IMPORTÂNCIA DA LITERATURA VIRTUAL, UM ENSAIO SOBRE A OBRA DE TÂNIA MENESES
Neste texto, faz-se uma sucinta apreciação relativa a aspectos do fenômeno que ocorre na literatura brasileira, nesta fase inicial do século XXI, a manifestação da chamada literatura virtual. Esta chega ao leitor em tempo real e cresce vertiginosamente nos últimos anos, levando alguns pesquisadores e apreciadores da leitura a diversas hipóteses a respeito desse meio de difusão. Será um modismo? Estará se instaurando como um jeito novo de se fazer literatura? Há autores de real valor surgindo nesse filão? Correria a literatura o risco de ser frivolizada como aventou Mário Vargas Llosa?
A literatura tradicional mantém seu fascínio e parece ser impossível contradizer a afirmativa de Mário Vargas Llosa “as palavras gravadas no papel são as mais belas paisagens da imaginação.” Todavia, não se pode negar que a literatura artística alastra-se com inexplicável desenvoltura pela Internet, integrada por excepcional rede planetária. Explica-se essa preferência pelo virtual, a julgar pela grande velocidade da transmissão digital, pelo baixo custo de produção e autonomia de veiculação.
Por estar em pleno processo evolutivo, a ciberliteratura oferece certa dificuldade de sistematização, pela diversidade de produções estéticas elaboradas e diretamente jogadas em rede. É um processo relativamente novo que surgiu como que se desafogando das dificuldades decorrentes do modo antigo como os escritos literários eram levados a público. É possível ainda na atualidade o contato com a poesia, por exemplo, em livros, em determinados eventos, acessando um computador, ouvindo um DVD, disco flexível, Internet ou Web. Essa facilidade contrapõe-se ao que se fazia antigamente em saraus, ou quando os poetas e trovadores declamavam seus versos ao som da lira ou, em épocas mais próximas, ao som do piano.
Os poetas nunca se aquietaram e foram arrumando meios de aproximação maior com os leitores, buscando modernizar suas práticas, conforme as melhores possibilidades de comunicação transformadas em realidade no correr do tempo. Tal afirmativa já se podia autenticar em épocas remotas, pois em toda e qualquer oportunidade arrumava-se um pretexto para que os poemas fossem levados a público. Com o advento dos computadores e da Internet, hoje podemos falar da poesia feita em rede, ou seja, no espaço simbólico dos computadores, que é hipertextual e hipermediatical.
Há inúmeros sites literários com as mais importantes e valorizadas obras, com downloads gratuitos de clássicos da literatura universal que servem como relevante base de leitura, todavia sem sobrepor-se ou equiparar-se à literatura tradicional, dada à importância desta. Evidente, porém, é que a Webliteratura destaca a emergência de interseções comunicacionais que possibilitam intercâmbio entre emissores-produtores e receptores-consumidores.
A Internet exclui os intermediários editoriais e o autor passa a ser autossuficiente para editar, distribuir, alterar ou atualizar suas obras sem custos adicionais.
Estudos literários têm tradicionalmente versado sobre autores clássicos, modernos, pós-modernos e contemporâneos publicados no formato tradicional de livro de papel. Por outro lado, frente às facilidades ofertadas pelos meios de comunicação da atualidade, autores surgem em rede, permanecem à baila, produzem textos que contemplam basicamente todos os gêneros, muitos demonstrando qualidade literária acima da média em suas obras, todavia sem que despertem mais incisivamente a atenção da crítica especializada.
Estes e outros itens ensejam dúvidas sobre a qualidade literária de textos que surgem diariamente nos portais populares, dedicados à literatura. Todavia, não se deve subestimar o contexto em que se realiza a literatura virtual. Trata-se da veiculação de textos em canal aberto, totalmente democrático e no qual o autor tem o privilégio de atingir leitores de todos os níveis culturais, sociais, de idade, etc. Frise-se a possibilidade de interação autor/leitor e vice-versa. Seguindo essa linha de pensamento, fácil é depreender a necessidade de estudos especializados sobre a literatura via rede.
