vdeos/c1kte
(vídeo e texto)
Além das mitocôndrias, sem as quais não sobreviveríamos, temos a importante ajuda de uma imensa massa de seres que compõem nossa flora intestinal.
Gostamos de nos ver, a nós mesmos, como indivíduos. Acho que nos vemos como um corpo uno controlado por uma mente una encravada no comando de um sistema central.
A descrição de uma colônia imensa e bastante rica parece mais adequada sob vários aspectos, embora a descrição tradicional de nós como indivíduos nos seja confortável e, afinal, muito mais familiar. Ambas têm suas vantagens, parecem se complementar.
Mas, não esqueçamos que parasitas podem controlar o comportamento de hospedeiros.
Neurônios, formigas e redes
Os neurônios agregam-se em redes e formam um cérebro, o sistema de controle do corpo. As formigas constroem uma rede similar, o formigueiro, que pode ser compreendido como uma rede wireless análoga a um cérebro, no qual as formigas fazem o papel de neurônios.
Os mamíferos desenvolveram um sistema rudimentar de redes sem fio conectando, usualmente, indivíduos com laços familiares.
Os homens desenvolveram uma rede extraordinária conectando os indivíduos através da fala. É o que nos diferencia dos outros animais, o que nos tornou humanos e distintos dos outros, a origem de todas as nossas conquistas, de nosso poder; de todos os nossos males, também. Nossa rede é o que permite o acúmulo de novidades, aquilo a que chamamos cultura. Sem uma rede, todas as invenções humanas seriam perdidas com a morte de seus inventores. É o que ocorre com os animais, seres engenhosos, ao contrário do que pensamos, mas incapazes de acumular procedimentos desenvolvidos por outros indivíduos. Não possuem nosso mecanismo de desenvolvimento cultural, nossa rede, estabelecida através da fala.
O surgimento de nossa rede permitiu a emergência da dominação e do parasitismo intraespecífico. Parasitamos inúmeras espécies (bois, galinhas, etc.), parasitamos também outros homens. O parasitismo intraespecífico é um apanágio nosso, humano.
As redes tendem a ganhar autonomia e personalidade própria. Formigueiros ganham autonomia, fazendo emergir comportamentos coletivos distintos dos individuais. Neurônios submetem-se aos comandos cerebrais. Posta em um grupo, uma criança tende a se comportar conforme exigências coletivas, o mesmo vale para jovens e adultos. Quando nos conectamos a redes, tendemos a assumir uma personalidade grupal, um caráter coletivo e uno. A emergência de um poder central comandando a rede reduz conflitos internos, alinhando todos os indivíduos na busca por metas comuns.
A maior rede existente no planeta, até agora, agrega quase todos os animais, funciona assim: moscas, principalmente, pousam nas fezes de um animal colhendo material repleto de sua flora intestinal com os pés e aparelho bucal. Em seguida, elas pousam nos alimentos de outros animais, deixando neles pegadas e fezes repletas do material colhido anteriormente. Essa profusão de criaturas é ingerida pelos animais, e prolifera em seu trato digestivo, de onde acaba por ser expelida na forma de fezes que atraem moscas variadas, fechando o ciclo.
Necessitamos dessas criaturas, elas favorecem enormemente nossa digestão. Isso vale para quase todos os animais. (Suponho que os coalas estejam fora da rede por se alimentar de eucalipto o que o transforma em algo similar a um tubo de vick vaporub repelente às moscas, razão pela qual os bebês coalas devem ingerir as fezes diretamente da mãe, constituindo assim uma minirrede autônoma).
Acho extremamente provável que várias dessas criaturas componentes da imensa rede assumam o comando dos animais com certa frequência. Posso apostar — mesmo desconhecendo quais sejam — que vários de nossos comportamentos têm como resultado a manutenção desse imenso sistema. Talvez comamos carne para aumentar o odor das fezes e atrair mais moscas — pressupondo que a ingestão de carne reduza nossa longevidade.
