ESTUDOS MAÇÔNICOS- EVOLUÇÃO OU CRIACIONISMO: ONDE ESTÁ A VERDADE?
 
 
“ Depois quando permitiu que a noite existisse para que aparecessem as estrelas, Deus se volveu para a sombra que engendrou e a olhou para lhe dar forma.
“ Imprimiu uma imagem no véu com que havia coberto sua glória e essa imagem lhe sorriu e quis que essa imagem fosse a sua para criar o homem á semelhança dela.
“ Experimentou, de certo modo, a prisão que queria dar aos espíritos criados. Olhava a forma que deveria ser, algum dia, a do homem, e seu coração se enterneceu, pois presumiu as queixas da sua criatura.
“ Tu, que queres submeter-me á lei, dizia, prova-me que esta lei é justa, submetendo-te tu mesmo á ela.
“ E Deus se fez homem para ser amado e compreendido pelos homens.” (...)[1]
 
A visão criacionista
                        
A antropologia bíblica é um tanto ambígua quando fala da criação do homem. Em Gênesis, 1: 2, 6, encontramos o seguinte texto: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança, e presida aos peixes do mar, às aves do céu, e aos animais selváticos e à toda terra, e a todos os répteis que se movem sobre a terra.” Desse estranho enunciado, extraímos logo que Deus não estava sozinho quando fez o homem, pois a sua locução foi registrada no plural (façamos o homem). E depois, que o homem foi criado a partir de uma imagem que já existia, ou seja, a do próprio Deus ou quem com Ele estava naquele momento.
Até aí tudo bem, pois poderíamos estar diante apenas de uma questão de linguagem. Podia dar-se o fato de que Deus estivesse falando consigo mesmo e se referisse a si mesmo no plural como muitas vezes fazemos quando estamos conjeturando. Afinal, sendo Ele plurimorfo, onividente e sempiterno, não haveria nada de estranho nessa locução.
O problema vem depois quando a Bíblia trata da descendência de Adão.

Então
ficamos sabendo que o primeiro filho do casal terrestre foi Cain, e o segundo Abel. Os dois entraram em conflito e Cain, o mais velho, matou Abel. Deus não gostou nem um pouco dessa ação e colocou sobre a face de Cain uma marca. Depois mandou que saísse das cercanias do Éden, onde a família de Adão fora morar após sua expulsão do paraíso. A marca, segundo o cronista bíblico, foi posta em Cain para que, aquele que o achasse e identificasse, não o matasse, pois se o fizesse, Deus tiraria do assassino a sua vingança.
Ressalta, desde logo, que Cain e Abel não eram os únicos seres na terra além de seus pais Adão e Eva. Pois se fossem, quem seriam aqueles que poderiam achar Cain e o mata-lo?
E Deus confirma essa assertiva dizendo: “Não será assim, mas qualquer que matar Cain será castigado sete vezes mais.(...)  E Cain, tendo se retirado da face do Senhor, andou errante sobre a terra, e habitou no país que está ao nascente do Éden.”  [2]
Logo adiante se diz que Cain conheceu sua mulher e com ela gerou um filho a quem chamou de Enoc. Mesmo considerando o que se diz em Genêsis, 5; 4, que Adão viveu oitocentos anos e gerou filhos e filhas, de certo a mulher de Cain não podia ser sua irmã, pois Cain havia “ se retirado da face do Senhor” e habitado num país ao nascente do Éden, longe portanto do local onde habitava sua primitiva família.
Assim, pois, tudo está a indicar que a família de Adão não foi a primeira entre a espécie humana, e que quando Deus o fez “à sua imagem e semelhança”, outros seres humanos, ou a eles semelhantes, já existiam sobre a face da terra.
                 
