A comunicação de massas e as mentiras de nosso tempo
Temos vivido em um mundo fantasioso no qual mentiras têm sido erigidas sobre mentiras. Em breve, cairá o pano, ficará exposta a farsa. Novas ideias eclodirão, novas visões de mundo. Haverá uma ruptura, estamos nos desvencilhando do passado.
O mundo é aberto. Quero dizer com isso que o conjunto de opções que nos é dado a cada momento é infinito. Poderia, em um outro mundo, existir apenas um conjunto limitado de opções, não é assim no nosso.
Tendo isso em mente, parece bastante surpreendente que consigamos nos comunicar entre nós. Pareceria mais provável, em um mundo aberto, que cada um mergulhasse em sua própria realidade, em um mundo pessoal, inacessível aos demais.
Mas temos nossa linguagem humana, construída para a comunicação entre nós. Construímos nossos mundos próprios, pessoais, utilizando esse instrumento coletivo. Assim, a vida e os mundos que construímos são tentativas de desbravar o mundo sem nos desgarrar dos demais, do semelhantes.
Em outros tempos, os habitantes de uma cidade construíam coletivamente e compartilhavam um mesmo mundo. Também compartilhavam suas vivências com os de outras localidades. A criação era coletiva e todos participavam dela. Eram construídas desse modo as culturas.
Depois vieram os meios de comunicação de massa que usurparam essa prerrogativa humana, de todos nós. De posse desses instrumentos de comunicação poderosíssimos, uns poucos indivíduos passaram a compor e veicular a visão de mundo de toda a população. Passamos a ver o mundo sob o olhar dessas poucas pessoas. Ficamos impedidos de compor nosso próprio mundo, ou restritos a só fazê-lo em uma esfera muito íntima, circunscrita à nossa vida pessoal.
Vivemos assim há já algumas gerações. No Brasil essa situação se acirrou enormemente nos anos 70 com a popularização da televisão. Antes, o rádio cumpria esse papel homogeneizador. Cada geração sucessiva via-se mais domesticada que a anterior, mais massificada. Os produtores locais de cultura, as pessoas de maior influência na visão de mundo local, foram substituídos, ou se transformaram, em repetidores dos meios de comunicação. O papel diversificador dessas pessoas foi substituído pelo seu oposto, pela informação homogênea advinda dos meios de comunicação de massa.
Os meios de comunicação de massa são instrumentos de poder, ou, logo foram açambarcados por eles. Talvez tenham tido, no início, ou esporadicamente, uma preocupação genuína de divulgação de informação através desses meios. Impôs-se, no entanto, o exercício da dominação. Os meios de comunicação de massa constituem, fundamentalmente, instrumentos de dominação, é essa a razão de sua existência. Utilizam o entretenimento, incidentalmente, como forma de atração da atenção das massas, mas são construídos, mantidos, e financiados com o propósito da dominação.
Nossa visão de mundo tem sido construída nesse contexto. Nossas crenças foram construídas por esses canais, mesmo a maioria das que nos foram repassadas por nossos pais. Poucas pessoas têm “autorização”, ou condições efetivas para cultivar e divulgar visões de mundo divergentes, que fujam à orientação hegemônica. Somos instruídos a identificar e expurgar de imediato qualquer visão de mundo antagônica, contrastante com a oficial, imposta pelos meios de comunicação; estamos bem adestrados e fazemos isso com maestria.
Uma das múltiplas facetas da dominação impõe-se sob a forma da gula, ou da ânsia ilimitada por lucros. A dominação e a avidez irrefreada por lucros determinam as diretrizes dos meios de comunicação, e o foco da visão de mundo definida por eles. Os lucros, por si, “justificam” a mentira, a enganação.
Mentiras vêm sendo criadas sobre mentiras, há décadas. Nossas crenças constituem uma fantasia pobre e torpe construída originalmente por um pequeno grupo de pessoas, reformulada por novas mentiras sobrepostas a irrealidades prévias. Note, leitor, que eu e você advimos desse mundo fantástico, somos originários daí, continuamos nele. Impossível a qualquer um de nós construir visão de mundo alternativa que já não pressuponha tal fantasia, que já não a compartilhe como raiz. Também não seria minimamente aceita; seria tido como loucura, qualquer ponto de vista que não pressupusesse as mentiras aceitas por todos.
Nossas crenças, nossas visões de mundo, estão fundamentadas em desvarios maliciosos e inconsequentes impingidos a nossos avós, pais e a nós mesmos; impossível a nós evitar esse pântano. Algum apoio, alguma fundamentação, temos que compartilhar, mas saibamos que o nosso está podre.
Os pilares da construção e sustentação desse mundo fantasioso, estão prestes a ruir. Esse mundo é fundamentado no poder econômico. O mundo sofrerá uma enorme mudança em breve, uma guinada comparável à queda do império romano. A maior economia do mundo a americana, está sendo sobrepujada pela chinesa. Logo, novos donos do mundo assumirão as rédeas, passarão a dar as cartas. Redefinirão as regras do jogo, estipularão seus árbitros.
O dólar ruirá, deixará de ser a moeda internacional. O PIB americano minguará, a economia americana desmoronará como um pudim solado (tempos árduos se anunciam).
Cairá o pano. Inúmeras mentiras virão à tona. A revolução que se anuncia não será apenas política e econômica, será total.
Novas mentiras centralizadas nos serão apresentadas, caberá a nós estarmos conscientes da farsa. Também nos caberá retomar nossos destinos, guiarmo-nos a nós mesmos.
Durante mais de uma década viveremos um relativo equilíbrio entre as potências mundiais, tempo necessário para a reconstrução de nossos mundos pessoais, ou para o esboço deles. Por um breve tempo, o bombardeio que sofremos não será único, e as mentiras alternativas estarão se digladiando publicamente. Haverá tempo para a construção de mundos e para a imunização contra antigas táticas.
Riscos muito maiores de dominação que o das formas antigas já se apresentam, a internet permite o fluxo de ida e vinda das instruções, e de aferição precisa de sua assimilação. A dominação adquirirá feições inauditas, o processo de neuronização dos indivíduos, da transformação de pessoas em componentes de uma grande rede, análogos a neurônios em um enorme cérebro, estará em marcha. Talvez não haja como escapar, talvez sejamos todos conectados e transformados, assim, em um imenso pacote.
Mas se há esperança, ela se encontra no cerne de cada um, na individualidade, no nosso núcleo consciente. Sejamos nós mesmos.