Norma
 
Autoria: Bellini (Vicenzo - 1801-1835 - Itália) 
Libreto: Felice Romani

Personagens
 
Norma – Grã Sacerdotisa Druida. Interpretada por uma Soprano.
Pollione – Pró Cônsul romano. Interpretado por um Tenor.
Adalgisa – Virgem do Templo. Interpretada por uma voz Contralto.
Oroveso – Sacerdote Supremo Druida e pai de Norma. Interpretado por um Baixo.
Flavio – Centurião romano. Interpretado por um Tenor.
Clotilda – confidente de Norma. Interpretada por uma Mezzo Soprano.

Local e Época
 
Gália (França atual) c. 50 AEC.

Enredo
 
O primeiro ato é encenado na reprodução do “Bosque sagrado dos Sacerdotes Druidas” que exercem o governo espiritual dos Gálios (atuais franceses), então sob o domínio da Roma Imperial. Ao centro, avista-se o majestoso “Carvalho Sagrado” e sob ele o “Altar Ritual”. Também se vislumbra a presença de inúmeros parasitos nos galhos da árvore, os quais serão expurgados em cerimônia mística, que só ocorrerá quando as profecias se realizarem.
A baixa iluminação indica ser noite, mas mesmo entre as sombras é possível vislumbrar a inquietação do povo em sua ânsia de se libertar do jugo romano. Apenas, o respeito que tem à liderança dos Sacerdotes, a quem caberá decidir o início da revolta, é que lhes impede de agir.
Pouco depois, uma solene procissão avança pela cena, tendo à frente os orgulhosos guerreiros gálios e logo atrás os Druidas, liderados pelo Sumo Sacerdote Oroveso.
Chegando ao centro do altar, ele ordena que seus auxiliares subam as colinas próximas para avisarem do surgimento da Lua, o sinal que dará início ao ritual de expurgo dos parasitas da árvore sagrada e da profecia em relação ao destino da Gália.
Inicialmente ele invoca o deus “Irminsul”, rogando-lhe ajuda para expulsar os invasores. Em seguida, finaliza o ritual preliminar vibrando o grande escudo de bronze, que representa aquela divindade, e a cena se esvazia.
Nela, pouco depois, dois jovens romanos adentram furtivamente: Pollione, o Pró Cônsul (governador da ocupação) e o seu fiel amigo Flavio, centurião. Ambos se movem pelo local com cautela, pois Flavio insiste que Norma – a alta sacerdotisa Druida – avisou-os que o bosque é um local sagrado e que a entrada no mesmo é considerada um sacrilégio, passível de ser punido com a morte.
Pollione, casado secretamente com essa mesma Norma, não desconhece o perigo que corre, mas aos riscos ele está habituado, já que além de seu casamento proibido com Norma, ele é o pai de seus dois filhos. Ao perigo, pois, está exposto tanto por ter “traído” Roma, quanto por ter desposado uma “Alta Sacerdotisa”, tornando-a “impura”.
Norma, obviamente, também corre sérios riscos, pois além de ter quebrado seus votos, casou-se com o inimigo odiado.
É, em suma, um amor que venceu grandes desafios, mas que surpreendentemente está prestes a ruir, pois Pollione confessa ao amigo Flavio que se apaixonou por outra mulher, a bela Adalgisa e que já não ama a esposa, a quem nada contou por temer que ela se vingue cruelmente da jovem.
Nisso, os vigias nas colinas dão o sinal de que a Lua surgiu e como os dois romanos sabem que os Druidas retornarão ao bosque, apressam-se em fugir.
Na sequência, uma Marcha religiosa indica que os oficiantes da cerimônia estão próximos. À frente vem a Grã Sacerdotisa Norma trazendo uma foice de ouro para que sejam cortados os ramos infestados no “Carvalho Sagrado”.
É uma cena deslumbrante. Efeitos de luz simulam os raios de luar incidindo em sua fronte, enquanto ela entoa a mais célebre ária da Ópera, “Casta Diva”, e anuncia solene: “O destino de Roma está nas mãos dos deuses e quando Roma chegar ao fim não o terá chegado pelas forças externas, e sim pelas forças de destruição geradas dentro da própria Roma”.
Depois, anuncia ao povo que quando chegar a hora da revolta, ela, pessoalmente, dará o sinal. A massa grita com entusiasmo e jura vingar-se primeiramente de Pollione, o detestado Governador romano.
Logo depois desse momento de catarse, a cena se esvazia, exceto pela jovem Adalgisa que se ajoelha em frente ao altar e implora que os deuses a libertem do amor que sente pelo Pro Cônsul e que julga equivocado. Em seguida, Pollione abandona o esconderijo em que estava e, enlaçando-a, jura-lhe amor eterno e propõe fugirem juntos.
A princípio ela o repele, mas vencida pela paixão, aninha-se em seu peito e diz que o seguirá incondicionalmente. Ambos, então, cantam o romântico Dueto “Vieni in Roma” e combinam escaparem na noite seguinte.
É o fim da primeira cena.
A segunda cena se desenvolve na tosca habitação de Norma: uma despojada caverna, revestida com o couro de animais selvagens.
Ali, acompanhada por seus dois filhos, ela conta a Clotilda de sua preocupação com o chamado que Polônio recebeu de Roma, pois teme que ele a abandone, assim como teme que o casamento e os filhos sejam descobertos por seu povo, o que ocasionará terríveis consequências para todos.
Nesse momento um vulto assoma à porta e ela só tem tempo de pedir que Clotilda esconda as crianças.
É Adalgisa, que oscila entre o entusiasmo do amor e a culpa que sente por ter quebrado os votos. Veio para se confessar com a Grã Sacerdotisa e pedir-lhe a dispensa do sacro juramento.
Norma, tendo em mente o seu próprio amor, acolhe-a com bonomia e a absolve de toda culpa, desejando-lhe êxito em sua partida para outras terras, com o homem amado. Por fim, indaga-lhe quem é o escolhido e quando Adalgisa vê Pollônio chegar, diz que é ele, sem sequer imaginar que se trata do marido da outra.
A surpresa desfigura o semblante de Norma e, ensandecida, ela acusa Pollônio de trair-lhe e, também, aos filhos. Depois, selvagemente, volta-se contra Adalgisa e diz que o marido é um crápula, duplamente culpado por ter traído a ambas.
A jovem, por sua vez, aos poucos se recupera do choque que também experimentou e assegura a Norma que diante dos fatos, o seu amor por Pollônio foi substituído pelo mais profundo ódio e desprezo.
Pollione desespera-se com a atitude de Adalgisa e implora que ela não o deixe. Tenta segurá-la, mas ela se lança nos braços de Norma, que, no auge de sua fúria, expulsa o Procônsul entoando a vigorosa ária “Vanne, si mi lascia, indegno...”.
Todavia, do alto de sua arrogância de conquistador de terras e de mulheres, ele não se dá por vencido e cinicamente desafia a ex-esposa, mas, nesse momento, ouve-se tocar o “Gongo de Irminsul” convocando os Druidas ao Templo.
Abraçadas, Norma e Adalgisa seguem para o ritual enquanto Pollônio, transbordando de rancor, deixa a cena.
É o fim do primeiro ato.

