AS BODAS DE FÍGARO - Óperas, guia para iniciantes.
Autoria – Mozart (Wolfgang Amadeus – 1756-1791 – Áustria).
Libreto – Lorenzo da Ponte.
Personagens
Fígaro – servidor especial do conde Almaviva. Interpretado por um Baixo.
Susana – aia da condessa Almaviva e noiva de Fígaro. Interpretada por uma Soprano.
Conde Almaviva – nobre com tendências despóticas e devassas. Interpretado por Barítono ou por um Baixo.
Condessa Almaviva, Rosina – interpretada por uma soprano.
Dr. Bartolo – ex-tutor de Susana. Interpretado por um Baixo.
Marcelina – governanta do Dr. Bartolo. Interpretada por uma Mezzo Soprano.
Cherubino – pajem da condessa. Interpretado por uma voz Mezzo Soprano.
Don Basílio – mestre de música. Interpretado por um Tenor.
Antonio – jardineiro do Palácio do conde, tio de Susana e pai de
Dom Curzio – advogado. Interpretado por um Tenor.
Barbarina – filha de Antonio e apaixonada por Cherubino. Interpretada por uma Soprano.
Local e Época
Sevilha, Espanha, meados do século XVIII.
Prefácio
Em tese essa Ópera deveria ser apenas uma forma descompromissada de entretenimento, classificada como “Buffa” ou “Cômica”, mas, em verdade, tornou-se, através da ironia, uma ácida crítica aos costumes despóticos e corrompidos de uma nobreza prestes a ser confrontada pelos ideais republicanos e constitucionais, cujo vigor já dava mostra evidente em fins do século XVIII.
É, portanto, nesse contexto que ela deve ser primeiramente compreendida, sem, no entanto, deixar de se apreciar o delicioso e sutil humor das diversas situações, assim como, a beleza de todo o conjunto.
É, portanto, nesse contexto que ela deve ser primeiramente compreendida, sem, no entanto, deixar de se apreciar o delicioso e sutil humor das diversas situações, assim como, a beleza de todo o conjunto.
Enredo
O primeiro ato acontece na réplica do quarto que o conde Almaviva destinou aos noivos, Fígaro e Susana. Tal deferência se explica pelo fato de ter sido Fígaro – o “Barbeiro de Sevilha” quem lhe ajudou a se casar com Rosina, agora condessa Almaviva, e quem o acompanha leal e eficientemente desde então. E, também, por um motivo menos nobre, já que ele intenciona ficar próximo aos nubentes por pretender manter um relacionamento extraconjugal com Susana.
O quarto está semimobiliado e enquanto o noivo se ocupa com as medidas do mesmo e com a acomodação da mobília que falta, a noiva mira-se num espelho, experimenta alguns chapéus e se mostra totalmente alheia às questões da decoração do ambiente.
Em certo momento, percebendo o desinteresse da futura esposa, Fígaro inicia o belo Dueto em que chama a atenção de Susana enumerando as vantagens do aposento, dentro as quais, segundo ele, a localização a “dois passos” dos aposentos da condessa, o que permitirá que ela atenda imediatamente aos chamados da patroa.
Prosseguindo o Dueto, Susana diz, ironicamente, que o quarto também se situa “a três passos” dos aposentos do conde e que ele, Fígaro, deve estar ciente de que o patrão já deu a entender que restabelecerá o famigerado “Droit du Seigneur*”, que antes renunciara hesitantemente. Em seguida, interrompe seu Canto e sai apressadamente para atender ao chamado de Rosina, a condessa.
Fígaro, sozinho em cena, põe-se a pensar sobre o jogo sujo do conde e ao entoar a ária “Se Vuol Ballare” diz que “se Almaviva deseja dançar, ele lhe dará a música”. Que ele aguarde para ver quem sairá vencedor daquele sórdido embate de astuciosas negaças. Em seguida, deixa a cena.