“A coisa mais bela que o homem pode experimentar é o mistério. É esta a emoção fundamental que está na raiz de toda ciência e arte. O homem que desconhece esse encanto, incapaz de sentir admiração e estupefação... esse já está, por assim dizer, morto, e tem olhos extintos. (...)”. (Einstein)
Na literatura cotidiana dos sites, há a possibilidade de se compartilhar idéias e emoções. Desta forma, a reflexão sobre o conhecimento humano, o encanto e o mistério do Belo coexistem nessa nova forma de literatura. Portanto, que os olhos estejam abertos para o novo e que acatem as possibilidades do moderno.
Os questionamentos mais frequentes são em relação ao livro de papel, ou seja, pergunta-se se a literatura virtual irá fazer com que os livros impressos desapareçam. Ao que parece, essa preocupação tem diminuído, mesmo no ambiente da mídia, pois quase todos os maiores jornais do planeta já podem ser lidos em formato digital.
Queiram ou não, a Internet é um suporte eletrônico de leitura que surgiu nos últimos tempos e que, embora tenha sofrido resistência dos representantes culturais da sociedade contemporânea, vem se firmando como canal aberto à difusão da arte.
É fato que livros publicados exclusivamente na Web têm sido baixados em expressiva quantidade, enquanto disponíveis gratuitamente. Essa alta procura dificilmente é alcançada pelas editoras, mesmo com livros que atingem sucesso de vendagem.
Não há como afirmar que a falência do livro de papel seja decretada em virtude da novidade em rede, mas é certo que esta chegou para ficar. A literatura via Web e a literatura impressa em papel, certamente, já estão caminhando paralelamente diante do interesse do público leitor. Por longo tempo, a poesia ficou relegada a segundo plano, se comparada ao interesse que se demonstrava pela escrita em prosa. Hoje, pela facilidade de acesso à literatura em rede, seja em prosa ou em verso, percebe-se que aumentou o interesse por textos poéticos.
Na esteira de um aumento considerável do número de leituras pela Internet, muitos até se aventuram a mostrar ao mundo o que escrevem e que, há algum tempo jamais ousariam sequer sonhar. A democratização se estende por toda parte e abre imensas e largas portas para a inclusão social. Entre esses que publicam textos, muitos ficam pelo caminho quanto a se tornarem verdadeiramente reconhecidos como escritores. Entretanto, um ponto positivo é que têm o gosto despertado para a leitura e também para a escrita.
O objetivo desta análise é observar a importância da literatura virtual enquanto elemento democratizador da leitura e da escrita.
Com o propósito de exemplificar o que acontece no mundo virtual quanto à literatura, enfoca-se neste ensaio o exemplo da professora e poetisa Tânia da Conceição Meneses Silva, sergipana, nascida em Aracaju.
A escritora possui duas escrivaninhas no Site Recanto das Letras, com 1693 textos publicados e 120.517 leituras na escrivaninha Tânia Meneses – 1; 1105 textos com 32.235 leituras na escrivaninha Tânia Meneses, até a presente data (09/01/2012). Números estes que perfazem um total de 2.798 textos e 152.752 leituras, aproximadamente, nas duas escrivaninhas. Essa estatística não deve ser menosprezada, pois representa uma fortuna crítica angariada pela autora, cujos comentários partem de leitores dos mais variados níveis culturais e sociais e de escritores filiados ou não ao portal. Vale ressaltar que a quantidade de postagem de textos e de leituras aumenta diariamente, uma vez que este tipo de contato entre autora e leitores ocorre diuturnamente. Seguem os poemas que abrem cada escrivaninha acima referidas, sendo que O olhar do gato, embora abra a escrivaninha 1, cronologicamente, não é o primeiro da escritora. Foi escrito em 05.03.06 e publicado em 16.09.07.
