Como e porque o poder corrompe (onde se desvenda também o propósito da vida)

Sabe-se há milênios que o poder corrompe, sempre foi assim, em todas as civilizações. Certamente existem centenas de explicações parciais para o fato, nenhuma delas impositiva, suponho. Explicarei o fenômeno passo a passo, sob o ponto de vista da biologia generalizada.

Um neurônio funciona de uma maneira bastante simples. Podemos compará-lo a um componente eletrônico muito simples, que se acende ou se apaga, conforme as interações com outros neurônios.

O cérebro é uma rede de neurônios. Há uma forte analogia entre o cérebro enquanto rede de neurônios, e o computador, enquanto rede de componentes eletrônicos.

Redes podem atuar sem fio, sendo compostas por componentes conectados à distância, por sinais de rádio, ou outros.

Um formigueiro funciona como uma rede sem fio de formigas. As formigas, análogas a neurônios, ou a componentes eletrônicos, comunicam-se umas com as outras através dos rastros de feromônios deixados por onde passam. Tais rastros, informativos, cumprem o papel de fios, ou de ondas de rádio. O formigueiro consegue agir como uma entidade una, centralizada, capaz de otimizar a busca das formigas por alimentos descobrindo e indicando para as formigas individuais os melhores caminhos a seguir. Note que, individualmente, as formigas, cegas, são incapazes de solucionar o problema de otimização da busca por alimentos, apenas a “mente coletiva” do formigueiro consegue fazê-lo.

Uma comunidade funciona de maneira análoga, onde as pessoas individuais se conectam formando uma rede complexa. A comunicação entre as pessoas ocorre de múltiplas maneiras, destacando-se as formas verbais. Analogamente a cérebros e formigueiros, a rede humana possui autonomia e unidade. A rede humana tem, assim, seus próprios desejos, métodos de ação, propósitos; constitui um ser independente e autônomo.

Do mesmo modo que neurônios e formigas, agimos conforme nossos desígnios, baseados no que nos deparamos no mundo ao redor e em nossas relações com os semelhantes. Do mesmo modo que formigas e neurônios, acabamos agindo sob a determinação da grande mente coletiva que nos conecta.

Também podemos nos considerar parasitados por um monstro imenso, com 7 bilhões de braços para controlar todos nós.

“O poder”, como costumamos chamar essa entidade coletiva gigantesca, tem seus próprios propósitos, alheios a nossa ética, a nossa moral. Os que se acercam do centro de poder estão mais diretamente ligados a ele, devem obedecê-lo mais prestimosamente. Os poderosos estão fortemente ligados ao poder, compelidos, sempre, a obedecê-lo prontamente, acima de todas as coisas, de considerações éticas ou morais, portanto.

O poder nos seduz e nos transforma em zumbis sem alma, em marionetes, para conduzir nossas ações, alheias, por isso, a nossa moralidade. Encantados pelo poder, inebriados por ele, tornamo-nos seus instrumentos, perdemos nossas almas. O poder corrompe por não se guiar pelas mesmas considerações morais que deveriam nortear nossos atos, situa-se além delas.

Convém lembrar, de qualquer modo, que nossa civilização é, muito mais, fruto dessa supraentidade, o poder, que de nós, individualmente. Talvez a característica humana mais significativa, que nos distingue de todos os outros animais, seja o tamanho e complexidade de nossas redes. Formigas, abelhas e cupins podem formar redes com dezenas de milhares de indivíduos tornando-os impressionantes entre os insetos, e capazes de proezas espantosas entre eles. Nossa interação, linguística, é muito mais rica que a dessas criaturas, assim como a de pássaros ou peixes. Mamíferos, seres mais complexos, raramente aglomeram em redes amplas. Creio sermos mais distintamente frutos de nossa rede imensa e complexa, que de nossa individualidade.

Enfeitiçados pelo poder estamos levando o mundo à destruição. Nossa irracionalidade é gritante, nossas vidas perderam o sentido. Temos vivido sob o comando da supraentidade, da grande rede, sob seus propósitos e desígnios.

Sob os desígnios do monstro imenso que compomos coletivamente, caminhamos dicididos rumo a nossa destruição coletiva. Estamos sendo neuronizados, e cristalizados, assim como neurônios em um cérebro, ou nodos em uma rede cristalina. O poder nos domina. Enfeitiçados, entregamos a ele, satisfeitos, nossos destinos, nossos desejos, nossa individualidade.

Entregamos nossas almas ao poder.

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O poder promete nos elevar na escala social; quanto mais próximo do poder, maiores nos vemos, é esse o jogo. Somos replicadores, seremos escolhidos para a replicação se galgarmos o topo, é essa a regra do jogo.

Essa é a chave de tudo, o propósito de nossa existência.

O propósito da vida é completamente idiota. Riamos.