A visão evolucionista
 
    Os adeptos do evolucionismo tem algo a dizer sobre esse assunto. Eles acham que a criação do homem, conforme sugere a Bíblia, é uma metáfora que exprime o momento em que o homem se destaca entre as espécies animais, adquirindo a capacidade de refletir. É o momento em que ele se torna humano. Por isso se diz que o Senhor Deus o “formou do barro da terra e inspirou no seu rosto um sopro de vida.” O “barro da terra” é um simbolismo utilizado para designar o primitivo ancestral humano, evoluído da sua matriz animal. E o “sopro divino” é a condição mental adquirida pela espécie humana quando desenvolveu a camada neural que lhe deu a capacidade de refletir.[3]
Esta tese, sustentada pelos antropologistas e psicólogos do evolucionismo, vê o homem como resultado de uma longa evolução que se processou no correr de milhares de anos e que foi conduzida pela sua necessidade de desenvolver meios cada vez mais eficazes de sobrevivência, em face de um ambiente hostil. Assim, o homem, á medida que ia descobrindo essas qualidades neurológicas, que o fazia cada vez mais sábio, ia também adicionando novas camadas neurais á estrutura do seu cérebro, as quais foram também legadas aos seus descendentes como herança biológica. O homem, portanto, é produto de uma longa evolução, que ainda não terminou. [4]
 
Visão esotérica da criação
 
Outra tese, defendida por correntes místicas da Cabala e da Teosofia sustentam que o homem não foi feito pelas mãos de Deus, mas sim pelos seus dignatários angélicos, os Elohins. Elohin, segundo os ensinamentos da Cabala, é o nome atribuído a Deus na terceira etapa de manifestação divina no mundo real. E também designa uma Ordem angélica que preside a sétima etapa da construção universal, simbolizada na Árvore da Vida pela séfira netzah.[5]
Por isso temos, na descrição bíblica desse evento, a expressão no plural “façamos o homem à nossa imagem e semelhança.” Quer dizer, não foi Deus que fez Adão, mas sim uma Fraternidade angélica denominada Elhoin.  Esta seria uma ideia que estaria mais consentânea com a própria crença dos mestres da religião de Israel, pois um dos pressupostos fundamentais da religião hebraica é que Deus não tem forma nem nome conhecido pelos homens, razão pela qual nenhuma imagem sua poderia ser reproduzida e o seu verdadeiro nome só era conhecido de alguns poucos iniciados. Aliás, a proibição de reprodução da imagem divina e a pronúncia do nome de Deus em vão constituíam dois dos mais severos mandamentos do Decálogo, e quem os violasse era punido com a morte mais horrível. 
Destarte, dizer que o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus, constituiria, pois, uma grande incoerência que os sábios de Israel jamais cometeriam. E é nesse mesmo sentido que Jesus ensina que Deus é Espírito e como tal deve ser adorado.
Segundo a tradição cabalística, Adão, o homem da terra, foi feito conforme o modelo do “homem do céu”, conhecido como Adão Kadmon. Esse “modelo” seria inspirado na própria imagem dos anjos, estes sim, semelhantes ao homem em sua forma.
Por isso é que o Livro da Criacão (Bereschit), ao se referir á criação do

mundo diz “ Bereschit
bara Elohim...” (No começo os Elhoim criaram...) e o salmista repete essa fórmula cantando: “Que é o homem para que com ele te importes? E o filho de Adão para que venhas visitá-lo? Tu o fizeste um pouco menor do que os anjos e o coroaste de glória e de honra. Tu o fizeste dominar sobre as obras das tuas mãos; tudo sujeitaste debaixo dos seus pés:…[6]
Nesse sentido é que essa ideia vem expressa no Zhoar quando o mestre cabalista diz que "se o mundo tivesse sido obra da essência divina chamada Jehováh, tudo nesse mundo teria sido indestrutível; mas como o mundo é obra da essência divina chamada Elohim, tudo está sujeito à destruição; e é por isso que as Escrituras dizem : "Vinde e vede as obras de Elohim que estão sujeitas à destruição (schamoth) sobre a terra",  (...). E "Rabbi Issac disse: (...) se o mundo tivesse sido criado pelo nome de misericórdia, isto é, pelo nome de Jehovah, todo o mundo teria permanecido indestrutível; mas como o mundo foi criado pelo nome do rigor, isto é, pelo nome de Elohim, tudo é perecível nesse mundo" (Sefer há Zohar, I,58,b).
Como sabemos, a Cabala é uma forma de linguagem que explora o recurso da metáfora para explicar os grandes segredos contidos na Bíblia. Assim, a criação do homem, segundo essa linguagem, não pode ser vista literalmente como uma ação de Deus, fazendo um molde de barro e insuflando nele a vida, com um mero sopro. Trata-se, na verdade, de uma operação muito mais complexa, que integra todas as recentes descobertas feitas pelos cientistas da física nuclear, a antropologia e a moderna engenharia genética.[7]    
 
