Sobre a sensatez e o ponto de acumulação
Parece insensato duvidar de restrições impostas pela mecânica quântica, a melhor teoria que temos para tratar do micromundo. Ao mesmo tempo, me parece insensato supor que a mecânica quântica seja a teoria última, definitiva, a verdade final. Não acredito que já tenhamos descoberto tudo o que existe, suponho que não sabemos quase nada. As considerações acima me levavam a esperar muitas confirmações da mecânica quântica até sua eventual substituição, em algum momento futuro; substituição provisória aliás, permitindo sucessivos desenvolvimentos e substituições ao longo do tempo.
Apesar da sensatez dessa expectativa de sucessivas substituições, da expectativa de inúmeras surpresas futuras e de abolição de restrições, parece insensato esperar a negação de qualquer resultado quântico específico, especialmente em um tempo próximo. Assim, embora sejam aceitáveis expectativas de surgimento de tecnologias surpreendentes vindouras em um futuro distante, determinações dessas mudanças costumam parecer insensatas, quero dizer: pode parecer razoável criar um quadro mirabolante e nebuloso do futuro distante, mas especificá-lo, explicitando as alterações, especialmente em futuro próximo, consistirá, quase certamente, em sandice.
O ponto de acumulação, no entanto, promete ser um fenômeno avassalador a ponto de distorcer as conclusões acima. Recapitulando, a ideia decorre da constatação da ocorrência de saltos evolutivos eventuais capazes de acelerar a evolução do sistema, elevando-o a novos patamares evolutivos. A aceleração da evolução faz com que novos saltos evolutivos aconteçam cada vez mais rapidamente, tendo sido necessários bilhões de anos para a ocorrência dos primeiros saltos, mas muito menos para os seguintes, cada vez mais rápidos. O ponto de acumulação descreveria o momento em que inúmeros saltos evolutivos ocorreriam sucessivamente, em uma imensa explosão criativa.
Essa ideia esbarra em uma restrição muito forte: o consumo de energia da ocorrência seria proporcional ao evento, o que lhe ocasionaria uma saturação e um freio. Trata-se, fundamentalmente, de apreciação estética, mas a mim parece que um universo limitado dessa maneira perderia muito de seu encanto, consistiria, digamos, em um universo tolo e sem brilho, com relação a esse aspecto, contrastando com todas as suas outras faces.
Pode-se conjecturar, no entanto, que nossos olhos tenham sido, até agora, ludibriados por nosso tamanho imenso, ou melhor, pela natureza minúscula de um mundo desconhecido. O conceito de átomo foi reeditado em nossos tempos para designar, conforme ideia antiga, as menores partículas existentes. A familiaridade com tais entidades, rapidamente, sugeriu sua subdivisão em partículas menores, como elétrons e prótons, tendo sido necessário mais tempo para divisão ainda menor, evidenciando os quarks. Como em todas as épocas, acreditamos conhecer os componentes fundamentais da matéria, sua composição última. Acresce a isso certa imposição quântica de imprecisões intrínsecas às medidas, impossibilitando existências (ou seu descobrimento) além de certos limites. Supondo-se a validade da mecânica quântica, parece não haver sentido em elucubrar sobre a existência de um micro-micromundo, ainda muito menor que o mundo quântico, algo análogo e oposto à concepção de galáxia no macromundo. A carência de sentido de algo tão ínfimo decorreria das relações de incerteza.
Se a mecânica quântica corresponde à teoria definitiva, se já chegamos aos limites últimos da matéria, então não há nada abaixo de elétrons, e estamos fadados à utilização de um mínimo de energia para a aquisição de cada informação, garantindo que o crescimento ilimitado de informação exigiria fonte de energia ilimitada, restrição firmemente estabelecida.
A possibilidade de uma miniaturização ilimitada, no entanto, permitiria conjecturar um aumento ilimitado na informação sem um gasto correspondentemente imenso, tornando-o possível.
O ponto de acumulação, esse momento tão extraordinário que quase místico, exigiria a superação dessa barreira quântica, ou a saturação decorrente da falta de energia, em algum momento, interromperia seu caminho.
A expectativa é de que os seguintes passos ocorram em breve: os computadores construirão, autonomamente, máquinas mais aperfeiçoadas que elas próprias. Essa ocorrência acelerará o processo de aperfeiçoamento dos computadores. Máquinas inteligentes serão criadas, e construirão outras ainda mais inteligentes que elas mesmas. Essas máquinas ampliarão nossos conhecimentos até um nível extraordinário. Haverá, provavelmente, um ou mais saltos evolutivos posteriores, inimagináveis, incompreensíveis por nós, mesmo antes que a eventual saturação decorrente de limites quânticos se imponha.
Espera-se o surgimento de uma inteligência extraordinária idealizando o passo seguinte, ainda maior que ela mesma. Essa suprainteligência muito além de nosso entendimento engendrará todo o conhecimento que nossa inteligência poderá um dia alcançar. Pode-se, sensatamente, esperar a superação da mecânica quântica, ou sua confirmação definitiva, definitiva à compreensão humana, ao menos. O resultado dessa aproximação com o ponto de acumulação corresponderá a uma aceleração de todas as coisas. Estaremos entrando em um turbilhão, em um redemoinho cada vez mais rápido girando intensamente nas proximidades do grande momento. A sucessão de mudanças, de descobertas, corresponderá, em instantes, ao que costumamos esperar em um longo tempo. É provável que novas teorias se substituam, umas às outras, em curto espaço de tempo, e que novos pressupostos substituam os quânticos, ou que, ao contrário, a teoria quântica adquira uma credibilidade ainda mais firme que a atual. Seja como for, a aceleração alcançada fará com que as considerações iniciais desse texto se fundam, tornando plausíveis expectativas que, em outras condições pareceriam insensatas. Assim, a velocidade das mudanças nas proximidades do ponto de acumulação farão equivaler previsões para um futuro próximo, às que, em outros tempos, só seriam admissíveis para futuros longínquos, sendo esperada uma sucessão de novidades mirabolantes e surpreendentes jorrando aos borbotões, em todos os níveis. Nesse contexto, imaginar a superação das limitações quânticas aos limites mínimos da matéria, e da miniaturização, torna-se aceitável, assim como a superação concomitantemente das limitações energéticas correlatas, viabilizando a expectativa do prosseguimento ilimitado do processo. A beleza do processo induz minha inclinação por tal possibilidade; sua alternativa, por outro lado, a inevitabilidade da saturação, ocasionará riscos imensos, provavelmente intransponíveis, a nossa sobrevivência.