OLHAR DO GATO
o mundo é teu
mas o horizonte é meu
sopés
sapés
pássaros em revoada à tardinha
agasalhando-se
o mundo é teu
mas a lua é minha
o sol
o olho do dia
a boca da noite
a alvorada
o vento
as ondas espumantes
o oceano
o espírito da poesia
a força da oração
os quebra-pedras
os pega-pintos nas calçadas
as calçadas são boas
democráticas
o aparelho de som e o CD são teus
mas o som da música e o Amor são meus
a nostalgia é minha
a saudade é tua
o gato é teu
mas o olhar do gato é meu
o poder é vosso
este poema é nosso
Refere-se ela à sua Escrivaninha inicial no site Recanto das Letras como se fosse uma velha casa, onde sonhos e desejos estão cravados nas paredes e passos soam nos degraus de entrada. Nela há amores, alegrias, festas de aniversários e sons da música de seus poemas. Na velha casa, ainda há a porta aberta e as janelas pedindo novos ares a balançar as cortinas. Há os olhos que perscrutaram, há o som do piano antigo e a concertina a levar folia em frente a ela.
Visitei ontem a velha casa
Visitei ontem a velha casa
De sonhos, ilusões e encantamento
Visitei a velha casa onde restou guardado
Algum tormento
Avistei ali as pétalas secas cheirando a fim
E vi a quietude das ruas ensombradas
Divisei ângulos e da paisagem alguns retângulos
Algo que vivi e agora dormita num antigo armário estocado
Naquele local há beijos não beijados
Sôfregos abraços dependurados nas janelas
Cravos tristes e desfeitos, preces de ateus
Cenas de um casamento
Um amor perdido no tempo
Lírios murchos
Um adeus
O texto abaixo abre a segunda escrivaninha e foi postado em 31.10.10. É um poema que apresenta forte lirismo e certo grau de tensão representado pela combinação de palavras e metáforas que caracterizam a plurissignificação de seus versos.
Em ti meus olhos pensam
Em ti meus olhos pensam
Quando olham assim longamente
Suspiram meus olhos de saudades
Murmura meu peito de ardor
Assim como se fosse o mar
No mais intenso fragor
Voam aves em debandada
Respiro o ar do pensamento dos meus olhos
Tristemente
Buscando dar vazão à sua inspiração, a autora utiliza-se das ferramentas da era digital e faz jorrar um manancial riquíssimo que parece brotar de sua pele como se fosse um lençol freático de transparente lâmina poética. Lança mão de recursos de reconstrução da linguagem, para enfatizar o conteúdo. Elabora metáforas, sem recorrer, entretanto, ao abstrato que possa comprometer totalmente a compreensão do texto e persegue o concreto, demonstrando em sua arte a técnica de comunicar nas entrelinhas.
Essa reconstrução acontece não só quanto à linguagem, mas também ao modo de posicionamento da escritora perante a vida, pois quem produz arte não existe isoladamente, ou seja, à parte do mundo. A vivência e a leitura do entorno refletem-se claramente na literatura. Nesse refazer poético, há a união de valores pessoais, sociais e culturais de sua época, fortalecidos por ideologias, pela forma de ver, de analisar e confrontar-se com a sociedade e com o universo. A proposta poética defende a condição humana e não foge do desafio de contrapor-se e ultrapassar algumas vertentes.
Seria correto afirmar que ocorre na obra em questão um discurso em que cada evento circunstancial de movimentação cotidiana, na sociedade e na história contemporânea, funciona como matéria prima para inspiração e contato com o leitor.
Fazem mal
Quem sabe um tema neutro
O recado do coronel da marinha iraniana aos navegantes dos Estados Unidos
Quem sabe desse jeito
Dê algum jeito
De fundear a poesia
Lá bem no meio do mar
Então morrerá afogada
E coisa alguma sobrará pra se dizer
Pra amor fazer
Pra guerra cessar
(...)
