Um Pedido
Se eu pudesse pedir uma coisa sequer, pediria que tudo fosse mais do que parece ser. Seria muita exigência que minhas visões fossem transmutadas de tal modo, que essa perspectiva pálida, tímida, isenta de anima, tomasse a forma daquilo que meus anseios abstratos mal conseguem constituir em minhas ideias? Ou, como diriam os que sequer reduzem a realidade, tampouco ampliam-na - céticos desta existência -, nada poderia haver por detrás de tão simples e facilmente explicáveis elementos, incapazes de nos prover influência visto que nosso cotidiano, nossa passagem no mundo de um modo geral, depende estritamente da luz que aquece nossos corpos e ilumina a retina dos nossos olhos, ou dos sons que nos guiam mediante as melodias, as vozes carentes, vozes doces e indecentes. Nada de luzes coloridas que pairam ao redor dos nossos corpos ou matizes melódicas que ao passo que se alteram, mudam consequentemente nosso estado psíquico, ou melhor, nossa aura indomável, nosso mantra irrevogável.
Parece mera prece de minhas percepções, mas creio que é algo mais profundo e indescritível que somente aquilo que nossos sentido nos ordenam a acreditar. Pediria em reinvidicação ao ser, tudo o que me foi negado quando foi me foi selado esta infinitude, que se difere da suma infinitude por condenar o homem ao tempo cronometrado. Se é que ele pode me ouvir, me sentir, me amar? Eis a questão, não se manifestando de maneira alguma, o mais forte sentimento é que será a evidência de ecos não coexistem com quem o professa, mesmo com quem os vocifera!
Pergunto-me se poderia ser representado como um ser, ou se não o é o bastante. Neste caso, o máximo que eu poderia fazer é referir-me, sumamente referir-me, como quando pensamos o nada sem nos darmos conta disso. Afinal, quando o conceito de inexistente invade nossa mente, o nada toma uma forma específica e deixa de ser nada. Se para além daquilo que podemos sentir há algo intangível, poderia ser isto o nada, nossa percepção do tudo, e novamente, a existência do nada, apenas o nada. Mas estes, nessa altura, tornam-se meros devaneios que se perdem nas conceitualizações daquilo que só pode ser pensado, se não for pensado; só pode atuar ativamente se mantiver-se inteiramente inerte; só é capaz se poder algum possuir; só existe de fato se não existir, não for pensado, debatido ou meramente elogiado pelos cânticos dos que o apreciam, suscetíveis ao seu efeito devorador que corrói tão enrugados corações, ensurdecendo a si mesmo com a voracidade que age no seu desprezo pelos cânticos que não sejam os teus, nutrindo-se sem aperceber-se que seu jejum o tornaria menos magro que o é quando corteja com a fome, negocia solenemente como se os pratos que os homens comem devessem ser ruminados antes de serem engolidos, isto é, os homens possuem mau gosto, enquanto você degusta os amargos frutos que a terra vos concede, e quando não são amargos, são azedos e estragados. Os homens gostam de triturar seus próprios intestinos, ao passo que quanto menos comida mal lavada e cuspida você ingere, menos se mistura com aqueles que agarram suas preciosas vidas, como se estas fossem preciosas. E até podem ser, sendo esta também uma palavra de podre definição.
Por um lado, há a angústia que admira alguns de que possam existir homens que prezem o nada, por outro, seus adoradores o fazem, e são os que mais próximo chegam de um extremo que, ousando eu, nem por extremo pode ser descrito. Os extremos se constituem e delimitam-se, para o destruidor de sonhos só resta uma associação com o buraco negro que tudo absorve, não vos prometendo retorno.
Ouçam bem os meus conselhos, pois o desprezo é a causa de toda incompreensão inconsequente; os conhecedores do nosso universo não são abstracionistas, são experienciadores. E são estes seres que, posso dizer eu sem temor algum, que vivem com os espíritos a eles dados, confluindo com o fluir do um que é o todo, que estão a beira de um colapso ou até mesmo de uma transfusão; assemelhasse a um homem intensamente apaixonado por uma imensa esfera de energia, que ao se aproximar dela, vislumbra nitidamente a bifurcação dos seus destinos, onde por um dos caminhos finda na incineração pela esfera imponente, ainda gemendo seu último menosprezo por ela que o iludiu, e por outro ao tocá-la, percebe que a completa matéria do seu corpo e da esfera, unem-se em um único ser que vagueia pela existência em busca de uma nova união.
São estes seres que vivem na corda bamba, e é a corda bamba que oferece as intensidades dos prazeres e dos perigos; dos acontecimentos indescritíveis; seja pelo esplendor; seja pelo acidente fatal.
Ouçam bem os meus conselhos, vós que vivem sob a inconsequência dos plenos prazeres, do culto sem temor ao senhor impotente do nada. Como disse anteriormente, o retorno não é prometido àqueles que se envolvem amorosamente com a sedução das trevas, para nenhum de vós! Nenhum destes retornou até os dias de hoje, somente afundam-se e desaparecem, ou gritam enquanto são puxados, para que o mundo inteiro ouça os ecos de suas inspirações.
Felipe Fernandes