A visão espiritualista da Maçonaria
 
  Destarte, podemos ver que os adeptos da teoria da evolução dizem que a humanidade evoluiu de uma matriz animal até a configuração que temos agora. E que os adeptos do criacionismo sustentam que nós nascemos perfeitos, mas nos tornamos imperfeitos por força de uma série de quedas e ascensões em nosso processo evolutivo. São duas teorias que, em princípio, parecem diametralmente opostas. Uns dizendo que já fomos piores do que somos hoje e outros sustentando que já fomos melhores. Mas, na essência dessas duas teorias podemos ver que, na verdade, elas não se contradizem; antes, elas se completam, pois ambas sustentam que a vida está submetida á um processo de evolução que é inexorável. Se nascemos rastejantes como répteis e num processo de evolução nos alçamos até a altura dos céus, ou se nascemos nos céus e por um motivo qualquer descemos á terra e agora estamos nos esforçando para voltar ao céu, são apenas formas diferentes de ler o mesmo processo. Uma vai do pé para a cabeça, outra da cabeça para o pé. Acreditar em uma ou outra depende da sensibilidade de cada um. No fundo, a verdade que exsurge é uma só.  Foi Deus que fez tudo isso e com um propósito. Podemos não saber qual é esse propósito e qual o processo pelo qual Ele constrói o universo e a vida que o anima. Mas seja qual for a visão que tenhamos desse assunto, o que fica, no final de tudo, é a ideia de qualquer coisa, para ser entendida, precisa ter um começo. Deus é o começo de tudo e de toda a razão de existência. Por isso não satisfaz ao maçom pensar nele como um ancião de barbas brancas, semelhante a um velho patriarca bíblico, que procura criar e manter sua família confinada ás tradições de um clã, como fazem os criacionistas, nem se comunga com a visão evolucionista – por muitos chamada de científica –, que vê a Divindade orientando um processo de criação que se assemelha ao trabalho de um pecuarista selecionando crias para melhorar a sua espécie. Ao contrário, na Maçonaria a ideia é a de que aqui estamos como operários de Deus, construindo alguma coisa que Ele arquitetou. Por isso o maçom é o pedreiro da obra universal e Deus é o Grande Arquiteto do Universo. 
 
                                      
 
 
 
 
[1] Comentários do Rabino Shimon Ben Iochai á Sepher há Dziniouta- O Livro do Mistério Oculto, a bíblia cabalística. Cf. Eliphas Lévi- As Origens da Cabala- Ed..Pensamento, São Paulo. 
[2] Idem, 4;16
 
[3] Esse sopro, é, segundo a tradição cabalística, a Palavra Sagrada, ou a Sabedoria, que permitiu ao homem colocar “ordo ab chao”, ou seja, adquirir consciência de si mesmo e do mundo e organizá-lo de uma forma lógica.
[4] Ver, a esse respeito, Daniel Coleman- Inteligência Emocional, Edit. Objetiva, 1995. Teilhard de Chardin também defende um desenvolvimento semelhante a esse para a espécie humana. Ver, nesse sentido, a sua monumental obra “O Fenômeno Humano”, publicado no Brasil pela Ed. Cultrix, 1968.
[5] Knor Von Rosenroth - Kabbalah Revelada, pg. 50
[6] Salmo 8:5
[7][7] Ver, nesse sentido, Raimond. Ruyer- A Gnose de Princeton. São Paulo. Cultrix, 1974. Ver também Fritjof Capra-  O Tao da Física, São Paulo, Cultrix, 1992