§§§
 
O segundo ato começa na réplica de um aposento da caverna onde Norma reside.
Dormindo o sono dos inocentes, as crianças não despertam com a chegada da mãe, que traz expressa no semblante toda a dor que lhe corrói a alma.
Após olhá-las longamente, num misto de ternura e de tristeza, ela saca um longo punhal e dirige-se aos filhos dizendo: “melhor para eles morrerem, que viverem como escravos em Roma”.
Porém, antes de lhes dar o golpe fatal, o amor materno grita mais alto e a impede de cometer o bárbaro infanticídio. Então, como se saísse de um transe horrendo, ela se ajoelha e pede perdão aos deuses e às crianças pela insanidade que esteve prestes de cometer.
Nisso, ouvindo o seu choro convulsivo, os pequenos despertam e ela pede que Clotilda traga-lhe Adalgisa a quem pede que entregue os filhos a Pollônio, o pai.
Adalgisa pressente que por trás daquele pedido está a intenção de Norma cometer suicídio e, por isso, recusa-se a cumprir a solicitação e roga-lhe que não consume mais uma tragédia. Contudo, Norma insiste para que ela se vá e, novamente, Adalgisa retruca, cogita ir ao acampamento romano para pedir que Pollônio volte para a esposa e filhos e, por fim, coloca à sua frente os filhos ajoelhados, enquanto é entoando o Dueto “Mira, o Norma”, que roga à mãe que contemple os pobres meninos e poupe a sua vida por eles.
É um apelo por demais dramático e Norma não consegue resistir-lhe, abandonando o seu mórbido intento.
E, desse modo, a primeira cena é encerrada.
A segunda cena é encenada na reprodução de uma caverna onde estão reunidos vários guerreiros Gálios, ansiosos para lutarem contra os romanos. Ali se reuniram para planejarem a expulsão dos odiados invasores e só aguardam a autorização dos Sacerdotes Druidas, para tanto.
Pouco depois, chega Oroveso, o Sumo Sacerdote, cuja fisionomia carregada indica que porta más notícias.
E, de fato, a sua primeira fala é para dizer que o Pro Cônsul Pollônio foi chamado de volta a Roma e que o seu sucessor será ainda mais cruel.
Os guerreiros se agitam e perguntam-lhe o que a Sacerdotisa Norma falou a esse respeito, mas Oroveso só tem a lhes dizer que, por hora, ela ainda não autorizou o ataque, malgrado todo o ódio que sente pelo maldito invasor. Pede-lhes, depois, que mantenham a falsa aparência de resignada submissão, pois isto é que lhes dará a vantagem da surpresa, quando for o momento de liquidar e expulsar o estrangeiro infame.
É o fim da segunda cena.
A terceira cena é ambientada na reprodução do Templo do deus Irminsul. Nele, Norma aguarda ansiosamente o retorno de Adalgisa que foi tratar com Pollione da guarda das crianças e, indiretamente, da reconciliação do casal.
Porém, quem primeiro chega é Clotilda que lhe conta do insucesso da jovem Sacerdotisa em sua tentativa de reaproximá-la do marido, já que ele tornou a jurar-lhe eterno amor, implorando que ela o acompanhasse a Roma. Chegou até a forçá-la fisicamente e só a muita custa, ela conseguiu escapar e refugiar-se noutra dependência do Templo.
O comportamento de Pollione decepciona e enfurece Norma ainda mais. Tomada por extremo ódio, deixa-se levar pela impulsividade e ordena que o “Gongo de Irminsul” seja vibrado por três vezes, conclamando todos os Gálios para a guerra contra os invasores.
E uma grande massa belicosa atende ao seu chamado, tendo Oroveso à frente. Está armado o cenário para a bestialidade.
O Sumo Sacerdote indaga a Norma o motivo da convocação e ela confirma que é chegada a hora de se guerrear. O povo responde exaltado, sedento por sangue e vingança.
Oroveso também se inflama, mas com um resto de racionalidade, lembra-lhe que ainda não se fez o sacrifício ritual no altar, o que é indispensável em momentos tão grave quanto aquele.
Norma aceita a observação e diz que será feito no momento adequado. Do lado externo a malta aguarda inquieta a ordem final.
