Sobre habitualidades e absurdos

O mundo é absurdo. Vivemos em meio ao caos. Absurdamente, tentamos organizar, apaziguar a realidade caótica impondo-lhe certa coerência. É absurdo tentar dar coerência a um mundo caótico. Seria absurdo não fazê-lo. O absurdo é inescapável. Ríamos, como loucos, da constatação.

Uma parte considerável de nossos esforços cotidianos consiste em negar o fato óbvio do absurdo de todas as coisas e tentar organizar o mundo de um modo habitual. Essa é a chave da compreensão de nós mesmos: temos que nos habituar. “Habituar” significa desfazer absurdos, transformar os fatos caóticos em habituais. Ao nos habituarmos com um evento qualquer, adquirimos familiaridade com ele. Note que, desse modo, o fato permanece tão absurdo quanto antes, absurdamente, no entanto, familiarizamo-nos com ele e passamos a considerá-lo habitual, e não mais absurdo. Somos completamente absurdos.

Serei mais explícito: imagine uma situação completamente absurda. Agora imagine que a mesma situação se repita no dia seguinte; o absurdo terá sido dobrado, pois. Mas imagine que a situação absurda volte a ocorrer no outro dia, e uma vez mais no próximo... a absurda sucessão, então, torna o absurdo familiar, e não mais absurdo, portanto! Somos assim, completamente absurdos.

Há uma solução lógica para o paradoxo do absurdo: desprezar a familiaridade e se concentrar na razão. Sob esse enfoque, os absurdos deixam de ser os eventos surpreendentes e não familiares a nós; absurdos passam a ser todos os pontos de vista irracionais, ilógicos. Sob essa ótica, a familiaridade não minimiza o absurdo, ao contrário, o acentua. O absurdo consiste na admissão de contradições.

(Atente para o fato, típico de nosso tempo, de que essa solução, racional, desagrada a quase todos. Vige uma imposição irracionalista favorável à desestruturação do conhecimento, à sua fragmentação. Louvamos o absurdo sobre todas as coisas).