Entram o velho Dr. Bartolo (que se tornou ferrenho inimigo de Fígaro por ele ter ajudado ao conde a lhe tomar Rosina) e Marcelina, a sua governanta, que, ao contrário do patrão, apaixonou-se pelo ex-barbeiro e deseja casar-se com ele, mesmo que, para tanto, tenha que recorrer a algum estratagema antiético, já que a base em que pretende se apoiar consiste em chantagear Fígaro para que ele devolva-lhe o dinheiro que lhe emprestou ou que a assuma como esposa.
Agir imoralmente não lhe agrada, mas ele supõe que um êxito seu terá dupla utilidade, já que ela alcançará o seu objetivo e, concomitantemente, o seu patrão poderá sentir-se vingado. Porém, para que o sucesso ocorra é preciso que Susana rejeite o conde Almaviva e que ele, furioso, a ajude a executar o seu plano, haja vista que desejará vingar-se de Fígaro e de sua noiva.
Contudo, as armações, intrigas e confusões não se limitam a essa, pois no castelo vive o jovem pajem Cherubino que, no vigor da adolescência, vive assaltado por um desejo insaciável, o que o leva a se meter em constantes situações embaraçosas, sendo a mais recente delas, a que acabou sendo surpreendido pelo próprio conde com filha do jardineiro, a jovem Barbarina.
Por isso, crendo que será expulso do castelo, ele dirige-se a Susana e lhe pede que interceda junto à condessa para evitar a sua demissão. Mas antes que ela possa dizer qualquer coisa, Almaviva entra na sala onde ambos estão e Cherubino tem de se esconder atrás de um sofá.
Imaginando estar a sós com Susana, o conde propõe-lhe um encontro romântico, mas, de novo, ela não tem tempo para qualquer resposta, pois Don Basílio bate à porta e Almaviva se joga atrás do mesmo sofá em que estava Cherubino, que, ante a chegada do outro, salta sobre o móvel e Susana o esconde sob um vestido da condessa.
Após essa rápida e hilária troca de esconderijos, a jovem ouve o conselho de Don Basílio (que alega falar em nome do nobre) para que se deite com o conde. Depois, ele também lhe aconselha a tomar cuidado com o endiabrado Cherubino, que se atreve a desejar a própria condessa, e a olha com intenções indecorosas.
Ao ouvir que a sua esposa é desejada por um reles serviçal, o conde não se contém e abandona o esconderijo para arguir Don Basílio, com certa rispidez.
Susana aproveita-se do clima tenso e confuso e simula estar desmaiando, mas quando nota que os homens irão colocar-lhe no sofá onde Cherubino permanece escondido, ela se “recupera milagrosamente”.
Ainda possesso, o irado Almaviva fala das travessuras concupiscentes do jovem pajem, sem imaginar que ele pudesse estar ali; e, por isso, assusta-se ao se deparar com o mesmo, quando puxa o tecido sobre o sofá para demonstrar como anteriormente o flagrou com Barbarina.
Num primeiro momento cogita aproveitar-se da situação, relatando a Fígaro que a sua noiva mantinha oculto em seu quarto o jovem mal afamado, para um provável affair. Todavia, ao atentar para o fato de que o jovem ouvira a sua proposta indecorosa para Susana, resolve calar-se, já que uma eventual delação de Cherubino lhe traria sérios problemas com Fígaro e com a sua própria esposa.
Nesse momento, Fígaro e uma malta de camponeses entram em cena e cantam em louvor do conde. E o noivo, trazendo o tradicional chapéu de noivado, pede-lhe que renuncie ante todos os presentes ao famigerado “Droit du Seigneur*”, conforme havia prometido anteriormente, e que coloque o véu ritual sobre a cabeça de Susana.
Esquiva e maquiavelicamente, Almaviva faz um discurso recheado de frases de efeito, mas sem qualquer compromisso de respeitar o corpo da noiva. Os pobres camponeses, em suas rudes percepções e pobres entendimentos, não percebem a manobra do conde e o aplaudem fervorosamente através do alegre Coro que entoam.