Nisso, Clotilda entra no Templo e avisa que o “Bosque Sagrado” fora profanado por Pollione e que ele, nesse momento, está sendo conduzido preso à presença da Sacerdotisa.
Pouco depois, os guardas introduzem-no no átrio e ele, arrogante como de hábito, livra-se das amarras guardas e se posta em frente a Norma, numa atitude de claro desafio.
Oroveso saca o punhal ritual e dirige-se a ele com a intenção de matá-lo, mas Norma o detém e avança pessoalmente contra o seu ex-marido; porém, antes de atingi-lo faz uma pausa dramática e pede que todos se retirem, pois ela quer interrogar o cativo acerca de seus objetivos e motivos para profanar o “Bosque”.
A sós, ela diz que se ele jurar que nunca mais procurará Adalgisa ela o libertará, mas ele recusa a oferta, deixando transparecer na voz embargada todo o amor que sente pela jovem. Em seguida, parcialmente recomposto, diz, altivo: “Não! Nada lhe prometerá, mesmo que ela ameace matar aos filhos de ambos!”. Depois, todavia, mostrando-se mais pai que guerreiro, implora-lhe humildemente que não faça mal às crianças, pois elas são vitimas inocentes. Que ela se contente em assassiná-lo e poupe os pequenos.
Humilhada por ter se rebaixado de novo e pela postura digna de Pollônio, Norma ainda tenta uma ultima cartada e lembrando-o de sua condição de Grã Sacerdotisa, diz que deverá realizar o sacrifício ritual e que a vitima será Adalgisa.
Pollônio sente o golpe terrível e volta a implorar que ele mate apenas a si e deixe que todos os outros inocentes continuem a viver, mas Norma recusa, dizendo que assistir à morte de sua amada ser-lhe-á mais doloroso e que, assim, ela se sentira melhor vingada.
Na sequência, entoa-se o Dueto “In mia man alfin tu sei (Enfim estás em minhas mãos)” e ela volta ao Altar, onde permanece em atitude vingativa e cruel, enquanto o povo atende a sua nova conclamação.
Com voz solene e postura marcial, ela anuncia que a vitima do sacrifício já foi escolhida, sendo uma “sacerdotisa que foi falsa em seus votos”.
Iracunda, a multidão pede que ela identifique a traidora e Pollione, submerso em angústia, suplica que ela tenha clemência de Adalgisa. Que não seja tão vingativa.
Nesse momento, a plateia é surpreendida com uma reviravolta inesperada, pois Norma atira longe as suas insígnias de Grã Sacerdotisa e diz ser ela a “Sacerdotisa Pecadora”.
O espanto é geral e atinge a todos, já que o seu comportamento anterior não sinalizava que ela fosse ter uma atitude tão digna.
Jogando por terra a “Grinalda Cerimonial” ela pede que seja feita a fogueira para o seu sacrifício e dirigindo-se a Pollônio diz que ainda o ama, como sempre amou.
Ele, por sua vez, responde-lhe dizendo que agora consegue ver que o seu sentimento por Adalgisa foi apenas um encantamento passageiro, um deslumbramento momentâneo e que ela, Norma, é, sim, o seu amor verdadeiro.
Entrementes, Oroveso e outros Druidas do alto escalão tentam convencer Norma de que a sua atitude foi irracional, motivada apenas pelas pressões e que, por isso, ela deve voltar atrás em suas decisões, já que nela reside a reserva moral, patriótica e libertária que faz dos Gálios, o povo altivo que é.
Norma, porém, não lhes dá atenção e insiste em assumir a culpa, haja vista que os seus atos contrariaram a todas as Leis do Sacerdócio Druida e à confiança dos galeses. Que ela, portanto, arque com os merecidos castigos. Em seguida implora que Pollônio cuide dos filhos que tiveram, mas ele, ao contrário, diz que a acompanhará na morte, pois a culpa também é sua.
Nesse ponto a pira sacrifical é concluída. Norma abraça e despede-se do pai Oroveso e aceita que lhe cubram a cabeça com uma negra mortalha, enquanto os Sacerdotes entoam fúnebres cânticos e hinos, que celebram o fogo que haverá de purificar o Templo Sagrado.
Então, abraçados, Norma e Pollione caminham resolutamente em direção ao fogo e sem qualquer hesitação entregam-se às chamas devoradoras. Já não são inimigos, apenas um homem e uma mulher que viveram e morreram por amor.
É o fim da Ópera.