Caso sejamos privados da flora intestinal, temos dificuldade em absorver nutrientes e problemas digestivos em geral. Os vegetais também são fortemente dependentes desse sistema, fundamental na fertilização dos solos. As minhocas se encarregam da dispersão das fezes propiciando o ambiente adequado às plantas, o alimento dos animais, fechando o ciclo.
Essa rede imensa sugere a descrição de um único tecido interligado constituindo toda a biomassa existente no planeta. Essa criatura imensa, talvez já denominada “gaia”, deve possuir ações autônomas e controlar boa parte do comportamento de todos os seres, inclusive o nosso. A intimidade tamanha e atávica que temos com tal ser nos impede perceber seus desígnios. Talvez estejamos nos rebelando contra seus comandos, gerando, por isso, todos os desequilíbrios que agora afligem não só ao ser imenso, mas, principalmente à humanidade.
A nova rede
A humanidade se baseia, se sustenta e se define em uma outra rede, a rede humana, a própria humanidade. Só os homens se agregam de maneira tão íntima, como se constituíssemos, todos, um imenso formigueiro.
A rede humana cresce e se fortalece a cada dia, tornando-se cada vez mais complexa de um modo impressionante, inusitado. Inicialmente, conectávamo-nos apenas através da fala. Uns 300 anos atrás surgiram os jornais, um salto enorme na conexão da rede. Há coisa de uns 100 anos agregamos o rádio e em seguida a televisão. Cada um desses passos aumentou enormemente a conectividade das redes, gerando nodos com inúmeras conexões. Telefones também tiveram um grande papel na coesão da rede humana. Recentemente a internet elevou nossa rede a um patamar ainda mais elevado, garantindo conexões múltiplas, variadas e crescentes a todos nós.
A rede humana tem incorporado computadores, telefones e uma profusão de objetos que logo a inundarão, tecendo a internet das coisas, composta por toda a parafernália eletrônica futura.
Os computadores estão se tornando seres inteligentes. Já possuem uma capacidade extraordinária de discernimento de certos padrões, algumas dessas capacidades já muito superiores às nossas, e crescentes. Revelam também uma espantosa capacidade de controle.
Aparelhos “usáveis”, que podem ser vestidos, inundarão o planeta e cederão lugar, rapidamente aos que serão implantados no corpo. Duvido que demorem a surgir implantes conectáveis diretamente ao cérebro capazes de serem reconhecidos e usados por nascituros. Mas, antes disso, terá acontecido a neuronização.
Juntemos agora todas as informações anteriores: os vários pontos de vista, o parasitismo, as colônias, o fenótipo estendido, as redes, e a inteligência das máquinas.
Neuronização
Herdamos de nossos neurônios a maleabilidade necessária para agirmos em conjunto, conectados em rede, tendemos a agir em bloco, como um único ser. Essa tendência, conhecida há séculos, capaz de insuflar multidões recebeu recentemente 2 reforços extremos: a ubiquidade das conexões, e a inteligência de computadores, testando e monitorando nossas ações.
Temos absoluta certeza e confiança na existência de um eu autônomo. Acreditamos, ou pressupomos, a existência de um eu independente agindo livremente, ao próprio arbítrio.
Sob hipnose, continuamos mantendo exatamente as mesmas certezas. Se induzidos pelo hipntizador a executar inconscientemente uma determinada ação juraremos termo-la executado por desígnio próprio. Parece simples nos convencer a querer fazer algo.
Parasitas fazem isso conosco. Induzem-nos a comportamentos idiossincráticos com o propósito de sua própria replicação.
Acreditamos na unicidade de nosso eu, que seja sempre um só e o mesmo; uma entidade pouco compreendida, mas familiar, dominando o nosso centro de controle.