Todos riem, dançam e externam a alegria que sentem ou que fingem sentir, como no caso de Cherubino que ainda está perturbado com a ameaça de ser expulso do castelo. Contudo, Almaviva reluta em demiti-lo, pois entende que ele sabe de muita coisa e teme expulsá-lo, pois ele poderia delatar as suas tramoias. Melhor mantê-lo por perto, nomeando-o “aspirante de Regimento” e, depois, enviá-lo com a sua unidade militar para um distante local, até que tudo seja esquecido.
É o fim do primeiro ato, mas antes de avançarmos chamamos a atenção do (a) leitor (a) para outras peças musicais que fizeram desse ato, um dos mais afamados de todos os tempos:
Ária que Don Bartolo canta, “La Vendetta, oh La Vendetta”, mencionando a vingança contra Fígaro, que o fez perder Rosina para Almaviva;
Ária entoada por Cherubino, “Non Só Più Cosa Faccio”, exaltando as suas paixões adolescentes;
Ária cantada por Fígaro, “Non Più Andrai”, contra Cherubino, dizendo que ele seguirá com o Regimento em breve e que, por isso, o castelo ficará livre e suas trapalhadas amorosas.
Ária entoada por Cherubino, “Non Só Più Cosa Faccio”, exaltando as suas paixões adolescentes;
Ária cantada por Fígaro, “Non Più Andrai”, contra Cherubino, dizendo que ele seguirá com o Regimento em breve e que, por isso, o castelo ficará livre e suas trapalhadas amorosas.
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O segundo ato é encenado nos elegantes aposentos da condessa Rosina.
Sozinha em cena, ela se põe a lamuriar o fato de não receber mais a exclusividade das atenções do conde que, após algum tempo, voltou a buscar novas aventuras e paixões. Lembra-se, sofrida, de quando era a única a receber o afeto e os seus carinhos e se ressente por ter sido substituída com tanta voracidade pelo marido. Por fim, invoca o “deus do amor” e pede a sua intercessão para que o marido volte a amá-la.
Nesse momento, Susana entra no quarto e as duas redobram as queixas contra a infidelidade e o ciúme dos homens.
Em seguida é Fígaro quem chega e as interrompe para lhes falar de seu plano contra as más intenções do conde: primeiro ele mandou uma carta apócrifa com a acusação de que Rosina teria um amante; sendo que o segundo passo consistirá em enganar Almaviva, fantasiando Cherubino com as vestes de Susana para desmascarar a quebra de sua promessa de não exigir o “Direito do Senhor”.
Ante a aquiescência das mulheres, Fígaro deixa a cena feliz e cantarolando a ária anterior repete que: “se o conde quer dançar, ele tocará a guitarra”.
Pouco depois, Cherubino, ávido por aventuras e travessuras, entra no quarto para que Susana e Rosina o fantasiem, mas, então, Almaviva chega inesperadamente, obrigando a Susana e ao pajem a se esconderem no quarto contiguo.
A princípio Almaviva não percebe qualquer diferença, mas o atrapalhado Cherubino tropeça em uma cadeira e o barulho leva o conde a imaginar que o amante de sua esposa, conforme a denúncia na carta apócrifa, realmente existe e se oculta ali.
Furibundo, ele interpela Rosina rudemente e não obstante ela garantir que ali está apenas Susana, ele a toma pelo braço e a leva consigo em sua busca por uma ferramenta para arrombar a porta, sem que a criadagem saiba do acontecido.
Quando saem, Susana pede que Cherubino desapareça, mas, agora, todas as portas foram fechadas e o jovem é obrigado a escapar pela janela. Em seguida, Susana ajeita-se no quarto e aguarda “ser descoberta” pele enciumado conde.
Na volta, Rosina, por desconhecer a fuga de Cherubino, confessa ao marido que ele e Susana estão no quarto e argumenta que isso não é motivo para ciúme do marido, já que o pajem é apenas uma criança.
Contudo, a semente da desconfiança que a carta lhe plantou no coração, faz com que Almaviva sinta um imenso rancor pelo jovem e, por isso, decide dar-lhe uma lição severa. Desembainhando a espada, irrompe pelo quarto à procura do pajem, mas encontra apenas Susana que ridiculariza a sua postura e entre dentes avisa Rosina da fuga do jovem.
