Como será o mundo após o ponto de acumulação?
Impossível prever o que ocorrerá após mudança tão radical; talvez sucumbamos pouco antes desse momento. Se sobrevivermos, a única certeza é que nada será como antes. Mas algumas consequências poderão ser vislumbradas com certa clareza.
Recapitulemos.
De tempos em tempos, a ocorrência de saltos evolutivos acelera a velocidade evolutiva dos replicadores. Trata-se de um fenômeno metaevolutivo, constitui uma evolução da evolução. Inicialmente, tais saltos levavam bilhões de anos para ocorrer, foram se acelerando. O último deles consistiu na criação de computadores, máquinas que, logo, serão capazes de projetar computadores mais aperfeiçoados que eles próprios, que projetarão outros em uma sucessão sem fim. Em seguida, acabarão dando um novo salto evolutivo, e desenvolverão algo ainda impensável, mas capaz de acelerar o processo de evolução ainda mais. Levará, talvez, uma década, para que tal ser dê novo salto, criando algo ainda superior. Essa coisa inimaginável, criará outra, em talvez um ano, dando novo salto evolutivo. O salto seguinte virá em um mês, o posterior em um dia, depois uma hora, um minuto, um segundo...
Nesse ponto, todo o conhecimento compreensível por nós será desvelado, todo. Muitos outros conhecimentos irão surgir, mas muito além de nossa compreensão. Os computadores já serão inteligentes no primeiro estágio, criarão algo acima deles. Inteligências impressionantes transbordarão desse processo como bolhas jorradas pelo sopro em um copo com água e sabão. Os primeiros desses seres já desvendarão todo o conhecimento que nós poderemos vir a compreender. Haverá uma espécie de google mirabolante conhecedor de todas as respostas passíveis de compreensão por nós. Bastará, assim, saber enunciar a pergunta para obter a resposta possível. Novas respostas sugerirão novas perguntas, de modo que, muito ao contrário da estagnação, esse ponto permitirá uma imensa luz sobre todo o nosso conhecimento. Teremos que saber perguntar, e compreender a resposta, no mais, todos os conhecimentos possíveis estarão disponíveis para nós, a imensa maioria deles incompreendida. O resultado será similar a livros de matemática empilhados em uma estante, incompreensíveis para a maioria de nós, mas estarão ali, já prontos.
A profusão de conhecimentos jorrada em um único instante modificará drasticamente toda a nossa relação com o mundo. Soluções para inúmeros problemas atuais estarão disponíveis para todos. Toda a tecnologia possível estará à disposição. Longe de equalizar o conhecimento das pessoas, essa ferramenta estrondosa amplificará nossos saberes, de modo que os que muito sabem, multiplicarão enormemente seus conhecimentos. Os que nada sabem, ganharão muito menos com a amplificação. A era do conhecimento ganhará reforços imensos. A transição de eras ficará explícita. Nada será como antes.
Depois, as coisas se “estabilizarão”, mas numa estabilidade de mudanças contínuas. Descobertas continuarão sendo feitas por nós, em quantidades atordoantes, mas terão um outro sentido: “descobrir” significará, quase sempre, ter descoberto a pergunta certa a fazer, e compreender a resposta. De certo modo, isso sempre foi assim, mas tal significado ficará muito mais explícito.
Toda a ciência, todo o conhecimento, estará disponível a nós de uma só feita, de imediato, podendo parecer, aos tolos, que nada mais restará por descobrir, quando, de fato, o conhecimento estará disponível, apenas necessitando ser colhido, compreendido. A compreensão se assemelhará ao estudo atual, à incorporação ao próprio entendimento de descobertas efetuadas por outras pessoas. Nesse caso as descobertas terão sido efetuadas por outros seres. (Haverá certa analogia com o fato de que, de certo modo, os pássaros descobriram o voo, as bactérias as armas químicas e outros do gênero).