De fato, não temos uma indicação clara da unicidade desse ser; mais parece que toda a colônia compete e reveza no controle central de nosso ser, seja isso o que for. De qualquer modo, ainda que sejamos um só, talvez sejamos a mitocôndria, que assumiu todo o controle do barco, ou qualquer criatura intestinal, tendo transformado o ser original em um zumbi. À primeira vista a hipótese nos desagrada.
Também temos sido parasitados pela imensa rede. A certeza disso decorre do absurdo de nossas ações: sabemos estar destruindo nosso mundo, temos consciência de estar eliminando nossas próprias condições de sobrevivência, mas continuamos, com absoluta naturalidade, acelerando o trem desgovernado rumo ao precipício.
A imensa rede exige um consumo cada vez maior de energia para sua própria manutenção e crescimento, é para ela que precisamos buscar cada vez mais energia, destruindo nosso futuro, caminhando rumo ao suicídio coletivo.
Próximos ao controle central, os poderosos recebem as ordens diretamente do núcleo de poder, dos centros de controle da rede. São zumbis. O poder corrompe. Inebriadas, encantadas pelo poder, essas pessoas entregaram-se por inteiro à estranha criatura. São controladas por elas, entregaram suas almas.
O restante de nós encontra-se em vias de neuronizar. Seremos transformados em neurônios do grande cérebro, do imenso leviatã.
Tenho visto comentários de pessoas tentando se desconectar do facebook. Deve haver os que se desconectam de toda a rede e não mandam mensagem. Também existem os que se conectam continuamente, por telefone e outros aparelhos portáteis em breve acopláveis ao corpo, ou implantáveis. A dependência, logo, será total.
Tudo isso emergiria, naturalmente, do desenvolvimento da grande rede, do ser imenso. É uma consequência termodinâmica de tal existência. Mas certas peculiaridades ameaçam gravemente o desenrolar, por si, asustador. A primeira delas é a ganância.
A voracidade espantosa com que os donos do mundo tentam se apossar de tudo ao redor é um dos grandes motores de toda essa engrenagem. Boa parte da rede é financiada com propósitos comerciais, com a finalidade de drenar ainda mais recursos para centros já riquíssimos. Essa gula desenfreada não tem, absolutamente, nenhum limite. Trata-se de mais uma manifestação do controle por parte de parasitas: bilhonários empenham-se, cada vez mais ansiosamente, por aumentar seu patrimônio devorando, vorazmente, tudo ao redor, com gula insaciável. Não anseiam usufruir da riqueza, sua meta fundamental é a riqueza pela riqueza, o poder pelo poder. Os indícios de parasitismo desses zumbis são bem claros.
O direcionamento dos motores de busca e das redes sociais para a otimização de propósitos comerciais, transformando-os em analisadores de personalidades, de comportamentos e ações, inserem um componente fortemente insidioso na rede. A voracidade por lucros crescentes demole sucessivamente todas as barreiras morais concebidas ao longo de milênios. O lucro justifica qualquer coisa, até o suicídio coletivo.
Piores ainda que esses gulosos, os senhores da guerra, da dominação, têm um papel importantíssimo em tudo isso. Não nos esqueçamos que a internet é, originalmente, um instrumento de guerra, desenvolvido de maneira descentralizada para evitar a interceptação de mensagens pelo inimigo.
Aliados, ambos dominam o mundo, têm sido seus donos. Têm contribuído imensamente para determinar as feições da rede, juntos, aliás, são seus principais responsáveis. A internet tem, encravado em seu cerne, o espírito da dominação, do controle de indivíduos. Tudo o que se passa nesse mundo pode ser, e tem sido, coletado, processado e analisado de uma maneira impensável, apenas duas décadas atrás.
Quando George Orwell imaginou o pesadelo do grande irmão perscrutando a vida de cada cidadão, não podia conceber bisbilhotice tão impressionante e aterradora, incompreensível para indivíduos da antiga era. Explicarei.