A condessa aproveita-se dessa mudança na situação e assume o papel de esposa ultrajada por ilações infundadas. Vestindo a máscara de vitima inocente, faz com que Almaviva peça-lhe perdão.
Todavia, a questão da carta ainda incomoda Almaviva e ele interpela a esposa e à aia sobre a mesma. Sem opção, ou talvez como parte do estratagema, elas aludem à possibilidade de ter sido Fígaro quem a escreveu.
O conde, após breve ponderação, admite essa possibilidade e passa a dirigir a sua ira, antes focada em Cherubino, na direção de seu valete. Um rancor tão pronunciado que atemoriza Rosina e ela, na tentativa de evitar uma tragédia, exige que ele perdoe a Fígaro como condição indispensável para ser perdoado por ela, pelas suspeitas infundadas.
A estratégia funciona a princípio, porém quando Fígaro entra no quarto o ódio de Almaviva reacende e rudemente ele o interpela com a carta em punho. Fígaro nega ter sido o autor e protesta a sua inocência. Depois, com falsa servilidade implora que o conde presida ao seu casamento naquele mesmo dia.
Nesse instante, entra em cena o jardineiro Antonio queixando-se de que objetos e pessoas estão sendo arremessados pelas janelas ao jardim que cuida. As mulheres sabem que foi Cherubino quem saltou e disfarçadamente fazem um sinal a Fígaro que diz ter sido ele, mas o velho o contradiz alegando que o indivíduo que saltou era “três vezes menor que ele”.
O impasse reinflama a ira de Almaviva que não demora a afirmar que o fugitivo era Cherubino. Fígaro contra-argumenta dizendo ser impossível, vez que o pajem está com o Regimento a uma considerável distância, na cidade de Sevilha. E sem perder a oportunidade de ironizar o conde, diz: “só se Cherubino veio montado em um cavalo hiper veloz”. O pobre jardineiro não consegue captar a mordacidade do outro e rebate: “mas eu não vi nenhum cavalo...”.
Almaviva, então, exige que Fígaro explique o motivo de ter saltado pela janela e ele confessa, enfim, ter escrito a carta apócrifa e justamente por isso não quis que Almaviva o encontrasse nos aposentos da condessa. Ao conde parece plausível, ainda que lhe arda o rancor pela autoria da carta.
Porém, o velho jardineiro mostra alguns documentos que o fugitivo perdeu. São papeis do pajem, que ainda não se incorporara ao exército por faltar a assinatura definitiva do conde em um dos formulários.
A revelação volta a atiçar os ânimos de Almaviva, mas antes que ele retome a carga, Don Bartolo, Don Basílio e Marcelina entram em cena. E tão logo chegam, a mulher acusa Fígaro de traição, dizendo que ele prometeu-lhe casamento e pouco depois a abandonou.
O conde se delicia com a acusação, enquanto Fígaro, Susana e Rosina se quedam, pasmos, diante daquela novidade. Sem mostrar-se preocupado com o aturdimento do trio, o conde diz que estudará a questão naquele mesmo instante e promete a Marcelina tomar a mais justa das medidas. Ela e os seus dois acompanhantes mostram-se eufóricos e confiantes, pois tudo corre como previram, já que Almaviva se propõe a ouvir os argumentos da acusadora e do acusado.
Nesse ponto da obra o público é brindado com vários temas musicais, nos quais as razões dos contendores são expostas. E as belas Árias encerram o segundo ato, em cuja parte melódica merece destaque a belíssima ária “Voi que Sapete Che Cosa é Amore (Vós que sabeis que coisa é o amor)”.
§§§
O terceiro ato é encenado na reprodução do belo salão onde será celebrado o casamento de Fígaro e Susana, dentro de algumas horas.
A cena é ocupada apenas por Almaviva que caminha ansiosamente e sem direção enquanto rumina as dúvidas que lhe queimam o coração: por que Susana estava escondida nos aposentos da condessa? Por que um homem fugiu pela janela? Por que a sua esposa tem-se mostrado tão agitada? Por que...? Sim, pondera, a condessa está acima de qualquer suspeita, mas os empregados... E, ainda, aquela carta... Dúvidas e mais dúvidas que lhe acompanham ao sair de cena.