O lirismo recorrente em muitos de seus poemas, com características próximas ao Simbolismo, revela uma poesia confidencial que se completa quando o leitor capta a mensagem contida nos versos. A obtenção de tal resultado sugere a seguinte afirmativa de Goethe “estilo não é (...) nem o particular puro, nem o universal, mas o particular em instância de universalização e o universal que se despe para remeter a uma liberdade singular.”
O volume da obra, sobre a qual aqui se discorre, apresenta variedade de temas, gêneros e tipologia textual. Há como que um sobrevoo feito sob um olhar investigativo da realidade contemporânea.
Para Luiz Carlos Travaglia, o gênero textual exerce uma função social específica, função esta pressentida e vivenciada pelos usuários, o que significa que o texto atrai o leitor como se fosse algo relacionado a ele ou muito próximo, com direito a interação, de acordo com a função social estabelecida e contextualizada no momento da leitura, como se a poeta falasse pelo leitor.
Travaglia aponta, ainda, a questão da espécie textual, que tem a ver com os aspectos formais de estrutura e a superfície lingüística e/ou de conteúdo.
O poema a seguir, com tema inspirado na música do mesmo título, de Giuseppe Verdi, sugere ao leitor a movimentação musical que interfere no fazer poético.
"LA DONA È MOBILE"
... Al vento
Voam os versos
Em todas as direções
Al vento
Sopro e alento
Voam os versos
Suaves movimentos
Diferentes notas
Soam sonatas
Al vento
AL vento
Voam
Sorrisos
Lamentos
Al vento
Va la donna
Al vento
Há, inclusive, entremeada à obra, um cotidiano poético, por vezes comum, banal, corriqueiro, sugerindo a ideia de uma poesia prosaica. Entretanto, aprofundando a leitura e estendendo-a ao todo da obra, percebe-se que existe um substrato de melancolia em contraponto com a alegria de viver, há a metapoesia, o humor e a cultura popular. Tudo se mescla na temática desenvolvida pela escritora, cuja poesia vai da mulher lasciva, em alguns momentos a espiritualizada, em outros. Em determinadas composições, é visível a busca pela palavra exata fundindo-se com a realidade da poesia anti-lírica e dessacralizada, em clara engenharia de construção poética, bem como ainda é perceptível na obra aqui visitada, um conjunto de nuanças de poesia de temática social e política, como em:
SOBERBA IGNORÂNCIA
Ao meu semelhante perdido
Na interminável noite
Das drogas
Estendo a mão
Isto eu o faria
Talvez para mostrar-lhe
Do alto da minha montanha
De soberba ignorância
A parcela humana privilegiada
Para a qual é sempre dia
A autora comentada geralmente abre mão da pontuação ortográfica, sem, contudo, prejudicar a clara compreensão de seus versos, tampouco o ritmo. Não faz questão de seguir teorias nem prega regras a serem obedecidas, como se quisesse dizer, a exemplo de Drummond, que a poesia está no fazer, não no discorrer.
A característica de liberdade evidente na obra de Tânia Meneses explicita-se como uma crítica às regras rígidas exercidas sobre a linguagem. Em A Gramática Normativa, publicado em 13.10.10, diz textualmente, não odiar a gramática nem morrer de amores por ela.
“Quem muda a mesmice é o líder, seja ele um guerrilheiro ou intelectual das letras. É o caso de Saramago e de tantos outros. Eu não gostaria apenas de passar, gostaria de voar, mas ainda me encontro muito atada às concepções adquiridas nas aulas das inúmeras disciplinas do Curso de Letras. Disciplinas Nazilinguísticas que nos fizeram acreditar num purismo inexistente.” Segundo a poetisa, “O verso é traiçoeiro, a rima é dissimulada, a estrofe é nada, a forma menos ainda.” Em Omissa, ficam estabelecidas a liberdade de criação e a ausência de amarras na arte literária da autora, bem como a deliberada rebeldia presente em quase toda a sua produção. Este poema também emite um conceito que envolve moral e ética, um posicionamento da poetisa quanto à vida e à liberdade de pensamento.