No milênio passado, concebeu-se um sistema de dominação ubíquo no qual um estado totalitário e opressor vigiava e controlava a vida dos indivíduos observando-os, um a um, através de uma TV/câmera interativa. O sistema imaginado no pesadelo era controlado por pessoas. A realidade revelou-se muito mais surpreendente que o sonho, nela, máquinas inteligentes espionam e controlam as vidas de todos nós. Funciona, basicamente, assim:
Tudo o que fazemos pela rede fica gravado algures. Todas as mensagens que trocamos, os cliques, o que olhamos, ouvimos, em que instante, tudo. Nossas mensagens em som e vídeo também estão salvas em algum lugar, toda a rede se fossiliza instantaneamente, aqui, nada se perde. O conceito de um ser onipresente avaliando e julgando cada uma de nossas ações tomou forma aqui.
Toda essa impensável massa de informações é analisada e triada. A palavra “bomba”, escrita aqui, terá chamado a atenção de algum sensor. Terá enviado um alerta para o programa responsável pela triagem, gerando uma análise mais profunda. Outros indícios talvez coloquem esse texto em suspeição ainda maior, alçando-o, assim como seu autor e leitores, a um grau maior de desconfiança, sujeitando-os a esquadrinhamento mais preciso. Conforme o grau avaliado, talvez o texto seja levado a um analista humano que completará triagem e análise, encaminhando informações mais “suspeitas” para seus superiores. Esse era o papel de Snowden.
A grande novidade em tudo isso, que permite a elevação da espionagem a um grau impensável anteriormente, é a inteligência das máquinas, que as torna capazes de analisar com precisão extraordinária uma quantidade gigantesca de dados, atividade sobre-humana.
Juntamente com as análises de textos e mensagens, muitas outras informações sobre a vida de cada cidadão são lançadas e gravadas algures. Seu telefone, por exemplo, informa constantemente sua localização. O posicionamento de cada telefone é acompanhado e gravado constantemente, assim como as mensagens trocadas por ele. Caso seja de interesse, (isso ocorre apenas com indivíduos considerado altamente suspeitos, ou relevantes por qualquer outro critério, espionagem industrial e política se somam a tudo isso) câmera e microfone de seu telefone poderão ser ativadas sem que você perceba. Quase todos os brasileiros mantemos nossas mentes na antiga era, não acompanhamos os novos tempos, não o compreendemos, embora estejamos inelutavelmente imersos nele. Os que não conhecem os rudimentos de computação, de programação de computadores, têm apenas um vago entendimento sobre tudo isso; vislumbram esse admirável mundo novo através de uma cortina de estupefação e desentendimento, seres atávicos, como índios remanescentes de outras eras.
Seu computador pode ser controlado remotamente por uma outra pessoa, completamente; qualquer aparelho computadorizado está sujeito a tal percalço.
Máquinas inteligentes analisam e desvendam nossos padrões de comportamento, sabem o que nos atrai, o que nos repele; conhecem nossas preferências, nossos desejos. Conhecem quase tudo o que ocultamos de outras pessoas, conhecem nossos hábitos, nossos padrões. Máquinas inteligentes podem prever e governar nossos comportamentos em um grau que nos causaria enorme estupefação, se conhecêssemos. Já vivemos nesse mundo. A tendência tem se acelerado fortemente, a dominação tende a ser total.
Se outros sinais, além de letras e números, fossem permitidos nas senhas, por exemplo: “é”, ou: “*”, as pessoas comuns teriam certa facilidade para se imunizar contra certos tipos de ataques. Frases são de fácil memorização, constituiriam boas senhas. Mas isso dificultaria o ataque de hackers estrangeiros, especialmente os que não utilizam acentos. Creio ser por essa razão que as senhas comuns excluam outros símbolos.
Sempre acreditei que os sistemas operacionais, os programas básicos dos computadores incluíssem portas para espionagem. Continuo achando que possuem, para espionagem e comando. Talvez possam ser desligados em caso de uma guerra. Outros programas certamente incorporam troianos análogos. A suposição deve soar paranoide a quem não conheça os rudimentos de computação.