Entram Rosina e Susana e combinam que a condessa se passará pela noiva quando o conde vir exigir o famigerado “Droit du Seigneur”. Em seguida a esposa de Almaviva sai de cena e Susana recebe o conde que retorna mostrando-se preocupado com a hipótese de Susana ter falado com a sua mulher sobre a sua intenção de desvirginá-la. Hipótese, aliás, que se for confirmado fará com que ele obrigue Fígaro a casar-se com Marcelina, a título de vingança.
Porém a jovem noiva o tranquiliza, levando a conversa para um terreno cheio de promessas maliciosas. Por fim, ambos entoam um dueto no qual combinam o encontro que o conde tanto deseja e ela se retira.
Sozinho em cena, Almaviva deixa a imaginação antecipar-lhe os prazeres que, supõe, sentirá em breve.
Nisso, entram Fígaro e Susana e começam a conversar em voz inaudível até que avistam o patrão e se retiram apressadamente. Intrigado, Almaviva sente-se um mero joguete na mão dos serviçais e, sentindo-se traído, expressa toda a sua fúria através de uma vigorosa ária que fala de sua ameaça de castigar os servos com rigor inusual.
Ao fim da melodia, voltam à cena Marcelina, Don Basílio, Don Bartolo, o advogado Don Curzio e, também, Fígaro. Estão ali para resolverem em definitivo a questão da dívida do ex-barbeiro com a mulher, assim como, a promessa de casamento que ele lhe fizera tempos atrás.
Don Curzio expõe os argumentos de Marcelina, alegando que Fígaro havia ficado com várias peças de prata de sua representada e que deveria devolvê-las imediatamente ou, então, casar-se com a mesma, a título de indenização (sic).
O ladino valete responde que lhe é impossível casar-se por ser nobre de nascimento, o que implica a necessidade ter o consentimento dos pais para contrair matrimônio, esquecendo espertamente de seu casamento com Susana. E, prossegue, dizendo que como ele desconhece quem são seus progenitores, não lhe é possível pedir-lhes a necessária autorização. De sua infância nada se lembra; e apenas sabe de sua condição por ter uma marca corporal no braço que lhe identifica como membro de certa dinastia.
Nesse momento, Marcelina pergunta-lhe que marca corporal é aquela e quando ele responde ser uma “espátula” abaixo do cotovelo, ela reconhece que ele é o filho que ela e Don Bartolo tiveram na juventude e que lhes foi roubado pouco depois de nascer.
É um momento de intensa emoção e de grande alegria para os pais e para o filho. Entre beijos, abraços, cumprimentos e promessas de nunca mais se apartarem, a felicidade dos reencontros reina absoluta.
E é esse ambiente que Susana encontra ao voltar. Porém, sem saber do acontecido, ao ver Fígaro e Marcelina abraçados, ela julga que o noivo a trai e o mal-estar só é quebrado através das explicações que são dadas através de um Coro que os seis personagens entoam. Por fim, tudo é esclarecido e a harmonia volta a reinar.
Instantes depois, Almaviva e o jardineiro entram e o velho lhe informa que Cherubino voltou. Em seguida ambos saem de cena e entram a condessa e Susana que entoam o magnífico “Dueto da Carta”, no qual Rosina dita o bilhete (selado por um alfinete especial) endereçado ao conde, confirmando o encontro para o sórdido “Direito do Senhor”.
Na sequência a cena é ocupada por vários figurantes que representam os servos que vieram trazer flores para a condessa. Entre eles está Cherubino, disfarçado como mulher, graças aos trajes que Barbarina lhe emprestou.
É uma bela fantasia, mas insuficiente para enganar o pai de Barbarina que ao puxar-lhe a falsa cabeleira desmascara-o.
