AS ADAPTAÇÕES DAS OBRAS LITERÁRIAS PARA O CINEMA
Ao lermos uma obra literária, mergulhamos no mais íntimo dos sentimentos das personagens, nos identificamos com elas, sofremos e torcemos para que tudo dê certo, ou seja, é como se vivêssemos ou fizéssemos parte da obra. Sentimos fortemente a essência da obra por meio das palavras do autor.
Muitas das obras literárias são adaptadas para o cinema. Então, percebemos que falta algum detalhe importante da obra, uma personagem deixa de aparecer ou uma cena importante não foi retratada no filme etc. São esses pontos que fazem com que o cinema sofra muitas críticas no sentido de realizar adaptações superficiais, de não compreender o verdadeiro sentido da obra literária e até mesmo de as desvirtuar. Muitas vezes as adaptações cinematográficas ficam devendo às obras literárias.
Raramente um roteiro adaptado vai ser totalmente fiel à obra original. A própria palavra "adaptação" tem o sentido de transportar um gênero para outro, deixando claro que se devem fazer ajustes, através de correspondências ou transformações necessárias, para que o roteiro seja eficiente. Deve ser compreendido que um filme adaptado não é um romance filmado, mas uma forma totalmente diferenciada, com características próprias, de narrar a história a partir de uma referência externa.
O trabalho de adaptação de obras literárias para o cinema deve levar em conta essa diferenciação, pois um filme possui uma dinâmica própria, que não deve ser confundida com a dinâmica da obra em si. De fato, há certas particularidades na adaptação de obras literárias para o cinema, que devem ser consideradas a partir da consciência de que se trata de artes muito distintas, e que, portanto, tem objetivos, formatos e expressões diferentes.
Como o cinema é uma arte que se aproxima da literatura pela narratividade, o autor Assis Brasil diz que algumas vezes o processo literário serviu ao processo cinematográfico. Mas o filme e o livro são obras de artes diferentes, que não se manifestam pelo mesmo meio ou para o mesmo fim. O autor alega que “um romance não vive de ideias filosóficas ou moralizantes, assim como um filme não vive de ideias literárias que a imagem não possa absorver e transmitir”. (BRASIL, 1967, p. 12). Temos que levar em consideração que a adaptação de uma obra literária é uma releitura do diretor, é uma ideia que ele expõe no filme.
Assis Brasil acredita que quando se propõe a criar uma adaptação de uma obra literária, não é raro que o cineasta tenha de se afastar da obra original, para poder criar personagens autônomos e não correspondentes à obra literária em outro meio de expressão. É claro que o enredo normalmente será o mesmo, mas isso não impede que ele seja apresentado na linguagem específica do cinema. Contudo, mesmo com sua autonomia no campo da linguagem, a adaptação tem, acredita Assis Brasil, de alguma forma conservar o “espírito” da obra literária, ou seja, a sua essência.
Mas a partir das palavras de Assis Brasil, podemos levantar um questionamento: o diretor do cinema deve manter essa essência e/ou esse espírito da obra literária, já que são artes totalmente distintas? A crítica atual acredita que a intenção do autor ao escrever o livro não deve ser mantida pelo diretor em seu filme, pois livro e filme são obras de artes diferentes, criadas por artistas diferentes que não partilham a mesma visão do mundo e muitas vezes não compartilham a mesma cultura ou tempo. Podemos citar, por exemplo, as novas versões de “Alice no país das Maravilhas”, e “As crônicas de Nárnia”. São autores diferentes (diretor e escritor), são obras que foram produzidas no século passado que não partilham do mesmo tempo que foram produzidos os filmes.
Assis Brasil continua dizendo que a grande preocupação do artista sempre foi dar à sua obra autonomia criativa em relação ao mundo em que ele e sua criação se inserem. Isso não é diferente no campo de adaptação cinematográfica. É por isso que alguns cineastas realizam mudanças na obra literária nesse processo de adaptação, para poderem criar algo com autonomia, tanto no campo da linguagem, quanto no campo do estilo.
Silva (2012) afirma que não é possível considerar numa adaptação o filme como cópia em outra mídia do livro; a obra cinematográfica é uma tradução criativa e crítica da obra literária e, portanto, deve ser considerada uma obra por si só, que não vê no livro um molde ou meta para ser alcançada, mas como um ponto de partida de um processo complexo que admite e prevê mudanças. Por isso, não podemos exigir do filme fidelidade ou exatidão em relação ao livro, pois, não apenas o diretor lançou um olhar critico sobre a obra e lhe deu certas interpretações, como nós também, leitores, fazemos isso.
Seria impossível fazer um filme exatamente igual à obra até porque o tempo do filme é muito curto em relação à extensão da obra literária. Em “Harry Potter e as Relíquias da Morte”, de J.K. Rowling, por exemplo, inicialmente vista como uma jogada comercial, teve seu último livro adaptado em dois filmes porque não daria para mostrar os capítulos finais da história do menino bruxo em um único filme de pouco mais de duas horas.
Em suma, fazer uma leitura aproximativa entre uma obra literária e uma obra cinematográfica não é um tarefa fácil uma vez que ambas recriam um mundo ficcionais diferentes e deixam ao leitor ou espectador a responsabilidade de também construir parte desse mundo. Para ter mais contato com a obra integral, devemos ler primeiramente o livro e só depois assistir ao filme, por conseguinte tirar suas conclusões, suas analogias etc., e principalmente perceber que são obras de artes diferentes.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Assis. Cinema e literatura: choques de linguagem. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 1967.
SILVA, Taís Maria Gonçalves da. Reflexões sobre Adaptação Cinematográfica de uma Obra Literária. Anu. Lit., Florianópolis, v.17, n. 2, p. 181-201, 2012. ISSNe 2175-7917. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/.../2175-7917.2012v17n2p181 . Acesso em 18 de abril de 2014.