Se levamos conosco um telefone, toda a nossa movimentação será monitorada e gravada. Pode-se saber, exatamente onde estivemos, quando e com quem. Carros computadorizados também são rastreados. As câmeras de vídeo já se encontram instaladas por todos os lados. Programas de reconhecimento de imagens já estão bem desenvolvidos, rostos podem ser seguidos por aí afora. Esse sistema ainda está longe da perfeição, mas já é extremamente eficiente, embora tenha muito a melhorar, o que está ocorrendo a passos largos. Em breve será impossível nos escondermos na multidão. Todas as transações comerciais e bancárias também nos denunciam. Nossas vidas se tornaram livros abertos.
Isso me faz lembrar um interessantíssimo programa de espionagem que vi na rede: duas pessoas conversavam próximas a um arbusto. O espião captava, então, certas vibrações nas folhas da planta, reflexos das vibrações sonoras induzidas nela pela conversa dos dois. Decodificava e ouvia, desse modo, observando a planta distante, a conversa ocorrendo ao longe. Bela concepção, magnífica execução.
Mas, já me perco em elucubrações paralelas, tratava da grande rede; perdi-me nos meandros de sua face mais perversa, a da dominação. Mas, reitero, foi esse o propósito que deu origem à rede, tem sido esse, provavelmente, seu principal combustível.
Neuronização II
Herdamos de nossos neurônios a maleabilidade para agir em grupo, a capacidade de entregar nosso sistema de controle para um outro nodo mais central da rede. Neurônios devem se deixar controlar assim, sua insubmissão implicaria pura desordem, falhas no sistema.
Hipnotizadores e parasitas podem se apoderar de nossos sistemas de controle e guiar nossas ações. Podemos ter imensa dificuldade em reconhecer o domínio de nosso eu por qualquer outra entidade.
Redes autônomas, como um cérebro, podem emergir da aglomeração de entidades independentes adquirindo propriedades emergentes complexas e muito distintas das de seus componentes.
Postos em grupos, costumamos nos deixar levar pela coletividade, diluindo-nos em uma alma coletiva que permitimos nos guiar. Trata-se do espírito de grupo diluindo-se em nós.
Creio que a maioria de nós já se mantenha conectada por todo o tempo. Temos dificuldade em nos desconectar do telefone, ou do facebook. O google também fica à disposição, skype e outros. Muitos, creio, passam suas vidas imersos em jogos. Quantos de nós já terão sido neuronizados?, engolidos por completo pela grande rede. Suspeito haver certo contingente de jogadores cujo cérebro se especializou em um único jogo, transformado em seu mundo. Imagino que a primeira cristalização, a primeira onda de neuronização tenha tal feição.
Consumidores compulsivos talvez sejam os seguintes, constituem alvo privilegiado, encontram-se sob mira e fogo constantes. Muitos desses se verão obrigados a manter um pé no antigo mundo, com vistas à obtenção de recursos para a manutenção de seu hábito.
Fofoqueiros. Como estarão esses na nova era? Creio terem mudado significativamente seus hábitos, mas certamente, ganharam enorme alento. Os fofoqueiros ganharam, recentemente, ferramentas poderosíssimas, esticaram olhos e ouvidos por extensões imensas, criaram tentáculos longos, diversificados e inúmeros. Têm delimitado suas próprias novelas, circunscrevem seus enredos. E mergulham na rede imensa, mar ilimitado. Talvez tais criaturas tenham importante papel de coesão no emaranhado da rede.
Compulsões sexuais talvez absorvam, por completo, um grande número de mentes. Torcedores de esportes conseguirão encontrar alimento para envolver a própria vida por completo? Talvez até os colecionadores de selos o façam, somos seres maleáveis.