O conde irrita-se com a nova travessura do pajem e ameaça expulsá-lo definitivamente, mas, então, a filha do jardineiro lembra-lhe que ele prometeu atender a qualquer pedido seu, enquanto a assediava. E que o seu maior desejo é casar-se com o belo Cherubino.
Publicamente desmascarado, Almaviva limita-se a praguejar e a dizer que “os demônios estão contra mim”.
Nisso, mais convidados enchem a cena e a orquestra toca os acordes iniciais da “Marcha Nupcial”, passando em seguida para um ligeiro “Fandango (música e dança típica de Sevilha)” que todos dançam alegremente.
Findo o bailado, Susana ajoelha-se ante o conde para que ele coloque-lhe o véu nupcial e, disfarçadamente, entrega-lhe o bilhete fechado com o alfinete. Pouco depois, a cerimônia do casamento é concluída e Fígaro observa que o conde feriu-se com o alfinete e comenta com sua noiva que Almaviva recebeu uma “carta de amor”, pois, geralmente, as mesmas eram fechadas dessa forma.
Susana nada responde e o conde pede que os convivas se retirem e voltem à noite para os festejos do enlace.
Em uníssono todos entoam em um Coro em louvor ao nobre e saem de cena. É o fim do terceiro ato.
§§§
O quarto ato é encenado na reprodução dos jardins do castelo.
Nessa parte do espetáculo, o público será brindado com uma das Árias mais importantes e populares do universo operístico: “Aprite um Pò Quegl´occhi (abri um pouco os olhos)”, que pretende ser um alerta aos homens contra a falsidade das mulheres. Ademais, também assiste a várias cenas de desencontros, imprevistos e outras situações embaraçosas e hilárias, que foram típicas das óperas do século XVIII.
A noite é de festa, mas Barbarina ainda trabalha. A mando do conde ela vasculha os canteiros com uma lanterna em busca do alfinete que selava o bilhete de Susana e Rosina, quando, por acaso, Fígaro a surpreende e ela, involuntariamente, conta-lhe do encontro de sua noiva para a consumação do “Direito do Senhor”.
Fígaro, desconhecendo os planos de Susana e da condessa, acredita que a sua noiva irá traí-lo e é, então, que furiosamente canta a ária citada no início. Um canto que mescla a sua mágoa e o aviso de que a sua vingança será terrível.
E como se essa dor não bastasse, outra mais severa o atinge, quando ele vê que Susana pede permissão à condessa para passear sozinha pelo jardim. É o bastante para que ele tenha “certeza” de que a traição é iminente.
Cego de ódio e de ciúme não percebe que aquela que julga ser Susana, em verdade, é a condessa, já que ambas trocaram de vestes, enfeites etc. para consumarem o plano e darem uma bela lição no volúvel conde.
E, fantasiada de Susana, Rosina segue ao encontro do marido infiel, enquanto entoa a bela ária “DeH, Vieni, non tardar”.
Nesse momento acontece mais uma cena “pastelão”, pois Cherubino vendo a condessa julga ser Susana, e passa a lhe fazer a corte, mas logo entre ambos se interpõe o conde e graças à rapidez de sua aparição, recebe o beijo que o jovem pajem daria na falsa Susana. Surpreso e ofendido, Almaviva tenta esbofetear Cherubino, mas quem recebe o golpe é Fígaro, que havia tomado o lugar do jovem.
Após esses hilários desencontros, a condessa – ainda disfarçada de Susana – deixa-se cortejar por Almaviva que não desconfia tratar-se de sua esposa.
Enquanto isso, Fígaro dirige-se à falsa condessa e lhe pede para surpreender o seu marido com a sua esposa. A aia, porém, não consegue imitar a voz da patroa e Fígaro descobre o estratagema que as mulheres armaram, mas finge não ter compreendido e decide vingar-se da noiva fazendo mil elogios e galanteios à falsa condessa. Chega até a dizer que esqueceu completamente o amor que tinha por Susana.
Ela, não suportando a ideia de ser abandonada, deixa o disfarce e volta à sua voz natural, acusando o marido de ser insensível, pouco perspicaz etc.