OMISSA
deliberadamente omissa
não rezo em toda cartilha
nem sigo de outros o credo
muito menos
frequento
suspeita missa
Na tentativa de definir poesia, a escritora elabora reflexões diversas, de várias formas e perspectivas, sob óticas diferentes, identificando-a, por vezes, como algo que chega a ser metafísico, de tão impalpável. Algumas definições são aqui expostas em frases, estrofes e poemas: “A poesia é a irrealidade, o sublime, o inalcançável e o inalcançado”; “A poesia é sarcástica, masoquista e sádica. É princesa voluntariosa, caprichosa e tirana”; “Não há adjetivos que satisfaçam a poesia, tão exigente é”; “A poesia é uma sanguessuga, é o cupim da alma, o bicho que come as carnes dos cadáveres, assim como levou toda a essência de Augusto dos Anjos.”
Só a poesia diz quando é noite
Só a poesia se pode dar ao luxo
De fazer estripulia
De caminhar na corda bamba
De deslizar dos dedos as extremidades
No fio da navalha
De cremar-se na fornalha
De enfrentar barricadas
De rasgar as roupas
E ferir a própria carne
(...)
Soberania
Aquele que tem a poesia é rei destituído
Soberano de reino algum vagando ao léu
Quem tem a poesia
Consegue duplamente ser
Vítima e réu
Brinde à poesia
A poesia me permite entranhar um nome ao vento
[das praias
E perfura também as paredes grossas dos castelos
(...)
A poesia mergulha na minha taça de vinho
VUELO
a poesia é passarinho
pergunte a Quintana
a poesia emana
das penas da ave
poesia cigana
O crítico Hans Robert Jauss procurou privilegiar o leitor no ato interpretativo do texto literário e disse que o diálogo entre a obra e o público oferece uma construção de continuidade, onde deixa de existir oposição entre aspectos históricos e aspectos estéticos, ocorrendo, desta forma, uma ligação entre a literatura do passado e a experiência literária de hoje, da qual não se exclui a virtual (grifo nosso).
Granger situa o estilo como o lastro do individual na atividade científica, resíduo não passivo de estruturas e diz que o sujeito não é uma subjetividade pura (1968, p.21). Em linha paralela, o pensamento de Possenti se volta para a inserção da linguagem no real, o que significa dizer que os textos escritos são um produto sempre inacabado, de um processo que continua enquanto existir alguém que trabalhe com a historicidade dele. São as marcas recuperáveis e interpretáveis, com significação identificável. (1988, p.165).
Sartre tratou da relação entre autor e leitor dizendo que a leitura coloca ao mesmo tempo a essencialidade do sujeito e do objeto:
“O objeto é essencial porque rigorosamente transcendente, porque impõe as suas estruturas próprias e porque se deve esperá-lo e observá-lo; mas o sujeito também é essencial porque é necessário, não só para desvendar o objeto (isto é, para fazer com que haja um objeto), mas também para que esse objeto seja em termos absolutos (isto é, para produzi-lo). Em suma, o leitor tem consciência de desvendar e ao mesmo tempo de criar; de desvendar criando, de criar pelo desvendamento. Não se deve achar, com efeito, que a leitura seja uma operação mecânica, que o leitor seja impressionado pelos signos como a placa fotográfica pela luz.” (SARTRE, 2006, p.37).
Vygotsky, pensador russo, entre outros temas, desenvolveu estudos sobre a origem cultural das funções psíquicas superiores do ser humano. Dizia que este se constitui como resultado da interação social. Para ele, é como se a cultura moldasse o funcionamento psicológico da pessoa. Não aceita ele a hipótese de idéias e funções muito fixas e imutáveis, cita o cérebro como algo aberto, como se fosse um sistema de grande plasticidade, com funcionamento moldado ao longo do desenvolvimento individual. Ou seja, as funções psicológicas nascem das relações do indivíduo e seu contexto cultural e social. Em assim sendo, compreende-se a fácil identificação dos leitores com os textos de cunho artístico com que se deparam em portais de literatura, desde que esses textos correspondam às suas necessidades e sentimentos.
