Sobre crenças e práticas médicas
Estamos imersos em uma cultura e compartilhamos certas crenças, entre elas, a de que algumas pessoas, os médicos, possuem certos poderes, ou conhecimentos curativos. Quando temos uma doença e nos sentimos mal, vamos a um médico na esperança de que ele nos prescreva um medicamento e nos restabeleça a saúde, e se isso acontece, reforçamos nossa crença nos poderes curativos, no conhecimento medicinal, dessas pessoas.
Parece que todas as culturas possuem categoria análoga, que todas distinguem alguns indivíduos com a tarefa de cuidar da saúde das pessoas, embora, em cada cultura, sejam utilizados pressupostos e métodos completamente diferentes.
Tendemos a achar bem tolas e ineficientes as danças da chuva e as rezas para espantar maus espíritos supostamente realizadas por índios. Consideramos que, se nossos médicos nos curam, baseados em certos pressupostos fisiológicos de nosso corpo, as doenças curadas por eles correspondem, fundamentalmente, às disfunções do tipo descrito e compreendido por eles, que as dominam. Em consequência, pensamos que se uma doença é causada por um vírus, por exemplo, será tolice pedir a um mal espírito que abandone o corpo doente. Tendemos a achar, naturalmente, que a explicação dos médicos de nossa cultura é correta, as outras equivocadas.
Existe um modo simples de se comparar a eficiência das várias práticas médicas, consiste na comparação entre a expectativa de vida nas várias culturas, ainda que existam fatores adicionais capazes de alterar esse dado, como a alimentação.
A medicina chinesa é completamente diferente da nossa. Creio ser usada por toda a China. A comparação dos resultados dessa prática com a da nossa medicina seria bem interessante.
A comparação da expectativa de vida dos chineses com a de outros povos com o mesmo padrão socioeconômico que eles propiciaria uma boa comparação entre as práticas médicas nas duas culturas, similarmente ricas. Vejamos então:
China Expectativa de vida no nascimento: população total: 75,15 anos
homens: 73,09 anos
mulheres: 77,43 anos (2014 est.)
Brasil
Expectativa de vida no nascimento: população total: 74,9 anos
homens: 71,3 anos
mulheres: 78,6 anos (2013)*
De modo que brasileiros e chineses têm hoje a mesma expectativa de vida.
Se nossos níveis socioeconômicos forem aproximadamente os mesmos, nossas medicinas parecem aproximadamente igualmente eficientes. A completa dissimilaridade entre nossos pressupostos médicos e os dos chineses sugere que nossos conhecimentos médicos ainda engatinham.
De fato, se perguntarmos a um médico, hoje, sobre prática médica utilizada uns 50 anos atrás, ele, frequentemente a condenará como deletéria. No mais das vezes ele considerará a prática da época completamente ineficaz.
Se questionado sobre prática médica anterior a um século, quase invariavelmente o médico a condenará, será vista como prejudicial.
Ouço falar muito pouco em medicinas indianas, suspeito terem sido denegridas e praticamente extintas, substituídas pela medicina imposta pelo império colonial britânico de séculos passados, conhecimentos que seriam condenados radicalmente pelos médicos contemporâneos.
A medicina ocidental está pautada pelo lucro. Consiste em atividade extremamente lucrativa, muito mais que a medicina chinesa. Esse fato, mais que as considerações sobre a eficiência comparativa de ambas, sugere que a medicina ocidental acabará substituindo a chinesa por lá. É provável que nem lá, nem cá, tenha-se aprendido mais sobre medicina que outros xamãs.
Nossas crenças ainda são muito pouco racionais.
*(chama a atenção o contraste entre a expectativa de vida feminina, maior por aqui, e a masculina, maior por lá.)
(Acredito na eficácia das cirurgias, não acredito nos resultados da imensa maioria dos remédios, serão, quase todos, condenados no futuro, como os antigos o são, hoje.)