A irritação da mulher agrada Fígaro, pois ele a entende como uma demonstração do amor que ela lhe dedica e, então, entre explicações, pedidos de perdão e juras de amor, ambos se reconciliam.
Juntos novamente, os noivos decidem vingar-se do conde e quando ele volta à cena vê que Fígaro está cortejando acintosamente à mulher que ele julga ser a sua esposa. Indignado, grita e exige que testemunhas se apresentem e presenciem o ultraje que lhe é feito.
Logo um grupo de serviçais e de acólitos acorre e Almaviva segura Fígaro pela gola, que finge estar aterrorizado com a acusação de tentar seduzir a condessa. Enquanto isso, Susana, ainda fantasiada de condessa, esconde-se atrás das alamedas.
Irado, o conde a segue e pouco depois ressurge trazendo Cherubino; depois, Marcelina e só por último, a falsa condessa que, ainda no espírito da farsa, pede-lhe perdão.
Ele se mostra inflexível e responde que nunca a perdoará, todavia, nesse momento, a verdadeira condessa faz uma entrada triunfal e esclarece todo o ocorrido.
Ao conde só resta pedir humildes e sinceras desculpas por seu comportamento lascivo, volúvel e tirânico. Rosina, por lhe amar com sinceridade, perdoa-lhe e os demais torcem para que tal lição não seja esquecida.
Por fim, em Coro, todo cantam o Hino que brinda o amor e a reconciliação e a Ópera termina sob a égide da paz e da alegria.
Histórico
Nas últimas décadas do século XVIII, entre 1775 a 1792, o romancista francês Pierre Augustin Caron de Beaumarchais (Paris, 1732-1799) escreveu três comédia inter-relacionadas com o tema central focalizado na permissividade que vigorava na decadente nobreza europeia.
Primeiro, escreveu “O Barbeiro de Sevilha”, cujo Ensaio da Ópera homônima consta da presente obra; depois, “Bodas de Fígaro” e, por último, “A Mãe Culpada”.
A Ópera, “Barbeiro de Sevilha”, foi montada primeiramente por Paisiello (Giovanni – 1740-1816 – Itália) e se tornou um clássico. Na geração seguinte, Rossini (Gioachino – 1792-1868 – Itália) deu-lhe nova versão que, também, foi muito bem aceita e ainda é bastante conceituada.
Em relação a Mozart, deve-se dizer que foi o famosíssimo poeta Lorenzo da Ponte (Nascido, Emmanuele Conegliano – 1749-1838 – Itália) quem sugeriu ao gênio precoce a composição de “As Bodas de Fígaro”, tendo em vista o sucesso que a antecessora alcançou com os compositores supracitados.
E Mozart a fez, acrescentando-lhe o brilho e o talento que lhe eram peculiares.
Na geração seguinte, Rossini produziu uma nova versão da história, mas não conseguiu empanar o brilho que a versão mozartiana havia conquistado.
Contudo, para além das diferentes concepções e recepções, todas as versões operísticas sobre o “Barbeiro” sofreram um destino comum: a repressão da nobreza, que se viu negativamente retratada com a crua exposição pública de todos os seus vícios e perversões e, também, a censura dos falsos moralistas puritanos do início do século XX que enxergavam a sua temática como indecorosa. Exemplo disso, aliás, pode ser visto nas palavras do estadunidense Henry Edward Krehbiel que escreveu textualmente: “De fato, há algo de especialmente repulsivo na perseguição concupiscente do conde à noiva do homem a cujos méritos intelectuais ficou devendo o êxito do seu próprio casamento... É mesmo uma sorte para a música de Mozart que tão poucos frequentadores de óperas compreendam o italiano hoje em dia...”.
Todavia, essas perseguições e censuras não empalideceram a popularidade das obras. Ao contrário, aumentaram-lhe a importância, já que colocaram a “Grande Arte” a serviço da denúncia social.
Em termos melódicos, a maioria dos eruditos concorda que a versão de Mozart contém uma das partes mais nobres do genial talento do compositor. A variedade dos sentimentos, emoções e ações que as músicas exprimem, sinalizam, acentuam e amenizam são uma amostra eloquente da enorme maturidade e universalidade que o gênio já desfrutava quando a compôs, aos trinta anos de idade somente.
