O Fundo da Cultura ou a Cultura no Fundo?
A cultura está tão arraigada em nosso jeito de ser e pensar que não percebemos sua vitalidade e beleza. Muitas vezes somos incapazes de compreender como personificamos o cosmos de expressões culturais que nos circundam e atravessam nosso imaginário dia após dia. Somos produtores e produto da nossa Cultura. As dimensões simbólicas das manifestações culturais são a preciosidade de uma comunidade, os seus gestos, técnicas e celebrações, a memória oral, as tradições são elementos significativos na identidade cultural das pessoas. Segundo os antropólogos, historiadores, filósofos e sociólogos a cultura seria um conceito complexo com múltiplos significados. O consenso entre os especialistas da área é que os seres humanos são a única espécie no planeta, até então conhecida, que é capaz de produzir a sua cultura. Desde o primeiro artefato elaborado por um artesão pré-histórico até a pretensa colonização espacial nos expressamos por meio da cultura, seja erudita ou popular.
A cultura dominante envolvendo somas exorbitantes de dinheiro em grandes eventos parece ser o único tipo de expressão existente. A indústria cultural investe em meios de comunicação de massa preocupados em propagar um discurso alienante e garantir seus lucros. A cultura popular está fincada na memória social e nas tradições das comunidades, garantindo o sabor da típica culinária local, o ritmo dos festejos e o balanço das danças folclóricas. Diante das contradições impostas pela noção de cultura que adotamos, pergunto: qual é o valor da Cultura? Dependendo de quem for interpelado teremos uma resposta. Se questionarmos um mestre griot das tradições africanas ou um cacique ancião e zelador da cultura indígena, certamente afirmarão que a cultura é ImEnSuRáVeL, ou seja, é tão valiosa que não tem como medir seu valor, em sua visão de mundo, a cultura é a própria VIDA. Sem cultura a vida não tem sentido, os sujeitos ficam perdidos no espaço-tempo, não há porque existir. Se perguntarmos aos produtores culturais comprometidos com os grandes eventos e espetáculos, certamente, afirmarão que o valor da cultura está no que foi arrecadado nas bilheterias e nos direitos de imagens e publicidade. A cultura do entretenimento torna-se MeNsUrÁvEl, ou seja, há como medir ou atribuir valores, nesse caso, o valor monetário. Sem dúvidas, para movimentar a cena cultural se faz necessário investimentos, recursos e fontes financiadoras. Por incrível que pareça, ativistas culturais, artistas e artesãos, produtores independentes também se alimentam, pagam aluguel e tem que sobreviver de alguma forma, pois são trabalhadores comuns como em qualquer categoria. Agora, se fizermos a pergunta para os representantes do poder público, a resposta será mais ou menos assim: A Cultura tem um valor Simbólico muito importante, porém nos interessa seu valor monetário. O valor monetário em que sentido? No sentido de compreendermos que a CULTURA ESTÁ NO FUNDO!?!?
Apesar de ser mais importante o fomento a cultura do que asfaltos e novos prédios, ciente que o investimento em ações e projetos culturais sempre foi o fator de maior descaso dos governos. Os agentes culturais estão cansados de receber migalhas como se fosse um favor, uma “boa ação” por parte dos governantes. Realmente, a cultura está no fundo das prioridades. Por outro lado, existem leis e editais de fomento a cultura em suas mais variadas interfaces à nível Federal, Estadual e Municipal. No município de Torres existe uma luta histórica engendrada pela classe artística, uma batalha intrincada, ora gozando vitórias, ora amargando derrotas e retrocessos. Em 1992, foi inaugurada a Casa da Terra, localizada numa edificação histórica na Rua Júlio de Castilhos, o centro de cultura onde agremiavam-se os artistas. Uma das demandas da época era a criação da Secretaria de Cultura e que fosse implementado um fundo municipal de cultura com o objetivo de incentivar os projetos locais. Em 2015, temos a Secretaria de Cultura e Esporte e o almejado fundo que previa o financiamento da cultural local, conhecido como FUMCULTURA (Fundo Municipal de Cultura). Para a efetivação do processo foi constituído o Conselho Municipal de Políticas Culturais de Torres (COMPCULT) com a representação de diversos setores da classe artística e cultural. Como resultado do processo foi lançado no primeiro semestre do corrente ano, o tão sonhado edital para a seleção de projetos culturais. O fundo contava com R$ 150 mil dividido em R$ 80 mil para o primeiro semestre e R$70 mil para o segundo. Regozijo entre as Torres, uma conquista histórica... Infelizmente o gostinho de vitória durou pouco e as expectativas que brilhavam dos projetos que atenderiam cerca de 15 mil pessoas transformou-se em uma avalanche de frustrações, reuniões e desencontros, “jogos políticos” e “promessas vazias”.
No processo do Edital 001/2015 foi estabelecido o teto de R$ 15 mil para os projetos selecionados sendo que a comissão avaliadora decidiu baixar o teto para R$ 8 mil em virtude de contemplar o maior número de projetos. Foram inscritos 17 projetos sendo 10 selecionados para a execução ainda no primeiro semestre. Uma escolha democrática, projetos envolvendo o teatro, a dança, o audiovisual, a publicação de livros, oficinas... Os proponentes assinaram os termos de fomento com direito a divulgação nas mídias impressas e virtuais. Passaram-se meses da homologação e apenas dois projetos receberam seus recursos; o CTG Porteira Gaúcha recebeu R$ 8 mil e mais R$ 7 mil da Câmara de Vereadores (que estranho, hein?!?!?) e o evento I Permangola recebeu apenas os R$ 8 mil que tinha direito segundo o edital. O restante dos projetos não receberam nenhum “tostão furado”, alguns em andamento outros em fase de finalização. Sem contar, os projetos que não iniciaram porque não tiveram como adquirir os materiais básicos. Após delongas, encontros e reuniões de gabinete, foi prometido o pagamento dos projetos e ainda o lançamento do segundo edital para esse semestre. Será? O acordo: aos projetos "renegados" pagariam duas parcelas de R$ 4 mil, uma em agosto e outra em outrubro. A justificativa: a crise econômica. O mistério: onde estará os recursos do FUMCULTURA? Por enquanto, os agentes culturais e a sociedade civil ficam sem respostas... Diante do dilema, um hiato “O Fundo da Cultura ou a (Gestão da) Cultura (está) no Fundo (do poço)? A única certeza é que a luta continuará, seja nas ruas ou nos meandros judiciários.
Publicado no Jornal Litoral Norte RS e Jornal A Folha.