Não obstante o ir e vir do moderno ao clássico, do clássico ao contemporâneo, a poetisa em estudo neste ensaio manifesta-se num constante movimento de recriação e reinterpretação de informações.
Bakhtin afirmou que “o homem não nasce só como um organismo biológico abstrato, precisando também de um nascimento social”. Dizia ainda que a produção das ideias, do pensamento dos textos tem sempre um caráter coletivo, social. Assim, é com as palavras do outro que o nosso próprio pensamento é tecido. A afirmativa de Bakhtin converge para as conclusões de Vygotsky, Jauss, Granger, Sartre e Possenti no sentido de que os textos escritos unem-se às intenções do leitor e seguem trajetórias diversas, além das pretendidas pelo autor.
Ainda conforme Bakhtin, “um texto vive unicamente se está em contato com outro texto.” Nas idas e vindas literárias da obra aqui tangenciada, entre o passado e o presente, a arte põe-se em contato com poetas de gerações e correntes literárias anteriores, quando a poeta questiona:
Fernando Pessoa, você me perdoa?
É possível crer e descrer
simultaneamente
Pois em cada ser humano
Habita muita gente
Ou quando, inspirada em A flor do sonho, de Florbela Espanca, expõe
Manchas de carmim
Ensina-me, Florbela,
Diga-me como penam assim
Teus versos de cetim
Neles deposito flores de sonho
Cravos crivados na lapela
Manchas de carmim
Ousando um pouco mais, a poeta responde ao Onde estás?, do baiano Castro Alves:
AQUI ESTOU
Ouço o vento... está zumbindo
Esfria-me a ventania,
Meu sorriso perde a graça,
No meio da noite fria.
Minh’alma é muda, lassa
Por amor tudo se faz:
“Digo ao vento, peito aberto,
Aqui’stou, no lugar certo”
Mas, o vento volta esperto,
Não leva o que se responde:
“Aqui estou, onde estás? ...
(...)
Os textos literários podem ser autônomos, isto é, podem surgir pura e simplesmente da inspiração imanente de um autor, porém também pode acontecer de um texto alimentar-se de outros, literários ou não, pois fazem uso da mesma matéria prima, ou seja, da palavra, cuja essência é o fenômeno social da interação. Há poemas da autoria de Tânia onde se restabelece o contato entre autores, não à semelhança de uma busca angustiada do passado ou restauração dele, mas para que haja um reaparecimento desse passado no ato da leitura. No “encontro” que faz com outros autores, a obra que aqui se comenta demonstra a formação clássica da poetisa, mas que se coloca em contato direto com o leitor deste século. Assim, dialoga com Gregório de Matos Guerra em
IMPLÍCITA
Todo o dia ela passava
Com os cotovelos no batedor
Da janela
E o par de brincos em ouro mostrava
Pois que nenhum
Olhava pra ela
Veio um, enfim, e disse assim
Por que suspiras, ó orelhuda
(...)
Com Baudelaire, em
EMBRIAGUÊS (inspirado em Embriaguem-se, de Charles Baudelaire
Somente de poesia
Quero embriagar-me
Beber versos leves ou desengonçados
Poesia na natureza e na beleza
Dos telhados
(...)