Cristalizaremos na imensa rede, entregaremos a ela nossas vontades, nossos eus, permitiremos que ela nos guie, nos controle, abdicaremos do restante de nossas vidas, queremos estar imersos na rede por todo o tempo, sem nunca nos desgrudar dela. Transferiremos para ela nossa dedicação, nossa atenção, nossos desejos. Ela será nosso guia, nossa luz, nosso mundo; viveremos por ela.
Entregaremos a ela nossas almas.
Será assim. Ocorrerá desse modo a neuronização, a cristalização e incorporação completa de todos os indivíduos na rede. Abdicaremos, desse modo, de nossa individualidade, seremos partes da imensa rede, como neurônios em um cérebro. Isso ainda te repugna? Acaso pretende escapar?
Trans-humanismo
A nova era desponta em formato digital, e de maneira surpreendente. A humanidade chega a um ponto crucial: talvez nos atolemos em uma guerra suicida, e, em breve, nada mais reste de nós. O risco é enorme e iminente. Teremos sorte se conseguirmos evitar a catástrofe durante a inexorável transição do poder prestes a ocorrer. Uma guerra nuclear inviabilizará o planeta compelindo os sobreviventes a viver em buracos cercados de lixo, lástima completa.
De um ou outro modo, no entanto, vivenciaremos uma transição surpreendente rumo à trans-humanidade. Essas palavras repugnarão a todos os conservadores que exigem que o amanhã seja igual ao ontem, mesmo trocando seus telefones por novos, e desejando fervorosamente comprar as quinquilharias necessárias à composição da nova era.
Bastará que abdiquemos de computadores, telefones e demais parafernálias eletrônicas para que nada disso aconteça. Parecerá sumamente hipócrita demonstrar-se intensa indignação por tais fatos, e alardeá-la pela própria rede, alimentando-a.
Creio que erramos ao permitir e enaltecer a consecução de transplantes de órgãos. Foi o primeiro passo. Agora erramos novamente ao permitir implantes fúteis em nosso corpo. Terapias gênicas trarão imensas preocupações. Transgênicos devem ser proibidos de imediato.
Temos venerado tudo o que nos seja vendido com maravilhosos e benévolos propósitos medicinais, roupagem sórdida e mentirosa usualmente utilizada para justificar a voracidade por lucros. Essa gula, aliada à ânsia pelo poder conduzirá à superação e substituição da forma humana atual, a transição será radical e iminente.
Já nos acostumamos com transplantes de órgãos. Tatuagens e perfurações do corpo tornaram-se banais. Terapias gênicas nos serão vendidas sob a aura da benevolência e garantidas pela exorbitância de seus lucros. Redesenharemos assim as pessoas.
Usaremos telefones em nossos óculos, depois na superfície do olho, em seguida implantaremos os telefones em nossos corpos, permitiremos conexões diretas entre telas de computador e nossos olhos, entre seus circuitos e nossos cérebros. Nossos bebês, redesenhados geneticamente, receberão implantes cerebrais ainda no útero da mãe. Nanocriaturas circularão em nossos corpos, algumas delas ameaçadoramente. Os que manifestam horror hipócrita por tais novidades se verão fortemente tentados a comprar tudo isso. (Fui o inventor, na década de 90, da bigorna de celular, instrumento usado para a fixação de telefones a uma base).
Tudo isso encontra-se em andamento.
Em 30 anos, tais desenvolvimentos serão visto com naturalidade. As capacidades humanas terão sido ampliadas. Corpos e mentes estarão bio-eletronicamente alterados. O que segue daí é inimaginável para nossas mentes conformadas na antiga era. O trans-humanismo já está em curso. Máquinas inteligentes também estão a caminho, hibridizaremo-nos com elas. Passos dados nessa direção não têm retorno. A glutoneria desenfreada por lucros e poder garantirá a consecução de tais assombros. Tudo isso está em curso. Remanescentes da antiga era constituirão, apenas, relitos anacrônicos.
Oh, admirável mundo novo que encerra criaturas tais!