Histórico
 
Vincenzo Bellini viveu apenas trinta e quatro anos, mas a sua breve existência foi altamente produtiva, como bem atestam as onze magníficas óperas que compôs.
“Norma” foi a oitava e, seguramente, a que mais glória e reconhecimento lhe trouxe, desde que estreou no Teatro Alla Scala, de Milao, em 1831.
A profusão de elementos melódicos sublimes - especialmente as Fanfarras guerreiras e os Coros dos Sacerdotes Druidas e os dos Guerreiros gauleses; os belíssimos efeitos do Coral e os cenográficos e o empolgante enredo conquistaram desde o primeiro minuto a simpatia do público e as graças da Crítica, que logo a classificou com uma das mais belas “Tragédias Líricas” que já haviam sido produzidas.
O libreto de Felice Romani, que tanto contribuiu para esse sucesso, foi feito a partir de uma peça de Alexandre Soumet, que estreara um ano antes, 1830, e que contava as ânsias e as lutas dos Galos (gálios, gauleses, franceses) contra o invasor romano; tema de apelo universal, pois não há quem não simpatize com as lutas pela liberdade e pelo fim da opressão.
Atualmente a Ópera conserva a sua condição de favorita o público e, por isso, é encenada com a constância adequada a sua grandiosidade.
 
 
São Paulo, 26 de Agosto de 2015.
Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro, inverno de 2015.