Por todos esses aspectos, a obra desfrutou de enorme sucesso desde a sua apresentação inaugural e ainda hoje é uma das preferidas do grande público e da crítica especializada. Um dos maiores clássicos do gênero.
Nota do Autor – Droit du Seigneur – Direito do Senhor – costume antigo e medieval que consistia no “direito” do Governante, do Senhor Feudal, de outros Nobres etc. de desvirginarem a noiva que fosse casar-se com um de seus súditos ou agregados. No Brasil, essa prática criminosa foi comum nos rincões mais distantes e só deixou de ser praticada há cerca de trinta ou quarenta anos, embora fosse proibida legalmente.
Primeiro, escreveu “O Barbeiro de Sevilha”, cujo Ensaio da Ópera homônima consta da presente obra; depois, “Bodas de Fígaro” e, por último, “A Mãe Culpada”.
A Ópera, “Barbeiro de Sevilha”, foi montada primeiramente por Paisiello (Giovanni – 1740-1816 – Itália) e se tornou um clássico. Na geração seguinte, Rossini (Gioachino – 1792-1868 – Itália) deu-lhe nova versão que, também, foi muito bem aceita e ainda é bastante conceituada.
Em relação a Mozart, deve-se dizer que foi o famosíssimo poeta Lorenzo da Ponte (Nascido, Emmanuele Conegliano – 1749-1838 – Itália) quem sugeriu ao gênio precoce a composição de “As Bodas de Fígaro”, tendo em vista o sucesso que a antecessora alcançou com os compositores supracitados.
E Mozart a fez, acrescentando-lhe o brilho e o talento que lhe eram peculiares.
Na geração seguinte, Rossini produziu uma nova versão da história, mas não conseguiu empanar o brilho que a versão mozartiana havia conquistado.
Contudo, para além das diferentes concepções e recepções, todas as versões operísticas sobre o “Barbeiro” sofreram um destino comum: a repressão da nobreza, que se viu negativamente retratada com a crua exposição pública de todos os seus vícios e perversões e, também, a censura dos falsos moralistas puritanos do início do século XX que enxergavam a sua temática como indecorosa. Exemplo disso, aliás, pode ser visto nas palavras do estadunidense Henry Edward Krehbiel que escreveu textualmente: “De fato, há algo de especialmente repulsivo na perseguição concupiscente do conde à noiva do homem a cujos méritos intelectuais ficou devendo o êxito do seu próprio casamento... É mesmo uma sorte para a música de Mozart que tão poucos frequentadores de óperas compreendam o italiano hoje em dia...”.
Todavia, essas perseguições e censuras não empalideceram a popularidade das obras. Ao contrário, aumentaram-lhe a importância, já que colocaram a “Grande Arte” a serviço da denúncia social.
Em termos melódicos, a maioria dos eruditos concorda que a versão de Mozart contém uma das partes mais nobres do genial talento do compositor. A variedade dos sentimentos, emoções e ações que as músicas exprimem, sinalizam, acentuam e amenizam são uma amostra eloquente da enorme maturidade e universalidade que o gênio já desfrutava quando a compôs, aos trinta anos de idade somente.
Por todos esses aspectos, a obra desfrutou de enorme sucesso desde a sua apresentação inaugural e ainda hoje é uma das preferidas do grande público e da crítica especializada. Um dos maiores clássicos do gênero.
Nota do Autor – Droit du Seigneur – Direito do Senhor – costume antigo e medieval que consistia no “direito” do Governante, do Senhor Feudal, de outros Nobres etc. de desvirginarem a noiva que fosse casar-se com um de seus súditos ou agregados. No Brasil, essa prática criminosa foi comum nos rincões mais distantes e só deixou de ser praticada há cerca de trinta ou quarenta anos, embora fosse proibida legalmente.
Produção e divulgação de Vera L. M. Teragosa. Lettré l´art et la Culture. Rio de Janeiro, inverno de 2015.