E ainda surge
Conversando com Cassiano Ricardo
Pouco importa
A lua morta
Batendo torta
À minha porta
Tânia dialoga com Clarice Lispector, concatenando idéias e interpondo questionamentos, como se ambas estivessem em tempo real e frente a frente, num momento de confabulações. Em “Um sopro de vida”, Clarice diz: “Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou sabe. Perigo de mexer no que está oculto (...). Ao que Tânia interpela: “Eu não temo escrever, Clarice. Teria você esquecido de dizer que ler é mais perigoso ainda? Ah, Clarice de todos nós, ler é amedrontador. Ler pode reviver momentos e nos levar perigosamente ao passado. Por isto rasguei as páginas. Acontece, Clarice, que descobri que as cartas estão escritas em mim. Descobri quão nítidas estão, e impiedosas.” (Tânia Meneses - Tenho medo de escrever. É tão perigoso- Clarice Lispector).
Impossível falar de literatura sem mencionar a linguagem, esta que nasce das emoções. Citando Rousseau em seu Ensaio sobre a origem das línguas, “(...) as primeiras línguas foram cantantes e apaixonadas antes de serem simples e metódicas.” Bernardo Soares, heterônimo de Fernando Pessoa, assim se referiu às palavras: “Gosto de dizer. Direi melhor: Gosto de palavrar. As palavras são para mim corpos tocáveis, sereias visíveis, sensualidades incorporadas. Talvez porque a sensualidade real não tem para mim interesse de nenhuma espécie (...) transmudou-se-me o desejo para aquilo que em mim cria ritmos verbais (...)”.
A obra de Tânia Meneses não passa ao largo da importância da linguagem e das palavras e da constante declaração de amor pelo código linguístico, como se pode verificar no poema abaixo,
ENTREPALAVRAS
Palavras são inodoras
Bichos mortos, palha
É nas frestas entre elas
Que habita para sempre
A origem do pensamento
A eternidade
E o fugaz momento
Invariavelmente, a poeta sergipana tem cantado a palavra:
PALAVRAS
A palavra vive
Em desaforo se abre
Em beijos estala
É busto arfando
Pernas se abrindo
Coração pulsando
Pulula a palavra
(...)
Sendo a palavra o elo que fortalece a linguagem e esta a ponte entre o leitor e a poeta, confirma-se, então, que a literatura é um processo contínuo que acompanha o desenvolvimento da sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este ensaio sobre literatura veiculada na WEB logrou apresentar um esboço sobre a reflexão que percebe na literatura uma arte que continua fincando raízes e tem uma história de modernização e rompimentos de barreiras.
A escritora focalizada mobiliza sua experiência através da linguagem de seu tempo, cria empatia entre a produção e o público e promove uma arte literária que absorve os recursos da nova mídia, tanto nos processos de criação como de difusão.
Lygia Fagundes Telles disse crer que a função do escritor “é a de ser testemunha de seu tempo e da sua sociedade. Escrever por aqueles que não podem escrever. Falar por aqueles que muitas vezes esperam ouvir de nossa boca a palavra que gostariam de dizer”.
A literatura poética não surge em um estalar de dedos ou de um toque mágico de alguma varinha de condão. Para a leitura e apreensão das mensagens contidas no bojo de textos literários, há a necessidade de observação dos preceitos teóricos que levam à compreensão clara desses textos.
Quanto à Tânia Meneses, esta tem demonstrado, além do forte traço modernizador de sua literatura, muita
Coerência poética
Antes de ser poeta
É preciso ser anjo
Cantar aleluias
Tanger banjos
Neste quarteto, a autora mostra que o estado contemplativo a que a poesia remete é uma viagem paradoxal, na qual a liberdade enriquece-se com a contemplação, em comunhão com o real. Tendo as asas da poesia, como anjo, pode-se sobrevoar o mundo dos homens em busca do Belo e dividi-lo com seus leitores, unindo num todo a poetisa e o universo, cuja acolhida dá-se ao tangerem os banjos.
REFERÊNCIAS
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http://www.recantodasletras.com.br/poesias/3422336
http://www.recantodasletras.com.br/artigos/2553366
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Janeiro de 2012
Publicado em: 10/01/2012 00:27:50
Última alteração:10/01/2012 23:33:18