Haverá, no entanto, uma diferença fundamental: cada um de nossos livros atuais pressupõe um contexto. Nossos conhecimentos pressupõem contextos. Mudanças de paradigmas costumam envolver transições de contextos. “Traduções” de conhecimentos para outros contextos são, em geral, permissíveis, mas, normalmente, ao custo de certa perda de conteúdo.
Os conhecimentos jorrados durante o ponto de acumulação advirão de um hipercontexto genérico, e não, como nossos livros, de um contexto único alternativo. Não brotarão espontaneamente em bibliotecas, muito menos em nossas mentes, necessitarão ser “atualizados”, ou “realizados”, explicarei.
Tais conhecimentos terão sido obtidos através de uma hipercompreensão muito superior à que podemos ter, muito mais geral, e poderão ser expressos em múltiplos contextos. (Creio que a diferença entre tais compreensões equivalha à que existe entre a nossa e a de uma barata. Essa expectativa se refere ao primeiro desses seres, a sequência deles será ilimitada).
Para compreender tais inovações, no entanto, para nos apossar de tais novidades, teremos que torná-las acessíveis a nós, exigindo que elas se conformem aos nossos próprios contextos. Com tal intuito, formularemos perguntas contextualizadas, esperando respostas no mesmo contexto, enunciadas na mesma língua, utilizando o mesmo vocabulário.
Frequentemente, no entanto, como sabemos, nossas perguntas não terão uma boa resposta naquele contexto. Com o intuito de compreender o que buscamos, deveremos transladar a um outro contexto, abrindo espaço a um outro paradigma; só assim conseguiremos enunciar as perguntas adequadas às respostas que buscamos; só assim poderemos interpretar e compreender as respostas enunciadas. Essa foi sempre, aliás, a tarefa fundamental do cientista, continuará sendo. Palavras definirão e redefinirão mundos.
Desse modo, a tarefa fundamental do cientista consistirá em desenvolver novos contextos que permitam a formulação adequada das respostas desejadas. Tais contextos sugerirão novas perguntas, anteriormente impensadas por nós, mas já respondidas no hipercontexto dos seres inimagináveis, incompreensíveis, que verão a nós, não como baratas, suspeito, mas como montanhas. Creio que será assim. Creio que os novos seres serão minúsculos e se perderão nas infinitesimalidades (muito menores que micróbios, menores, suspeito, que átomos {a impossibilidade de miniaturização ilimitada será catastrófica, apocalíptica}). Também serão rápidos, suponho, e, assim, nos verão como montanhas, relitos de outras eras.
As consequências sociais serão imensas. O poder estará, em grande medida, com o conhecimento. Indivíduos inteligentes, solitariamente, serão capazes de confrontar “países” inteiros. (Suspeito que o conceito de “país” já terá caducado). Haverá um enorme risco na posse de tecnologias bélicas. Adolescentes poderão dominar os jogos de guerra com habilidade extraordinária. Temo o risco estúpido dos jogo de guerra mais que todos os outros.
Nosso destino estará em outras mãos, perderemos as rédeas. De fato, reconheceremos que sempre foi assim; teremos apenas mais clareza da coisa. Temos criado redes imensas (o formigueiro humano consiste em uma rede gigantesca, enriquecida agora com redes de computadores, de telefones e outros. Somos bilhões, logo trilhões, ou trilhões de trilhões, crescendo indefinidamente). Essa imensidão se conforma autonomamente, como um grande cérebro com desígnios próprios. Nunca tivemos controle sobre isso. Ao contemplar tal criatura podemos desvendar as causas últimas da expressão: o poder corrompe. A rede que nos tem corrompido será superada pelo que virá, haverá libertação.
O ponto de acumulação consistirá em uma cornucópia tecnológica jorrando toda a tecnologia possível de uma só feita. Será o florescimento e a colheita de tudo o que temos plantado. O limite será a imaginação. O que puder ser imaginado (claramente e sem contradições) estará à disposição. Tenho dúvidas quanto ao custo da energia, esperança de que não falte. A possível escassez energética resultaria no apocalipse. Céu e inferno se descortinam; a esperança na grandeza do que vislumbro me encanta.