Tentando salvar o que se perdeu
Chegará o dia em que o extremo da vida não será a morte; mas o gozo.
O gozo elevado ao mais alto grau, insaciado e vivido para se que perpetue e se propague e se torne universal.
O gozo como o coroamento sublime de um tempo em que o inesperado, embora sempre desejado, se fez presente. Como no tempo em que o primeiro homem se fez ereto e pode contemplar a planície. Será o dia da redescoberta de que não há mitos nem deuses que superem o homem, afinal, não serão eles projeções perfeitas do humano?
Era o tempo sem tempo, o tempo sem os ponteiros, sem agendas, sem compromissos inadiáveis. E era feliz, e era ingenuamente feliz num mundo que se transformava e o transformava. Um mundo onde a única razão, tão cara, e ao mesmo tempo indolente e insubmissa, porque livre, era somente a razão de viver. Era o tempo dos dias e das noites sem viadutos, sem sirenes a atravessarem a cidade em busca de deliquentes, ou mesmo, a caminho de socorro ao homem que agoniza e sofre sem saber que do outro lado do rio, outras vidas correm risco de o barrando desabar. E tudo virar pó, ou lama, desfazendo sonhos e esperanças num dia que se adiará.
Era o tempo sem saudade, sem a nostálgica saudade do que não se viveu, do que nunca fora testado nem sentido pelas distâncias que não existiam. Tudo era “ali”, tudo era espantosamente perto e tão próximo, que, balbuciar as primeiras palavras era ouvido como que se parecesse dito ao pé do ouvido.
Um humano que se perdeu na planície justamente porque viu que o mundo era pequeno demais e, então, era preciso sair. Era preciso avançar e caminhar, e veio à noite e os medos. O homem dono de si e de seu destino, sem as amarras e os preceitos e preconceitos que amputaram seu poder de criar sem que, para isso, fosse preciso atribuir determinado valor. Sem que da sua criação se exigisse "x" de funcionalidade ou que, para ser algo digno de consideração, fosse dotado de atributos que impulsionassem desejos que se esgotariam no gozo etéreo, e por isso mesmo, saciado nele mesmo. E que, de tão etéreo, não perdurará na lembrança, afinal, é na liquidez das relações que o novo, e já velho, homem depositou toda sua história e se perdeu num labirinto de incertezas, que o fio salvador se rompeu no meio da travessia.
Lutar por esse gozo que não se esgota é tão fundamental, tão desmedidamente necessário para que cada ser, homem ou mulher, criança ou velho, não sejam reconhecidos pela pele, nem pelas marcas do tempo; mas, tão somente pelo que são: humanos